CAPÍTULO 39

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Naquelas montanhas, descer nem sempre era tão fácil como subir. Abaixo, podiam avistar um vale que parecia rodeado por uma grande muralha formada pelas montanhas. As águas que desciam de várias encostas íngremes formavam quedas d'água fabulosas que brilhavam em tons azulados e de branco intenso contra a luz do sol. No centro do vale, um grande lago era formado do encontro dos riachos que convergiam de todos os lados. O lago que parecia bastante calmo à distância, formava um espelho que refletia com perfeição as montanhas e seus picos pontudos contra o céu azul. Ao seu redor, terras repletas de verde cobriam todo o vale como um tapete.

A descida requeria prática de escalada. Depois de tantos dias subindo, porém em inclinações mais suaves, aquela descida extenuava os viajantes lacoreses, em especial Gorum e Kiorina.

- Não tenho mais idade para isso. - resmungou Gorum.

- Vamos! - incentivou Kyle - Pelo ritmo, acho que chegaremos ao vale antes do meio-dia.

- Eu me cansei! - retrucou Kiorina - Vou descer do meu jeito!

A ruiva parou a caminhada e permaneceu concentrada por alguns instantes. Murmurou sua ladainha de palavras da feitiçaria e realizou alguns gestos para produzir o encanto. Deu um grande salto adiante, deixando os lagartos alarmados. Caiu num arco lento e pisou suavemente num rochedo, muito abaixo, tomando novo impulso para continuar a rápida trajetória descendente.

- Kiorina! - chamou Kyle estressado - Não faça isso! Devemos ir juntos!

A resposta já soou distante - Ah Kyle, não enche! Eu sei me cuidar.

E Kiorina desceu rapidamente até ficar fora da vista dos demais.


Um bom tempo depois, ouvia-se o forte chiado causado por uma grande queda d'água. Kyle, adiantou-se em relação ao grupo, que seguia no ritmo mais lento de Gorum. Todos ficaram para trás, exceto por um dos batedores que Azus. Ele o enviou a fim de contatar outros membros de seu povo e avisar sobre a chegada de estrangeiros ao vale. Mesmo que quisesse, Kyle não conseguiria acompanhar o ritmo do batedor, que descia, com agilmente reptiliana, a íngreme costa pedregosa. Ao ver o lagarto descer, confortavelmente, quase deslizando morro abaixo, o ex-cavaleiro lembrou-se de pequenos lagartos cinzentos e muito ágeis que ele e Archibald tentavam capturar quando crianças. E tentavam com afinco, quase nunca conseguindo. Numa destas ocasiões, Kyle havia conseguido e sugerira ao amigo, abrir o lagarto para ver por dentro. Archibald, imediatamente se negou, fazendo um pequeno sermão. Ao recordar-se disso, Kyle, que estava muito suado e fatigado murmurou para si mesmo - É Archie, você já levava jeito para monge. - E tal murmúrio mal soou encoberto pelos sons da cachoeira.

Kyle chegou ao lado do topo da cachoeira. Dali caia para dentro de um poço de águas límpidas e esverdeadas. Uma movimentação no centro do poço chamou sua atenção. Lá estava ela. Kiorina nadava feliz e relaxada. Estava nua e devido a transparência da água, o rapaz não podia evitar de ver seu corpo. Já não era aquela menina magra e imatura dos tempos de Lacoresh. Era uma mulher que nadava ali. E pela primeira vez, Kyle via nela aqueles atributos. Ficou imóvel por uns instantes a observá-la antes de tomar coragem de se aproximar um pouco mais. Um pássaro vermelho e exuberante começou a piar alto. Ele repousava num galho de uma árvore que emergia do meio das rochas, sempre úmidas, ao lado da cachoeira. No mesmo instante, Kiorina interrompeu o nado e vasculhou os arredores com os olhos verdes, que combinavam com a cor da água. Num instante encarou Kyle, ainda distante, e relaxou sorrindo. Cobrindo os seios com o braço esquerdo, acenou para a o amigo com a mão direita. - Vem Kyle, a água está ótima!

Kyle ruborizou. Olhando para baixo e apenas negou com um aceno de cabeça.

A ruiva insistiu - Anda Kyle! Deixa de ser travado! Você deve estar cansado da descida. Tomar um banho de vez em quando não faz mal.

Kyle ainda não estava convencido e descia pela encosta para chegar ao nível do poço.

- Além do mais - argumentou Kiorina - Uma oportunidade como esta não se desperdiça! Olha só essa cachoeira! Já viu água mais linda?

Kyle deixou seus pertences de lado e removeu a roupa de cima. Sentia-se embaraçado e não teria a mesma coragem dela para despir-se. Kiorina parou por uns instante para observar o corpo de Kyle. A despeito de algumas cicatrizes das muitas batalhas, o rapaz tinha o físico perfeito. O corpo suado brilhava contra o sol e o coração da garota acelerou ao observar os contornos que tanto lhe agradaram. Kyle resolveu entrar com o calção cinzento, que era sua roupa de baixo. Ao tocar a água com os pés, fez uma careta de desânimo. Aquela água estava um gelo. Kiorina não perdeu a oportunidade e convocando sua feitiçaria fez uma onda de água fina emergir até engolfar Kyle. A careta que fez com o choque, provocou na ruiva um acesso de gargalhadas que foram um pouco abafadas pelo forte som da cachoeira.

Tomado por uma sensação parecida com a que tinha quando brincava com Archibald, Kyle saltou para a água em busca de vingança. Logo tinha tomado a moça pela cabeça e ombros afundando-a na água. Kiorina se debateu, mas Kyle a liberou antes que ficasse realmente sem ar. E sem perceber Kyle tinha Kiorina nua em seus braços. Seus olhos se cruzaram. Os lábios se atraíam. Era um momento mágico. Mas todo o clima se rompeu repentinamente, quando a superfície do poço tornou-se turbulenta. Azus e seus companheiros, haviam se atirado da plataforma acima. Mergulharam no poço, um após o outro numa sequencia frenética. Juntavam os membros ao tronco a fim de espalhar o máximo de água possível. Era uma grande festa para eles. Era o sinal de que estavam de volta em seu lar. Azus e os demais nadavam no poço, impulsionados por suas caudas e brincavam uns com os outros, como se fossem crianças humanas. Ao fim do fuzuê, Kyle e Kiorina estava de volta à margem vestindo suas roupas. Estavam um pouco envergonhados e evitavam se olhar.

Gorum, só chegou alguns momentos depois, anunciando - Kiorina, olhe para o outro lado! - Em seguida, o gigante peludo e pelado, desceu alguns degraus de pedra e saltou poço adentro para juntar-se aos lagartos que ainda aproveitavam o banho.

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