O pequeno toque dado por Zendaya fora o suficiente para que Kaira sonhasse com ela. A figura estranha que dissera coisas que a loira desejava ser mentira apareceria no seu sonho e ela seria responsável por aquela vida. O formigamento familiar começou nos pés e subiu para todo o corpo, quando se deu conta ela inteira estava sentindo aquela sensação paralisante que estava acostumada.
Mesmo vendo como ela iria morrer não significava que a morte da mulher seria exatamente daquela jeito, a vidência é um caminho incerto e que muitas vezes não dava visões que prontamente aconteceriam. Dependeria do quanto tempo levaria, poderia ser dali dois minutos após aquele sonho, dali dos anos, ou dois segundos. A meia noite, hora em que as forças sobrenaturais se juntavam, Kaira veria um dos finais propostos para a mulher.
Ela fechou os olhos e esperou a última das doze badaladas. O deslocamento daquele último ponteiro era sempre mais alto aos seus ouvidos, era como o soar de tambores dizendo que ele estava chegando. Deitada em sua cama escondida entre os cobertores, Kaira não podia negar que estava ansiosa para que acabasse logo, se as coisas na vida daquela mulher fosse tão ruins quanto as que saíram da sua boca, Kaira não queria ajudá-la.
Um misto de excitação, curiosidade e poder sempre eram injetados em grandes quantidades nas veias de Kaira. A excitação amarrada à curiosidade por saber que situação enfrentaria e o poder de saber que estaria lidando com a vida de outra pessoa sempre apareciam fazendo com que Kaira se sentisse gigante e disposta a fazer aquilo várias e várias vezes só para se sentir daquela maneira única.
Mesmo com os olhos semicerrados, Kaira conseguia vê-lo. Ele como sempre parecia estar encostado à porta, vestindo-se de negro com um longo sobretudo de linho que brilhava conforme forçava à vista. Seus olhos ficavam marcados e ela podia vê-los por trás do sorriso branco debaixo da luz fosforescente negra que o envolvia.
Aquela imagem era única coisa que ela veria, seu rosto e sua voz eram um enigma. Por isso o apelidou carinhosamente de Sombra. Sempre calado e misterioso, pairando sob ela como uma águia. Kaira não o temia mais, era como se fossem conhecidos a longa data. O homem alto que realmente lembrava uma sombra era apenas um efeito colateral de quando ela sonhava, ele estivera ali desde a primeira vez em que aconteceu. Kaira teve medo quando ele apareceu pela primeira vez, mas depois se tornaram apenas conhecidos.
O Sombra não disse nada, como sempre, apenas estralou os dedos fazendo o barulho ecoar pelo quarto como uma palma leve. A realidade em que ela vivia começou a ficar destorcida para que a realidade alternativa dos sonhos se materializasse. A mudança de realidade causava dor de cabeça e enjoo, Kaira se sentiu tonta todavia não pensou em fazer nada a não ser que ele a levasse para a outra dimensão.
A mudança climática repentina mostrava que não estava mais em casa. O calor invadiu as mangas do pijama deixando Kaira levemente quente por dento, uma brisa morna passou pelos cabelos jogando-os para frente. O clima era a primeira coisa que Kaira sentia, se era muito frio, se nevava, se o calor era escaldante e era a mudança que ela mais gostava porque a fazia sair completamente da realidade, não só no plano físico como no plano mental.
Kaira observou ao redor. Não havia nada de anormal, mas, o que ela entendia sobre normalidade? Acabou de ver os móveis dos seu quarto se desmanchando para tomar a forma de outra realidade o que não a permitia falar sobre o que verdadeira significava normalidade. Olhando com a tenção e dando importância a qualquer detalhe estranho, ela não encontrou nada.
O cenário era uma colina com cheiro de grama recém cortada, com o sol no topo do céu fazendo sombra no chão dos grandes pinheiros. As árvores balançavam com a brisa fresca que corria solta, enquanto os raios solares esquentavam a agua do rio ali próximo. Kaira olhou para o rio e por um momento desejou poder tirar a roupa e entrar ali dentro, pensou que aquele lugar seria perfeito para passar um tempo sozinha com os próprios pensamentos.
-É algum lugar para eu passar férias? – perguntou ironicamente para si mesma, porque mesmo que estivesse acompanhada pelo seu fiel e mudo escudeiro ele nunca falaria nada para ela, sempre tinha sido assim e jamais mudaria.
Com passos curtos começou a andar para o local vasculhando com os olhos sentindo cocegas seus pés descalços que andavam pela grama recém cortada, Kaira poderia ficar ali e por um momento até havia se esquecido do que fazia ali de verdade. Não demorou muito para lembrar do motivo, seus olhos viram a cartomante literalmente mais nova e com longos e lisos cabelos negros. A mulher parecia mais jovem e cheia de vida, com olhos brilhantes e cheia de vida.
-É bonito não é? – perguntou ela.
Kaira espantou-se ao ver a mulher falando com ela, ninguém a via no mundo imaginários dos sonhos. Ela era invisível, um tipo vivo de fantasma, tudo se passava ao redor dela mas não tinha uma só vitima que podia conversar com ela. A cartomante a olhou com ironia.
-Achou mesmo que eu era apenas uma cartomante? – a mulher riu de forma assustadora, transformando seu belo rosto em uma careta – Você não conhece o mundo Kaira, não conhece nada do que acha que conhece.
-E você é o que? Uma feiticeira por acaso?
-Não, eu sou sensitiva, a feiticeira aqui é você – a mulher devolveu no mesmo tom usado por ela, ácido e sarcástico – Você não mudou nada desde a última vez que nos vimos. Talvez apenas o tom dos cabelos e outras coisinhas sem importância.
Kaira ligou a palavra feiticeira a palavra visionária. Então ela sabia, alguém sabia sobre os dons. Ela tentou lembrar da última vez que elas tinham se visto, mas não conseguiu lembrar de nada. Tudo que teve foi aquele sentimento de dejá-vu surgiu esmagando seus pulmões, de repente Madame Zendaya parecia familiar e Kaira parecia saber exatamente do que ela estava falando. Logo aquele sentimento se perdeu entre tantos outros e apenas as dúvidas ficaram porque no final das contas ela não conseguiria lembrar de onde se conheciam.
-Se você não abrir logo os olhos querida, você vai perder tudo o que tem – afirmou a mulher – Se é que já não está perdendo.
Kaira só queria pensar sobre o aqui e agora, mas, ultimamente era como se as coisas caíssem sob sua cabeça e a obrigassem a viver de uma maneira que nunca desejou. Ela não podia saber, mas a vida sempre a foçou a viver de uma maneira que ela nunca tinha desejado, desde que nasceu Kaira era forçada a isso.
-O que você sabe sobre mim? – a voz da loira saíra rude, as lembranças de uma antiga e adormecida personalidade apareceram, personalidade essa que pertencia a ela assim como todos os meus ossos.
-Sei tudo o que você não faz nem ideia – sorriu.
-Eu sei tudo o que preciso saber sobre mim. Na verdade ambas sabemos que quando eu tiver a coroa na minha cabeça, muitos morreram – Kaira não sabia o que dizia, as palavras saíram da sua boca sem controle. Mas de algum jeito ela sentia que aquelas palavras lhe pertenciam.
-Sabe mesmo? Acho que não – afirmou novamente ela – A rainha ainda está gritando aí dentro. Eu sempre soube que ela não desaparecia tão facilmente.
A rainha. Ela deveria ser a personalidade esquecida a muito tempo dentro de Kaira, ela sabia que era mas tentou negar de toas as formas aquilo que estava crescendo por dentro.
-Você não sabe de nada, visionária – disse com sarcasmo rindo esteticamente – Não me procure, Kaira – murmurou – Sei que pretende fazer isso. Eu não a ajudarei.
Madame Zendaya ficou olhando malignamente como se seus olhos pudessem transformar Kaira em uma estátua de sal, ela não queria mais escutá-la. Seu cérebro desejou com tanta intensidade sair do sonho que ela consegui o fazer. Saiu do sonho deixando-a completamente sozinha e presa naquele mundo que a levou.
Kaira abriu os olhos com força. Estava novamente na cama o que a fez sorrir sozinha no escuro. Aquele medo irracional de perder a sanidade e acabar em um manicômio qualquer jogada em uma camisa de força apareceu novamente. No final das contas ela só queria aprender a controlar a si mesma.
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Coroa de Vidro - Livro 1 (COMPLETA)
FantasyAprender a temê-la antes de amá-la é a primeira regra. Kaira Lancaster é a tirana rainha de Hidryan. Em uma noite da qual não se lembra enviou-se ao globo dos humanos deixando a magia e suas lembranças para trás. Tudo o que lhe restou são lembrança...