Prólogo

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Hidryan

As janelas largas e arredondadas estavam abertas em pleno inverno trazendo para dentro o vento gelado que soprava violentamente do lado de fora, o frio estava em seus dias mais cruéis destruindo plantações, matando famílias inteiras de fome, impedindo que a cavalaria saísse e que qualquer um retornasse, destruindo todos os planos que estavam na cabeça da jovem rainha sentada no trono. A neve que caia do lado de fora do palácio fora o principal freio para que ela continuasse sentada no trono e não saísse para destruir mais vidas, como sempre fazia.

Kaira Lancaster estava sentada ereta, com as pernas cruzas e um olhar persistente na porta aberta esperando que a qualquer momento ele entrasse por aquela abertura e tirasse aqueles pensamentos insanos de sua cabeça. A sala do trono tinha uma característica própria, era mórbida e gelada mesmo no verão, mesmo sendo um dos ambientes mais luxuosos do palácio o luxo não desfez a camada mórbida que assustava a todos, exceto ela. A sala do trono era um lugar que nenhum plebeu ou lorde arriscava entrar, todos que entravam não tinham a certeza se continuariam com a cabeça presa ao pescoço.

O tapete vermelho de camurça descia pelas escadas de mármore onde o trono ficava e desenrolava-se até a porta dupla feita de carvalho avermelhado e maçanetas de ouro, o chão era feito de mármore assemelhando-se a um tabuleiro de xadrez com seus pisos pretos e brancos. Acima da cabeça da rainha pairava um lustre feito de cristais, escolhido por ela mesma durante uma viagem. Do lado direito as janelas côncavas ficavam e acima delas as cortinas vermelhas com detalhes azuis estavam afastadas para que a luz entrasse.

As paredes beges tinham detalhes de símbolos mágicos de proteção bordados em ouro, costurados pelas mãos mais habilidosas e magicas do reino. Os símbolos se diziam a respeito das visionárias, cada um deles remetia a um poder diferente. Há milênios elas foram criadas pela deusa Lilith, eram mulheres poderosas com tatuagens negras pintando-lhes o corpo com os símbolos que lhes traziam poder e magia. Em Hidryan, um dos maiores reinos ao sul, elas eram as predominantes.

A magia engolia todos os reinos, os pequenos e os grandes, os longínquos e os próximos. Em cada um deles havia uma casa pertencente a um ser predominante. A Corte de Vidro era o lugar das cortantes visionárias criadas por Lilith, a Corte do Fogo a casa dos imortais feéricos, A Corte do Ferro a moradia dos seres da noite, Corte das Rosas era inundada pelo mar e graça das sereis e a Corte das Espadas que abrigavam os criadores do mundo. Embora Hidryan não fosse a capital era uma das cortes mais escandalosas e luxuosas, ouviam-se histórias e mais histórias sobre a rainha perversa e excêntrica que ali morava.

O temperamento da rainha era conhecido por todas as cortes, os boatos sobre o modo como executava sem piedade e como tinha vários homens em sua cama corriam por todos os ouvidos, alguns se espantavam e outros a veneravam querendo pertencer a aquela mulher. Era assim que funcionavam as coisas com ela, as pessoas a pertenciam e gostavam disso.

Hidryan era o maior continente, seguido por Sydartha onde ficava a Corte do Fogo. O mais distante era Ellus, próximo à costa marítima onde poucos tinham a autorização da Corte das Rosas para entrar, era um reino longínquo e de difícil acesso já que as sereias eram conhecidas por não gostarem muito de andar sob duas pernas e principalmente não suportavam visitas de forasteiros . Dellyris era a morada da Corte do Ferro. Wells era a capital onde abrigava a Corte das Espadas. Haviam reinos distantes e inexplorados onde apenas suas próprias regras valiam.

Naquela terra dada pelos deuses, antes dos humanos serem exilados, fora lhes concedido alguns dos privilégios criado pelos mortais como a eletricidade, embora fosse um bem deixado pelos deuses apenas os nobres tinham condições o suficiente de mantê-la. Os miseráveis, como a rainha mesmo os chamava, vivam de vela e com a pouco magia que lhes estava. Tudo e todos em Hidryan possuíam algum tipo de magia, alguns como a Kaira possuíam mais do que deveriam e outros possuíam pouco e podiam fazer apenas truques banais. Era assim que a nobreza viva, sugando magia dos que nada tinham, fazendo-os trabalhar e o sangue que pingava em suas terras era convertido em poder.

Kaira olhou os guardas vestidos de negro ao seu lado segurando suas espadas e suspirou, seus pensamentos estavam a quilômetros dali pensando em um certo rei de orelhas pontudas da Corte do Fogo. Esforçou-se para lembrar o que queria dizer para ele, mas nada lhe veio à mente. Desde que se tornara rainha ela não sentia mais nada, Kaira ganhou poderes demais e sua alma não suportou. A rainha de Hidryan era um corpo oco com magia e sem sentimentos.

As portas se abriram e o estrondo ecoou pela sala, a mulher entrou correndo com o vestido banhado em sangue fresco. Com o rosto deformado da ponta das sobrancelhas até o final da boca rasgado por causa de uma cicatriz com fogo a empregada olhou a rainha e fez uma rápida reverência. A pele onde a brasa queimou era avermelhada mesmo muito tempo depois, uma cicatriz horrível que causava arrepios em que visse. Os cabelos ruivos estavam desengrenados e um olhar de horror estava estampado em seu rosto.

- Majestade, mandaram informar que a garota fugiu – ofegante ela não tirava os olhos da rainha, para a empregada não havia ninguém acima da majestade. Kaira a salvara do acidente que lhe deformou o rosto e desde então era o que a garota tinha mais próxima de uma irmã, mas o amor que Soraya cultivava pela sua rainha estava muito além de uma simples devoção – A assassina fugiu.

Kaira demorou um pouco para entender o que havia saído da boca de Soraya, ela custou a acreditar que a assassina estava livre novamente. O medo lhe tomou desde a espinha até os olhos que embranqueceram, os traidores estavam por todos os lados e ela não sabia em quem deveria confiar. Queriam tirar ela do trono, mas Kaira se recusava a desistir sem lutar. A assassina estava solta, algo estava completamente saindo do seu controle.

- Como assim fugiu, Soraya? – perguntou entre dentes, os apertando uns contra os outros quase os escutando ranger – Como assim ela fugiu daquela prisão de segurança máxima. Quem a ajudou?

Soraya era a pessoa em que Kaira mais confiava, a fiel serva era muito mais do que isso. Era uma amiga, as duas mantinham uma amizade sincera desde que Kaira era apenas uma pirralha que não sabia usar o mínimo dos poderes e o acidente apenas as aproximou ainda mais. O coração de gelo da rainha não se permitia sentir confiança por ninguém, sua única exceção era a Soraya.

- Ela fugiu pela madrugada, não sabem se ela recebeu ajuda de um dos guardas.

Ela levantou em um ímpeto de bravura, desceu as escadas e caminhou sensualmente até a porta. A rainha era dotada de graça e beleza, todas as visionárias maiores – as que tinham mais magia – eram, era isso que deixavam os homens encantados com elas. Lilith criou apenas mulheres visionárias e os homens eram apenas objetos que podiam usar.

- Senhora, se me permite aconselhá-la está na hora de você ir.

Kaira sabia o que ir significava. Ela iria banir a si mesma. Pensou em como o Globo dos Humanos era um lugar solitário e cheio de problemas e principalmente sem magia, os deuses os baniram a séculos para viverem exilados em globos de neve. Cada país tinha o seu, eles ficavam em uma sala trancada em Wells, era assim por mais de séculos. Os humanos achavam que viviam na Terra mas tudo o que eles sabiam sobre a própria existência era uma mentira.

- Seus caçadores de sonhos estão mortos, alteza – sussurrou Soraya, como se dizer aquilo em voz alta doesse – Está na hora de ir.

Caçadores de sonhos eram os guardiões das visionárias, cada um tinha o seu exceto Kaira que tinha dois. Eles eram humanos que cometeram erros brutais em vida e os deuses da morte haviam lhes dado outra chance trazendo-os para os reinos, forçando-os então a servirem como guardiões por toda a eternidade.

- Sorya... – começou Kaira.

- Eu o avisarei, avisei ao rei da Corte do Fogo. Ele vai encontrá-la, vocês sempre se encontram.

Aquele amor era proibido e inundável, Kaira era oca e Cameron transbordava amor. Feéricos e visionárias jamais poderiam se relacionar, se caso concedessem um herdeiro havia muito poder nas mãos de uma única criança. Mas eles se amavam escondido, faziam amor sem se preocupar, maquinavam juras de amor mesmo sabendo que nunca poderiam erguer um império juntos.

- Dê um recado a ele – disse Kaira olhando para a amiga – Cabeças vão rolar.

Coroa de Vidro - Livro 1 (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora