CAPÍTULO 24

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Kyle estivera inconsciente, por cinco dias. Após penetrar a escuridão e o frio, voltou a sonhar com o misterioso silfo em suas estranhas terras, desta vez, tomadas por uma série de conflitos. As memórias, como de costume, diluíam-se gradativamente após o despertar. Neste período, a tripulação do Estrela do Crepúsculo realizou reparos no navio e voltou a navegá-lo em direção ao velho continente.

Sua recuperação trouxe novo ânimo aos tripulantes, que amargavam a perda de três dos marujos no confronto contra a besta marítima. Dias mais tarde, ao se aproximarem do velho continente, ele já caminhava pelo convés, com o auxílio de muletas.

Gorum passava boa parte do dia ajudando Kyle a exercitar-se. Para o gigante, era determinante que o jovem movimentasse a perna mutilada pelas mordidas do Blukutil. No passado, participou da reabilitação de mutilados da guerra contra os bestiais. Os exercícios propostos por Gorum eram dolorosos, mas o tutor não se contentava até que Kyle cumprisse tudo o que exigia.

- Vamos lá Kyle! Ou quer ficar com um aleijão? - repetia Gorum pela centésima vez.

Kyle fazia careta, mas já conseguia dar alguns passos sem a ajuda das muletas.

An Lepard comentava - Vai lá Kyle! Você consegue. - fez uma pausa - mas se não conseguir, nos formaremos uma bela dupla de veteranos aleijados! Há há há!

Kyle fez uma careta para Lepard e retrucou irônico - Muito engraçado.

Gorum não resistiu e caiu na gargalhada. - É sempre saudável manter o senso de humor Kyle! Não é mesmo An Lepard?

O marujo concordou zombando das caretas que Kyle fazia.

- Nan ligue para eles Blequeuin. - disse Claudine beijando sua bochecha. Ofereceu os ombros para o cavaleiro se apoiar, ajudando-o a voltar até a cabine na qual descansava. - Vamos, queridin! Chega desta tortura contra meu herói.

Gorum riu mais e zombou de Kyle, enquanto An Lepard ficou sério e incomodado, observando a intimidade da bela Claudine com o rapaz.

Acima, no tombadilho, Kiorina e Archibald tomavam pouco conhecimento do que ocorria no convés principal. Estavam animados para chegar em Tchilla. Não suportavam mais o mar e queriam pisar em terra firme novamente. Outro sentimento que os unia era o alívio e felicidade pela recuperação de Kyle.

- Foi por pouco, não é mesmo Kina? - disse Archibald sorrindo. Após todo este tempo, a última coisa que ele parecia era um monge Naomir. Os tempos no mosteiro com seus velhos companheiros pareciam distantes. Sequer tinha trajes que lembravam os de um lacorês.

Kiorina também já não se parecia uma lacoresa, tão pouco lembrava a menina que estudava na Alta Escola de Magia de Lacoresh. Seu corpo de mulher estava bem coberto com calças largas e escuras e uma blusa bege com uma gola mais clara. Usava alguns colares de conchas obtidos das ilhas sílficas e grandes argolas prateadas como brincos. Seus cabelos ruivos ondulados desciam até os ombros. No fim, se parecia mais com um marujo dacsiniano.

- Ai! Nem me fala Archie. - suspirou a ruiva.

- Aquilo que fizemos, você sabe, com o meu cajado...

- Puxa Archie! Não consegui digerir aquilo. Acho que pela necessidade conseguimos agir instintivamente e...

- É verdade! - cortou o rapaz empolgado - Foi inesperado, mas ao mesmo tempo, eu simplesmente sabia o que fazer.

Kiorina deu com os ombros. Archibald prosseguiu animado e com brilho nos olhos - Eu tenho estudado o meu cajado. Ele é fabuloso. Não é apenas um canalizador, é muito mais que isso.

- Percebi. Aquele diamante foi...

- É mesmo uma bênção de Leivisa! Aquele velhaco grosseiro ao menos pode ser perdoado por esta magnífica obra!

Kiorina franziu o cenho - Velhaco grosseiro? Não está falando do senhor Atir...

- Claro que não! Lembra-se de quando estivemos em Tisamir?

- Sim, mas...

- Escute, o diamante que carregava, era uma encomenda de Atir para um velho anão que lá residia. Meu encontro com ele não foi muito agradável, sem querer o ofendi e apanhei por conta disso.

- Apanhou, sério?

Archibald deu com os ombros e sorriu. - Agora que possuo o cajado produzido com aquele mesmo diamante, consigo achar graça disso pela primeira vez.

- É por isso que ficou tão resmungão, de repente? Por que apanhou de um anão?

O ex-monge não negou.

- Ai,ai, Archie! E eu achando que te conhecia. Você tem mesmo seus mistérios.

O rapaz ficou bem sério e concordou - O pior é que tenho mesmo. Muita coisa ruim e esquisita aconteceu comigo. Coisas que tenho até medo de contar! Essa coça que tomei do anão é uma bobagem perto do resto todo.

- Não fale assim, você me assusta.

- Muita coisa, eu contei para o Kyle e para Mishtra, exceto este caso do anão. Mas depois de tanto... Sabe, você é família também. Não sobrou muita coisa boa de nosso lar e nossas famílias. Penso que tudo que temos agora é a força uns dos outros.

Os olhos de Kiorina ficaram marejados, mas não chorou. Aproximou-se de Archibald e abraçou-o. - Conte comigo Archie, não só para as tarefas da jornada, mas para desabafar também.

Foi o início de uma conversa longa que se estendeu pelo resto do dia. O navio seguia veloz cada vez mais próximo do destino final: a grande cidade de Tchilla.

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