CAPÍTULO 53

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Nas profundezas da fortaleza oculta de Arávner as gargalhadas insanas de Kurzeki ecoavam, como sempre. Há tempos o servo já não alimentava carniçais. Conforme os planos de seu mestre progrediam, criaturas de natureza mais perigosas passaram a habitar aquelas catacumbas.

Há algum tempo, prisioneiros trazidos de Lacoresh eram preparados por auxiliares necromantes para o processo de incorporações. Em alguns casos, comunicações com certos demônios traziam pistas sobre o paradeiro das prisões nas quais a Ordem de Tarquis trancafiava demônios errantes que permaneceram na terra após o fim da grande guerra.

Era praticamente impossível abrir uma passagem física para as dimensões abissais, donde provinham demônios, mas comunicações eram possíveis, assim como as canalizações que permitiam incorporações.

– Kurzeki, seu estúpido pedaço nojento de sujeira humana. Leve-me a Ren Uyk imediatamente, ou cuidarei pessoalmente de seus tormentos quando sua alma finalmente descer aos abismos.

– Oh, um lorde, hehehehe... – Kurzeki não conseguia conter suas risadas longas e por vezes, irritantes.

– Não sou um lorde qualquer – respondeu o homem acorrentado de dentro da cela. – Sou o próprio Senhor dos Mundos.

– Lorde do submundo? – Kurzeki gargalhou – Não creio! Já ouvi essa antes.

– Não me force a gastar a limitada energia de que disponho para me libertar e lhe ensinar uma lição... – disse com frieza e isto causou algum efeito no patético servo de Arávner.

Kurzeki riu, mas sem graça – O senhor parece mesmo alguém importante... Os outros babam e dizem que vão me mastigar e sugar minha alma.

– Chega de desperdiçar meu tempo! Vestir um corpo humano já é por si só desagradável. Ficar acorrentado discutindo com um imbecil está acabando com minha tolerância.

Kurzeki não estava inteiramente convencido de que o demônio falava a verdade, mas entrou na cela assim mesmo. Com as chaves, libertou-o dos grilhões das pernas e do pescoço. Recebeu um olhar fulminante e foi compelido a soltar as mãos, sustentando suas risadas.

O homem ergueu-se, seu porte não era maior que o de Kurzeki, parecia frágil, perto da falência, devido ao longo período de aprisionamento, não obstante, segurou Kurzeki pelo pescoço e ergueu-o do chão atirando-o para fora da cela. O servo rolou e ficou de joelhos, sem maiores ferimentos.

– Sinto-me um pouco melhor – declarou o possuído. Ergueu a cabeça numa pose quase digna de majestade, mas que não combinava o corpo sujo e vestimentas em frangalhos.

Algum tempo depois, nos andares superiores encontrou, como que por instinto, o salão onde Arávner estava. Sobre uma mesa havia diversos livros e mapas. O salão era amplo, com uma dezena de janelas cobertas por pesadas cortinas quase negras. A luz penetrava no recinto por uma única janela aberta provocando um efeito de luz focalizada sobre a mesa. Arávner estava debruçado sobre a mesa e seus músculos se enrijeceram ao sentir a forte presença que acabava de ali chegar. Virou-se para encarar o prisioneiro, sem saber quem o possuía.

– Ora Ren Üyk, velho aliado, faz mesmo muito tempo de que o vi com uns olhos de carne –  Arávner sentiu um arrepio na base da nuca, pois há tempos ninguém o chamava por aquele nome antigo e esquecido.

– Grande Lorde? És mesmo tu? – Arávner ajoelhou-se, ficando naquela posição apenas um palmo mais baixo do que o rapaz. Vestia-se com roupas escuras que deixavam à vista apenas o rosto e mãos, de um branco pálido e doentio.

– Ora, de pé! – ordenou o rapaz magricela, piscando o olho esquerdo num contínuo tique nervoso. – Somos longe de ser iguais, mas estou farto dos bilhões que se curvam diante de mim.

Oráculo EsquecidoOnde histórias criam vida. Descubra agora