Capítulo 15 - Próximas

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Os jardins eram mais bonitos vistos em toda sua magnitude terrena, Kaira estava sentada em um dos bancos de ferro pintado de branco, as mãos estavam pousadas em seu colo sob o pano de veludo azul marinho do vestido. Com os pés descalços sentia a grama fazendo cocegas nas pontas dos dedos e em toda sua extensão, mantivera os olhos focados no jardim, absorvendo o que quer que conseguisse. Gostar de natureza nunca fora algo que fizesse parte da sua personalidade, mas ao estar ali com aquela construção que pertencia a ninguém senão ela mesma, era incrível. Kaira sentia-se dona de cada planta que ali crescera, quase conseguia sentir ela mesma se fundindo com o maravilhoso jardim.

O verde cobria o espaço como um tapete natural, havia caminhos no meio dele que levavam aos bancos ou a fonte com um anjo de concreto cuspindo água. Nos arbustos as flores coloriam destacando-se do verde, amarelas, azuis, violetas e cor-de-rosa com seus miolos amarelos claro e caules esverdeados. Árvores grandes e com suas copas cheias estavam espalhadas pelo jardim, dava para ver o portão de ferro de onde ela estava. Kaira desejou poder conhecer sua Hidryan, embora todos recomendassem que ela simplesmente ficasse ali e esperasse que fosse a hora certa para apresentar-se ao seu povo novamente, já que tudo o que se ouvia sobre ela nos vilarejos era de que tinha voltado.

Pássaros sobrevoavam sua cabeça, o bater de assas era um doce som que combinava com algumas das folhas caindo, Soraya explicou a ela que embora estivessem no verão, o outono estava prestes a chegar, e o mesma durava apenas dois meses e então o brusco inverno vinha e desaparecia cinco meses depois. Kaira gostou da notícia, tinha uma paixão pelo frio e gostaria de ver todo aquele verde coberto por uma camada macia de neve. O vento forte sopraria nos seus cabelos e a sua pele clara ficaria fria como a neve causando exatamente a sensação que ela gostava.

Olhou para a silhueta do castelo iluminado pelo sol e imaginou quem teria vivido ali antes dela. Em pensamentos insanos acabou por se perguntar quem eram seus pais, se tinha irmãos e porque o peso de carregar um reino nas costas decaiu apenas sobre ela. A sua própria história estava escrita naquelas paredes mas ela não sabia exatamente como lê-las para obter respostas. Kaira tinha um castelo em mãos e uma história que não conseguia e que levaria todo aquele reino a sua ruína.

As histórias escritas nos livros da biblioteca explicavam com mais formalidade pequenas coisas que aos poucos davam algumas respostas, descobriu que cada uma das cortes era como se fosse um país distante, Hidryan era maior do que qualquer corte mas em Wells era onde as coisas burocráticas funcionavam. Hidryan era o maior continente, seguido por Sydartha onde ficava a Corte do Fogo. O mais distante deles era Ellus, próximo à costa marítima onde poucos tinham a autorização da Corte das Rosas para entrar. Dellyris era a morada da Corte do Ferro. Viu mapas e as distâncias de um país para o outro era de dias.

-Vossa Majestade – chamou Soraya.

Prontamente Kaira virou o corpo para olhá-la, a empregada se vestia de preto como sempre estava – e como todos os empregados – o que a diferenciava de qualquer um deles era sempre o sorriso e disposição que trazia consigo, não importava o momento. Kaira estava se apegando a ela, agradecendo pelo fato de não precisar lidar com aquelas questões burocráticas sozinha porque a servente sabia sobre o que deveria fazer.

- Pediram-me que lhe entregasse uma carta – explicou prontamente – Veio com o selo do rei de Sydartha. A senhorita quer ler?

A Corte do Fogo.

-Sim, por favor – afirmou balançando a cabeça, tomando o cuidado para não mostrar como estava ansiosa.

Suas mãos finas trouxeram a carta, o envelope bege tinha o selo timbrado da Corte do Fogo; a fênix de braços abertos renascendo do fogo, tinha até mesmo um quê poético naquele brasão. Kaira sorriu ao pensar que Cameron deveria gostar daquilo teatral que tinha no reino dos feéricos. Com uma das unhas longas rompeu o lacre do envelope, pegou a carta contida dentro e sentiu a textura do papel; era grosso com pedaços mais grossos como granulados da mesma cor misturado a maça bege.

A letra cursiva era caída para a direita, a caligrafia não era das melhores – o que dizia que não era Cameron quem a tinha escrito – mas todas as palavras eram de fácil leitura. A caneta tinteiro tinha feito um bom trabalho, em determinadas linhas ela podia ver os borrados dando charme a carta.

Vossa Majestade,

Sempre esperei para saber o dia que voltaria para casa, minha viagem ao devastado globo dos humanos não fora em vão. Saiba que sua beleza é ainda mais estonteante no mundo deles, destoa-se de qualquer mortal. Peço perdão a peça que encenei, mas era essencial que não nos conhecemos.

Milênios de troca de segredos ainda estão guardados comigo, espero que sua memória não demore a voltar, temos muitos assuntos para tratar. Peço que se lembre principalmente sobre seus caçadores de sonhos, os guardiões que protegem as visionárias. Você ainda corre perigo, ela ainda quer vingança.

Não lhe escrevo para contar sobre o que sua memória se recusa a lembrar, por meio dessa carta tenho o dever de lhe dizer que a festa do equinócio está se aproximando, todas as cortes estão reunidas. Também venho lembrar que é um período muito perigoso para Vossa Alteza.

Aguardo uma visita da Vossa Alteza, sei que são dois dias de viagem mas ainda tenho esperança. Caso contrário, nos vemos em três semanas na festa do Equinócio.

Cameron.

-Não faço ideia do que ele está falando, Soraya – disse olhando-a.

Soraya se aproximou e passou os olhos pela carta.

-A festa do Equinócio é a celebração que junta todos os reinos, a única noite em que os seres se propõem a estarem no mesmo espaço sem se matar – explicou  ela – Lilith criou as visionárias para servi-la e todo ano uma delas é escolhida para ter dons inimagináveis, há décadas não temos alguém que foi exaltado.

-Porque é perigoso... sabe...

-Por que a senhorita foi a última a ser exaltada. Não existe visionária mais poderosa.

Seu corpo inteiro estremeceu, havia algo naquelas palavras que a deixou surda por alguns minutos, uma lembrança se espreguiçou no fundo da memória e causou coceira para que o que quer que tivesse escondido, aparecesse. A velha Kaira sabia como ter poder era algo que a ela almejava mesmo sem se dar conta disso, ela apareceu naquela figura sem lembranças que era a rainha e sorriu. Kaira precisava dizer assim mesma que ter poder era tudo o que ela queria.

-Dizem as más línguas... – começou ela.

Elas haviam sido interrompidas por Dominic, o outro empregado do qual Kaira descobriu ter muito apreço. Ele tinha cabelos longos e loiros, estavam sempre amarrados em um rabo de cavalo alto e bem alinhado. Sua postura era exemplar, sempre com as costas eretas e um sorrio nos lábios ele as olhou. Dominic havia se apresentado há dois dias, era um dos empregados que ficavam próximos a rainha.

- O chá está servido, Vossa Majestade. Gostaria que trouxesse aqui?

-Já estou indo – respondeu Kaira.

Ele olhou incisivo para Soraya, pareciam estar transmitindo uma mensagem por ondas magnéticas que não podiam ser vistas pela rainha; Talvez a intenção deles fosse exatamente essa, conversar sobre algo que ela não pudesse ouvir. Os dois permaneceram por mais tempo que o normal apenas se olhando. Dominic saiu com a mesma sutileza com que entrara.

-O que dizem as más línguas, Soraya? – perguntou baixo.

- Que a senhorita a conhecia, e muito bem – respondeu no mesmo tom.

-Lilith?

Soraya calou-se, não disse mais nada sobre o assunto. Apenas gesticulou para que fossem tomar o chá, como sempre desviou do assunto e o fez se tornar apenas palavras esquecidas no vento.

Coroa de Vidro - Livro 1 (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora