CAPÍTULO 83

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Archibald, Hana e Derek perceberam que as notícias ruins viajavam rapidamente. O disparate do Imperador Maurícius teve como efeito o fechamento dos portões de cidades como Kamanesh e outras fortalezas entre a capital e o Baronato de Fannel. Ainda assim, não foi difícil obter suprimentos em vilas menores sem tal proteção.

Após três dias de viagem repousaram nas províncias montanhosas de Fannel, terra natal do cavaleiro Derek. Puderam ver tropas sendo convocadas e conduzidas para o sul, provavelmente para confrontar a crise na capital.

Archibald se mantinha muito desconfiado em relação a Hana e Derek e pouco conversavam. Sentia permanente pesar pela morte de An Lepard. Seguia o caminho apontado pelas visões de Hana, mas não conseguia tirar da cabeça o que Nasbit havia dito sobre Weiss. Onde ele estaria? A que planos o homenaseano se referia? Como e quando poderia encontrá-lo? O alvorecer chegava, mas Archibald mal viu o tempo passar pensando em como sua terra natal havia se modificado naqueles anos.

Ele se assustou com o toque gelado da mão de Hana sobre seu ombro. Os olhos da mulher tinham um ar etéreo. Ela sussurrou – Eu tive um sonho... Vi uma perseguição. Você abandonará seu amigo Kyle, pois seu desejo de vingança contra seu tio é forte...

– Weiss? O que viu? Onde ele está?

– Eu vi navios, silfos, uma torre, uma criança...

– Onde? – a voz dele acordou Derek.

Hana piscou e tossiu com vigor. O transe estava se desfazendo.

– Onde ele está? Como poderei encontrá-lo? – Archibald segurou forte nos braços dela.

Hana recobrou a consciência e deu um tapa no rosto dele – Ora, não me toque assim!

– O que houve? – Derek aproximou-se.

– Não foi nada – Ela atirou-se nos braços dele ainda processando a visão. – Apenas descobri que o Prior Weiss é um velho conhecido deste homem.

– Ele está mesmo vivo, então?

– Sim, claro. Imagino o que ele irá fazer quando descobrir sobre a loucura que meu pai aprontou em Lacoresh.

– Você mencionou silfos e uma criança. Quem eram? Onde estavam?

– Não sei. Não reconheci ninguém além de vocês dois. Espere, havia outro homem. Sua fisionomia não me era estranha.

Derek olhou-os com seus olhos faiscantes sob a penumbra e disse – É hora de seguir nosso caminho. Sabe mesmo como chegar em Tisamir?

– Sim – respondeu Archibald.

– Não se preocupe, Sir Derek. Também conheço o caminho. Vivi alguns anos no local.

– Não sabia.

– Há muito que não sabe sobre mim, cavaleiro.

No final do dia chegaram até a base da montanha íngreme sobre a qual a antiga cidadela se situava. Os elevadores estavam na base e destruídos.

– Como subiremos? – Derek avaliou que uma escalada seria quase impossível.

– Do mesmo jeito que escapamos do palácio, mas vou precisar do seu cajado – Archibald entregou-o e ela convocou seu feitiço. Primeiro ela carregou Derek consigo. Dali, podiam ver o vale no qual se situava o Baronato de Fannel e além dele, o planalto de Or. Ventava muito e Hana teve alguma dificuldade para conduzi-lo com segurança até Tisamir.

A velha Tisamir que Hana conhecera agora era uma ruína com vegetação e árvores cobrindo todos os imensos degraus que desciam até a região central. Derek, excitado pela visão, empunhou seu machado e disse – Vou explorar enquanto você busca o monge.

Hana assentiu e mergulhou no precipício sentindo um vazio dentro do peito. O lugar onde conhecera Shaik Kain estava abandonado. De certa forma, ela já sabia. Suas visões nunca mostraram um reencontro com seu ex-marido.

Ao ver a cidade, Archibald surpreendeu-se – Parece abandonada há anos! Sabe o que aconteceu aqui? Foi um ataque de Lacoresh?

– Nunca fiquei sabendo de algo assim.

– Derek! – Ela chamou e ouviu sua voz ecoar de volta.

– Onde ele foi?

– Explorar... – Hana rolou os olhos.

Desceram procurando por ele e observando pequenos animais e pássaros se movendo daqui para ali na medida em que avançavam. Escutaram ruídos de garrafas se quebrando e seguiram na direção dos sons. Derek possuía um faro especial para localizar bares e restaurantes. Entraram em uma construção e viram o machado dele despontando por detrás de um balcão. O cavaleiro revirava garrafas que estavam do outro lado.

– Os vinhos vinagraram, mas achei boas garrafas de aguardente que vão nos aquecer. – informou o gigante com entusiasmo.

– Que bom que está bem – retrucou Hana.

– Sem problemas princesa. Esta cidade está definitivamente abandonada. – Derek bebeu um gole duplo da garrafa empoeirada cheia de um forte licor amarelado.

– Vamos DeReifos, pelo visto, este aí não vai deixar este bar até que tenha revirado a última das garrafas. Estaremos na área central, Sir Derek, nos encontre lá, se ainda for capaz.

– Não se preocupe, princesa, posso beber como um touro.

Hana virou os olhos e saiu.

Desceram até a parte baixa e atravessaram o bosque. Archibald se recordou do velho anão que tinha uma oficina no local. Ele ainda carregava consigo o cajado mágico feito por ele.

– Lá – indicou Archibald – O Ermirak.

– Conheço muito bem este local, monge.

Seguiram até o pátio que ficava na parte central do complexo de edifícios da escola tisamirense.

– Mas o que é isto? – deixou escapar Hana ao ver uma espécie de montanha de entulho aglomerado ali.

Archibald se aproximou e pode ver centenas e centenas de grandes pacotes de tecido grosso e poeirento. Pegou um deles e suas suspeitas se confirmaram. Era uma ossada. Aquilo era um gigantesco túmulo coletivo.

– Deve haver milhares de corpos aqui – ele comentou.

– Certamente os necromantes não sabem sobre este lugar... Seria um prato cheio. Um pequeno exército, já reunido, só esperando para ser reanimado.

– Mas o que será que houve aqui? Um massacre?

– Não... – ponderou Hana – a crença dos tisamirenses na vida após a morte era muito forte, talvez, todos tenham decidido abandonar este local. Um suicídio coletivo.

– Hã? Isso é uma loucura! Não posso crer.

– Por que não pergunta a seu amigo?

– Amigo?

– Sim, ele – Hana indicou um lugar vazio ao lado de Archibald.

– Noran? Você está aqui? – Archibald percebeu que após a passagem por Lacoresh esteve agitado demais. Seus pensamentos estavam confusos. O ódio havia surgido novamente. Pensava muito em Weiss. Perdera totalmente sua sintonia com Noran. Ele iniciou uma forte respiração para induzir o estado meditativo. Levou mais tempo que o normal para estabelecer contato. Hana compreendeu o que ele fazia e saiu para explorar os prédios da velha escola.

Salvo o espírito de Noran, não havia outros espíritos em Tisamir. Hana vinha se aprofundando em conhecimentos ocultos sob a tutela de Weiss e outros necromantes da organização de seu pai. Podia se comunicar com espíritos, ocasionalmente, e havia aprendido a repeli-los e até comandar aqueles de vontade mais fraca. Seguia sua intuição para localizar aquele que traria a chave para ela finalmente reencontrar seu filho, há tanto desaparecido. Agora, mais que nunca, sabia que precisava deles como aliados para contrapor seu pai. O Império Lacorês já era uma realidade, agora faltava apenas encontrar Calisto para que pudessem governar juntos, mãe e filho. Era uma de suas antigas visões que a perseguia. Será que assumir o trono de Lacoresh iria implicar num confronto com Arávner e Thoudervon? Hana sentiu um calafrio ao considerar a possibilidade.

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