CAPÍTULO 121

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A frota lacoresa, capitaneada pelo grande navio que carregava Thoudervon, avançou para o leste acompanhando o litoral, passando por Homenase e depois Áxia. Depois passaram por uma longa extensão desabitada, por três grandes ruínas de antigas cidades Vetmös, até atingir o desfiladeiro que separava o oceano do Mar da Penúria. Ali ficava a ruína de uma das torres construídas pelos antigos para copiar as torres lunares. Aquela torre era conhecida como Tombada, pois apenas metade dela permanecia de pé inclinada cerca de trinta graus. O Mar da Penúria, já fora plenamente preenchido por navios e embarcações no tempo dos Vetmös. Depois da guerra, tornou-se um pesadelo para qualquer navegador, pois a região foi tomada por uma tempestade de ventos que emanava de seu centro sem nunca cessar. O céu tornou-se turvo e todos que ali viajavam vislumbravam a morte iminente. Porém, Thoudervon subiu pela primeira vez ao convés para contrariar tais expectativas. Tinha em mãos uma antiga gema esculpida para formar um orbe, semelhante ao Orbe do Progresso. Ele sempre o carregava dentro de sua caixa torácica. Os navios subiam e desciam em altas ondas causando pânico em todos que nunca haviam enfrentado uma tempestade marítima.

Thoudervon apontou seu orbe para o céu e dele emanou uma forte luz que subiu e depois curvou-se para sumir no horizonte. Sob o arco luminoso, a tempestade começou a ceder produzindo um túnel de calmaria. Os tripulantes observaram apreensivos as muralhas de mar revolto ao seu redor e temiam que as massas d'água caíssem sobre as embarcações.

Fernon, um dos bruxos necromantes que trabalhava com Thoudervon na necrópole aproximou-se para indagar – Mestre, pode nos dizer o que está havendo? Quem lançou esta terrível tempestade contra nós?

– Nos aproximamos da torre dos usurpadores. Esta tempestade não foi lançada, esteve sempre aqui presente há milênios para afastar intrusos. É um dos selos que os elfos estabeleceram para evitar que a torre voltasse a ser usada.

Fernon observava a água revolta apreensivo. O caminho parecia se estreitar, mais e mais conforme avançavam. – Seremos consumidos... – choramingou.

Thoudervon encarou-o.

– Você servirá. – Esticou o braço pegando-o pelo ombro. O necromante estremeceu e sua vida foi consumida. A carne murchou e secou em poucos instantes. A carcaça caiu quebradiça sobre o convés molhado e deslizou para estibordo. A energia vital sugada por Thoudervon manifestou-se no orbe que brilhou intensamente. As águas recuaram uma vez mais.

Dois outros necromantes surgiram no convés, muito apressados carregando entre eles um pequeno e pesado baú.

– Não demorem assim da próxima vez ou terão o mesmo destino dele – indicou o restos que eram arrastados de um lado a outro do convés. A dupla abriu o baú e dele escapou o brilho amarelado e característico dos cristais de sargentium. A energia fluiu lentamente destes para o orbe alimentando a magia que abria caminho pela tempestade.

***

Tempos depois, a pequena frota atingiu seu objetivo, uma ilha no centro do Mar da Penúria. Era um lugar rochoso e estéril, mas eternamente umedecido por uma névoa densa que ali pairava. Os navios foram descarregados e centenas de homens, necromantes e militares, aterraram conduzindo cerca de trezentas crianças dos olhos negros. Havia um clima tenso e muito medo. O bispo Marco, de Kamanesh, conclamou a todos a serem fortes para avançar naquele lugar sombrio, pois estava para se concretizar a profecia das crianças de olhos do eclipse. Apenas a união e oração conjunta seriam capazes de dissipar a força maligna que habitava aquela ilha. As mentiras que o conselho dos sete ensinaram ao clero, passaram a ser proferidas com fervor e devoção por muitos de seus membros. O discurso do bispo, hábil na oratória, acalmou a todos e colocou-os em marcha entoando cânticos de louvor para o interior da ilha. Thoudervon seguia entre eles, encapuzado, sem revelar sua natureza maligna.

Após uma longa marcha sob cerração que dava pouca visibilidade, uma estrutura alta e escura destacou-se. Era a antiga torre central copiada pelos Vetmös para obter para si o poder das torres lunares construídas ao redor.

Muito antes da Guerra Milenar, houve um terrível confronto entre os Vetmös e os elfos de Nelfária. O imperador dos Vetmös, Merrin, e seu conselho, guardavam rancor contra os elfos e desejosos de vingança usaram o poder das torres para buscar aliados nos abismos. Desejavam manipular os Holmös para promover uma guerra de extermínio contra os elfos. Os demônios, por sua vez, desejavam invadir o mundo de onde vieram os elfos cruzando os portões de Brás-Niaira. O pacto celebrado com os demônios previa que eles abandonariam a Terra das Nove Luas depois de conseguirem acesso ao mundo dos elfos. A Guerra Milenar acabou sem que os demônios conseguissem cumprir seu objetvo. A aliança foi derrotada. Demônios foram expulsos e os Vetmös praticamente extintos.

Sob forte ventania os lacoreses alcançaram a torre e nela penetraram. A escuridão de seu interior foi quebrada pelas lanternas lacoresas que revelavam detalhes rebuscados daquela construção. O orbe de Thoudervon foi levado por ele até o subterrâneo da torre. Lá havia um pedestal que no passado sustentava um orbe semelhante e que mantinha a torre ativa. Ele se recordava bem da planta da torre, pois ele próprio fora o arquiteto da torre original situada em Trinidacs. O orbe foi posicionado no orifício central. Um mecanismo elevou o pedestal até este tocar o mastro de metal fundido com cristais de sargentium que percorria a torre até seu topo. O imenso captador energético começou a funcionar trazendo iluminação para todo o interior da torre.

Os lacoreses que estavam no salão de entrada se surpreenderam com a iluminação que suplantou as luzes de suas lanternas. Os praticantes de magia e membros do clero sentiram os níveis de poder mágico se elevando, mais e mais.

O bispo Marco sentiu aquilo também, os pelos de seus braços se arrepiando e pôs-se a entoar cânticos da religião lacoresa.

No subterrâneo, Thoudervon reunia energia para realizar o ritual de reabertura do elo entre o plano físico e as esferas abissais. O alinhamento das luas e planetas estabelecia uma ponte energética entre a torre a lua mais brilhante, Tchunni, ou Nam-luir.

Os Vetmös haviam provado que o projeto das torres podia, de fato, conectar mundos distantes construindo portais entre eles, conhecidos como Elos Cósmicos.

O Elo entre a terra e as esferas abissais fora selado pela ação dos deuses durante a passagem destes para as esferas abissais. Agora, Thoudervon tinha condições de reativar a ponte, mesmo que de forma débil.

Sua voz inumana proferiu – Seres superiores dos abismos: Arcanael, Marlak, Vetza, Zimbros e Drenzult. Eu os convoco para cumprir o antigo e o novo pacto. Que a primeira legião cruze a velha ponte. Trouxe-lhes os vasos prometidos para potencializar a Grande Eclosão. Os herdeiros dos Vetmös aguardam para cumprir o velho pacto e marchar sobre Nelfária. As torres do planalto estão incólumes e necessitam de vosso poder para serem reativadas. Que o pacto de Tleos seja renovado. O pacto de Merrin venha a ser concluído e que se cumpram os desígnios exigidos pelo pacto de Zho Morkian.

Uma voz veio em resposta e estremeceu toda a torre e apenas Thoudervon e uns poucos necromantes puderam compreender as palavras ditas na língua sombria dos demônios. 

– O pacto de Tleos será eternamente respeitado. Que o pacto de Merrin possa ser finalmente cumprido e que Zho Morkian receba o auxílio para sua vingança contra Midrakus e os demais traidores. Que Vetza comande as hordas contra Nelfária. Que Marlak seja liberto. Que os elfos sejam esmagados e exterminados. Que Zho Morkian seja vingado. Que Fandall seja conquistada. Que o reduto celestial seja maculado.

Sombras imateriais surgiram vindas do subsolo da torre. A legião de demônios que cruzava a fronteira entre as dimensões buscou abrigo imediato nas crianças de olhos negros. Os necromantes, militares e religiosos mal podiam acreditar no que viam. Alguns demônios, ao tomar aqueles corpos, não promoviam alterações físicas, mas outros sim. Onde em um instante havia uma criança, surgia um monstro deformado. Uns faziam crescer pernas e braços, outros chifres e asas, espinhos e escamas. Uns mantinham forma humanoide e bípede, outros assumiam formas indizíveis, com seus múltiplos olhos, tentáculos e mandíbulas. Os religiosos e militares reagiam contra aquela possessão coletiva enlouquecendo e um combate feroz e sanguinolento foi travado. Outros ajoelharam-se, trêmulos de pavor, oferecendo lealdade e devoção. O elo entre as dimensões voltava a se formar gradualmente. Com o tempo, o portal estaria novamente aberto e imensas legiões de demônios estariam aptas a cruzá-lo trazendo seus corpos físicos.

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