CAPÍTULO 2

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A noite chegava e o senhor Atir havia dispensado Alonzo para frequentar a noite da cidade de Duir, algo que seu assistente apreciava muito. O comerciante pediu a ajuda do ex-monge Naomir e de Kyle para acender as velas e lampiões do salão em que recebia seus clientes para negociações. Era o mesmo local em que conversaram durante aquela tarde. Da janela do segundo andar, podiam ver as primeiras estrelas no céu azul, cada vez mais escuro. Abaixo, as luzes que iluminavam as janelas da cidade portuária.

Atir abriu mais uma garrafa de vinho dacsiniano. Ofereceu a Archibald e comentaou – Se há algo que gosto em Dacs é de seus excelentes vinhos.

Archibald sorriu e aceitou mais uma taça. O rapaz observava os detalhes geométricos desenhados no vidro esverdeado enquanto o vinho era servido. – Esta taça não é Lacoresa, estou certo?

Atir ergueu a taça observando-a através de seu monóculo que cobria o olho esquerdo e respondeu – Sim. Não há ninguém dedicado à vidraria tão habilidoso em nosso reino. Trata-se de uma peça keldoriana. Difícil conseguir algumas destas... Os keldorianos tem uma cultura fabulosa, porém são muito fechados a estrangeiros e fazem pouco comércio com o ocidente.

– Interessante. Se dispuséssemos de tempo, gostaria muito de ouvir suas histórias. Todas essas viagens que o senhor fez durante a juventude...

– Sim, sim! Foram tempos fascinantes, mas com a idade, a tendência é a acomodação. Eu lhe digo meu jovem, não fossem as condições extremas de Lacoresh, não teria viajado. Essas viagens através dos oceanos tornaram-se muito difíceis para mim. – disse Atir pesaroso.

– Compreendo – retrucou Kyle.

– Sim, isso me lembra. Há algo que gostaria de lhes contar, em especial para você meu rapaz. – disse encarando Kyle – Temo que possa não haver outra oportunidade. Bem, e a noite ainda é jovem. Fico muito feliz de ter os dois por aqui.

– Sinto-me de volta a Lacoresh em sua companhia – revelou Kyle.

– Você sabe, seu pai era um espadachim incrível. Quando eu ainda tinha uma cabeleira, fiz uma longa e perigosa viagem, você sabe. Eu já tinha meu comércio bem estabelecido em Kamanesh, mas segundo dizia um antigo amigo de fora: 'Atir, meu rapaz você precisa expandir seus horizontes'. O velho comerciante acabou me convencendo a partir numa viagem marítima para conhecer suas importantes, ricas e lucrativas rotas comerciais. Nesta época, seu pai treinava para ser cavaleiro. Era muito habilidoso, um dos melhores! Era até mesmo capaz de vencer alguns cavaleiros da ordem do duque. Certa vez, o vi vencer uma luta mesmo após ter ficado desarmado. Movimentos incríveis aqueles! Ele só pensava em duas coisas: tornar-se cavaleiro e em sua mãe. Bom, sua mãe, naquela época não queria saber dele. Ele era bastante, como posso dizer... Ele não tinha jeito com mulheres. Excesso de treinamento marcial, eu imagino. Você sabe, Alonzo está comigo há muito tempo, ele era um pouco mais jovem que seu pai. Ele sempre me falava muito a respeito de sua admiração por seu pai, gostava de acompanhar suas atividades. Uma oportunidade veio quando seu pai estava completamente arrasado.

– O que houve?

Atir bebeu um gole e encarou Kyle – Digamos que sua existência, caro Kyle, estava ameaçada. Seu avô, pai de sua mãe, que era uma moça belíssima, aceitou o pedido de casamento do filho de um ourives de boas posses. Seria um bom casamento para sua mãe, financeiramente falando, mas o fato deixou seu pai na pior. Tão mal que chegou a perder os testes mais importantes para a ordenação como cavaleiro.

Atir tomou mais dois goles do vinho – Foi então que lhe propus que fosse meu guarda-costas durante minha viagem pelos mares. Ele aceitou, mais para escapar do ambiente que o deprimia do que pelo salário que lhe ofereci, e, veja só! Não era qualquer salário! Foi assim que acabei por conhecer muito seu pai, mas não o homem de que tanto falam. Um jovem que vi amadurecer e aprender sobre a vida. Foram dois anos de viagens. Ele era muito calado e foi uma boa escolha como guarda-costas. Salvou minha vida por duas vezes, sabia?

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