Epílogo 13 - Cerca de vinte anos mais tarde

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Kyle Blackwing e Kiorina DeLars

Os jardins da casa de Kyle e Kiorina estavam floridos e iluminados pelo sol da manhã. A primeira coisa que aprenderam após chegar na cidade foi reverenciar o Rei-Deus, que raramente saia de seu palácio. Kyle acordava sempre cedo e ia até o jardim fazer suas preces e agradecer pela proteção do Rei-Deus.

A casa deles se destacava na vizinhança. Fora construída pelos dois, ao longo dos anos, e com auxílio da magia de Kiorina. Possuía muitos cômodos e cada parte do seu entorno lembrava alguma coisa do passado do casal. Havia um largo portão que dava para uma estrebaria que lembrava o portão da casa de Gorum em Kamanesh. A porta principal da casa e a fachada lembravam a casa dos pais de Kiorina. Havia janelas que imitavam o estilo de Tisamir e uma pequena torre espiralada ao estilo dos silfos.

A permanência de qualquer estrangeiro na cidade de Tleos deveria ser aprovada pelo próprio Rei-Deus. Pouquíssimos recebiam esta honraria, mas logo que chegou, Kyle tinha convicção que seriam acolhidos. Aprenderam sobre os costumes locais e sua religião. Já falavam o idioma local, que era vagamente semelhante ao Tchilliano. O Rei-Deus era um homem muito alto, magro e vigoroso. Possuía olhos verdes penetrantes, mas calmos. Tudo que fez foi olhar nos olhos de Kyle e Kiorina e aprová-los. Foi a única vez que estiveram face a face com o monarca. Ele era um bom governante e suas leis eram duras e aplicadas à risca pela sua ordem de templários.

Tleos lembrava Tisamir em muitos aspectos. Havia escolas, parques e algum comércio com o mundo exterior. Mas isto diminuiu com o passar dos anos, desde que ali chegaram, até que, há alguns anos, os portos foram fechados. Nenhum navio aportou em Tleos, desde então.

Rumores diziam que uma grande guerra acontecia entre os reinos exteriores, mas a paz em Tleos, garantida pelo Rei-Deus, seguia firme, assim como ocorria há incontáveis gerações.

Em Tleos, quando possível, as pessoas se ocupavam com atividades que gostavam. Kyle teve muitos empregos, nenhum em que usasse armas. Acabou encontrando seu lugar cuidando de cavalos e ensinando crianças a montá-los. Ganhava muito pouco, mas gostava de fazer aquilo. Foi o trabalho de Kiorina que deu prosperidade ao casal. Magos eram raros em Tleos, mas por algum motivo, o Rei-Deus permitiu que Kiorina prestasse serviços diversos usando sua magia. Ela, além de hábil feiticeira, era simpática com todos e descobriu possuir um apurado tino comercial. Sabia cobrar os valores de acordo com a capacidade de pagamento da clientela. Tornou-se uma pessoa muito ocupada, não apenas pelo serviço, mas também sempre se desdobrando para cuidar dos filhos.

E não eram poucos os filhos de Kyle e Kiorina. O mais velho, Gorum, já tinha dezesseis anos e ajudava o pai. Lenora tinha quatorze e talento para magia, assim como o mais novo, Ector de apenas seis. Kiorina ainda não ensinava magia a Ector, ele deveria ter dez anos para começar, mas mesmo assim, havia aprendido alguns truques chantageando Lenora. Gálius, de onze, era um menino quieto e que surpreendia seus pais, vez ou outra, dizendo coisas sábias que muitos adultos nunca diriam. Melgosh, de dez, era o mais inquieto e encrenqueiro de todos. Motivo de preocupação constante para os pais. Kyle sempre discutia com Kiorina dizendo que era o nome de silfo que o deixara endiabrado e Kiorina sempre dizia que aquilo era tolice, pois nomes não determinavam a personalidade de ninguém. Noran, tinha oito e só queria saber de brincar. Tinha também um talento especial para se sujar. Certa vez, voltou para casa fedendo a peixe e o cheiro demorou dias para passar, pois escolheu como esconderijo da brincadeira uma vala onde eram armazenados os pescados no mercado dos silfos.

Dora tinha sete e adorava o pai, seguia-o para todo canto, sempre tentando agradá-lo. Seus cabelos eram pretos como os do pai e a pele muito branca, como a da mãe. Sua inteligência perspicaz era sempre usada para resolver as brigas entre os irmãos e até entre os pais.

Kyle e Kiorina haviam encontrado felicidades em seus trabalhos e naquela incrível cidade, mas a maior de todas, sem dúvidas, eram seus filhos. Kyle terminou suas preces e escutou a gritaria de sempre. Logo viu Melgosh perseguindo Noran. Os dois eram a dupla explosiva da casa.

– Mel, Noran! As preces!

Noran obedeceu o pai, mas Melgosh apenas trotou adiante e saltou por cima dos arbustos desaparecendo da vista de Kyle. 

– Mel! Melgosh! – Kyle o chamou – Volte aqui já! Ou vou lhe dar uma surra!

– Papai – disse o pequeno Noran – você sempre diz isso a ele, mas ele nunca apanha pra valer.

– As preces! – disse Kyle irritado – E depois o desjejum.

Kyle entrou na cozinha e viu as duas filhas, Lenore e Dora preparando chá, ovos e mingau. Kiorina zuniu pela cozinha pegando um caneco de mingau para tomar. Lenore protestou – Ainda não está pronto, mamãe!

Kiorina beijou a testa da filha e passou a mão na cabeça da outra. Deu uma bitoca em Kyle e seguiu para a saída.

– Onde vai? – ele perguntou.

– Um cliente. Estou atrasada... – e sumiu.

– Grande novidade... – comentou Lenore.

Kyle subiu as escadas e disse para as meninas – vou acordar Gorum e os outros.

Gorum resmungou na cama, pois queria dormir mais. Kyle procurou Ector, mas ele não estava em parte alguma. Saiu em um das janelas e perguntou – Noran, você viu o Ector?

O menino terminava de fazer as preces e respondeu que não.

Kyle subiu as escadarias da torre. Lá encontrou Ector guardando coisas apressadamente.

– Filho, já disse para não mexer nas coisas de sua mãe. Vai acabar explodindo a casa um dia desses.

– Mas, pai!

– Mas, nada! Para o jardim! As preces e depois comer.

O menino desceu as escadas serelepe. Se fosse a mãe, teria as orelhas queimando, ou algo pior.

Kyle olhou para cima, nas estantes. Lá estava a velha espada esperando. Um dia ele a entregaria a alguém. Foi parte de sua visão. Imaginava que este dia se aproximava. Olhou pela janela observando a cidade à qual tinha se afeiçoado. No céu, duas luas mostravam seu contorno iluminados pelo sol. Voltava a pensar sobre suas escolhas. Seus filhos eram a certeza de que tinha feito a escolha correta. Imaginava, às vezes, como estariam as coisas lá fora. Como estavam Archibald e outros. Rezava por eles e esperava que estivessem bem.

Kyle sabia que o estabelecimento do Novo Elo era o destino. Aquilo era a vontade dos deuses. Afinal, estiveram presos nos planos abissais por tempo demais. Os demônios já estavam retornando... Um dia, chegaria a vez dos deuses. E com eles, novas esperanças.

FIM

Oráculo EsquecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora