Coroa de Vidro - Livro 1 (COMPLETA)

Capítulo 20 - Aquele Amigo

Will e Kaira estavam no jardim.

Passava da meia noite, quando ele apenas chegou e se sentou ao lado dela. Aquela aura estranha e cinzenta que parecia rondá-lo assustava a rainha de tal forma que ela não conseguia explicar. Era como se quisesse algo dela, ele sempre a encontrava, mesmo naquela situação em que queria ficar sozinha vendo a neve cair no jardim.

O jardim era sombrio e gelado durante a noite. Parte das flores e do verde estava coberto pela neve branca e grossa. Coberta dos pés à cabeça Kaira não estava sentindo tanto frio quando deveria olhar a neve cair era reconfortante e estranhamente a fazia se esquecer do vendo gelado. Depois da aula com Dabria ela não queria pensar em mais nada sério, mas os pensamentos não a deixaram. Pensava nela. Em magia. Em morte. Em consequências.

Will ficou quieto por um longo tempo como se também pudesse sentir aquele fogo dentro dela derretendo parte da neve. Demorou até que tivesse um assunto a discutir, Will não queria apenas estar ali, ele a observava, querida saber até onde Kaira iria com as suas palavras. Capitando aquele olhar sob ela, Kaira decidiu que iria entrar naquele jogo.

- Acho que tomei escolhas erradas no passado – disse Kaira para ele, depois de um tempo. Apenas para ver sua resposta – Queria só entender porque me dei uma nova chance. Não é todo mundo que tem a oportunidade de se dar uma nova chance. Apesar de que rainhas não devem dar satisfação aos outros.

-Bem, você sempre sabia o que fazer, sempre soube reinar com pulso firme. Ninguém nunca contestava suas leis e os poucos que contestaram perdiam a cabeça. Acho que você mesma sabia sobre a mudança, ninguém precisou pedir.

Will estava mentindo, Kaira conseguia sentir aquilo tão forte que quase riu das palavras patéticas que haviam saído da boca dele. Ela encostou sua cabeça no banco gelado, escorregando um pouco do corpo para baixo. As mãos envoltas em luva de couro ainda estavam geladas, Kaira as mexia dentro da capa preta tentando fazer com que esquentassem um pouco.

- Talvez. Não devo ter feito isso por nada.

-Você é a rainha, pode ter feito isso por nada – Kaira quase o sentiu completar: você sempre fez coisas e mais coisas por nada, só para o seu próprio capricho.

Kaira iria rebater aquele pensamento que se quer havia saído da boca de Will, mas então começou a sentir aquela névoa invisível de compulsão. Tentou usar o que estava aprendendo com Dabria, todavia Will tinha uma compulsão forte demais por ser seu caçador de sonhos. Ele poderia manipulá-la como bem quisesse sem que a visionária pudesse fazer algo. Usando a contra gosto, beijou Kaira. Um beijo lento e sem pressa, Kaira sentiu os lábios correspondendo mesmo que a mente gritasse em um sinal de alerta.

Kaira conseguiu o afastar, Will achando que ela ainda não havia percebido o deixou que eles se afastassem.

- Pensei que fosse proibido o relacionamento entre caçadores de sonhos e visionárias – Kaira viu em seus olhos azuis salpicados de negro, os beijos dele vinham plantar algo de sombrio dentro dela.

-De certo modo é. Segundo eles é impossível cuidar de alguém e cometer sacrifícios quando se ama essa pessoa.

Não me sacrificaria por você, Will. Não do jeito que você quer. O pensamento assombrou Kaira, o que ele queria dela não era o que poderia dar. Will a queria como sua amante e ela não poderia dar seu coração. Kaira não gostou muito de ouvir seus pensamentos lhe mostrarem o quão egoísta era de verdade, mas aceitou porque precisava por um final naquilo.

-Mas como eu disse você é a rainha, pode quebrar quantas regras quiser os caras ainda vão querer você e as garotas ainda a amaram.

- Isso não me faz querer você desse jeito.

Ela acostumou-se rápido a aquele título, estava dentro dela de todas as maneiras ser uma rainha. Não podia ir contra a verdade óbvia que estava na sua frente, seu sangue deveria ser mais que azul do que o de qualquer outro nobre presente em qualquer outro reino. Os pensamentos fantasmas da antiga rainha a assombrou, sussurrando que Kaira voltaria a ser ela.

-Independente do que a tenha levado a fazer o que fez, você ainda é exatamente do jeito que eu gosto que seja – sussurrou Will.

Ela não era.

- Não acho que seja possível gostar de mim exatamente dessa maneira.

- Eu gosto. Não é preciso ver apenas qualidades para se gostar de alguém, na verdade seus defeitos são o que mais admiro, mesmo a sua teimosia alcançando níveis inatingíveis até para seres imaginários.

O silêncio caiu sob eles novamente, Kaira detinha em si a qualidade de ficar horas pensando, falando com ela mesma como se aquilo fosse tudo que tivesse. Mesmo com as memórias presas ali dentro, falar com si mesma era o que mantinha na tênue linha entre a normalidade e a insanidade. Kaira queria que Will calasse a boca, que parasse de falar como se a conhecesse naquele nível de profundidade. Queria ordenar como sua rainha que ele não falasse mais sobre aquilo.

- Como virou caçador de sonhos? – perguntou levando aquele assunto para longe de qualquer coisa que a envolvesse – E porque esse nome?

Will suspirou, seus olhos ficaram sombrios e por um momento Kaira achou que não fosse responder que talvez escolhesse sair correndo e negar aquela reposta toda vez que perguntasse.

-Caço tudo aquilo que é irreal – disse Will fazendo uma pausa – Tudo o que tem no Vale dos Sonhos é responsabilidade minha, se você ficasse presa em um dos seus sonhos eu poderia entrar e tirá-la. Eu guio você em todos os sonhos.

- Você é o sombra. Óbvio, me sinto estúpida agora.

Will deu risada. Kaira jamais imaginou que ele fosse o Sombra, para ela o espectro que a acompanhava era só isso, uma sombra e nada mais. Ele estivera com ela desde as primeiras vezes em que visitou aquele mundo que entendia tão pouco.

-É, acho que sim. Que nome tosco.

-É eu sei, mas é de fácil associação – deu de ombros – Então quando sonho com alguém...

Kaira deixou que ele completasse a frase.

-Vai para o Vale dos Sonhos, a maioria das visionárias pode entrar nele, com outros dons. Lilith fez um acordo de cuidamos de vocês.

Kaira queria saber o que ele tinha feito para virar um caçador de sonhos, mas Will havia se esquivado da resposta. Os segredos obscuros que rondavam os séculos passados de Will aguçavam a curiosidade dela. Havia algo sobre ele que Kaira ainda não havia entendido e que quando entendesse talvez não o perdoasse.

Enquanto ficou quieta tentando buscar suas respostas nas entrelinhas do que ele havia falado, Will pegou suas mãos e puxou seu corpo, eles ficaram a uma distância curta um do outro. Kaira o afastou mas era tarde demais, porque ela estava relaxada e não o tinha bloqueado a tempo. Não pode negar.

-Pense em mim – pediu Will – Tenho que ir mas, encontro você a noite.

Então ela pensou. Sonharia com ele.

Droga.