Capítulo 13 - A Senhorita é a Rainha

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Soraya não soube dizer por quanto tempo Kaira havia dormido, a jovem tivera poucos momentos de lucidez, a febre repentina era por causa da infecção que havia surgido no ferimento, Kaira não estava em Hidryan há apenas alguns dias, estivera ali por semanas a fio mesmo que não percebesse. O ferimento causado no globo dos humanos parecia não querer se curar, ele estava com uma camada grossa de pus ao redor, avermelhado e com a pele estirada por entre os pontos. Soraya pensava que ela não suportaria.

Outras pessoas não entravam naquele quarto, mas se entrassem  Kaira também não saberia. As paredes brancas e os detalhes dourados eram apenas borrões, seu corpo febril suava frio e mesmo com os cobertores não eram o suficiente para lhe aquecer. A tremedeira começava nos pés e terminavam nos fios de cabelo. Era incontrolável o impulso de bater os dentes e manter os olhos fechados. Ela queria que aquilo acabasse logo, que a vontade e permanecer dormindo apenas desaparecesse.

A porta se abriu, Kaira escutar o seu ranger. Duas silhuetas coloridas entraram, minha cabeça girava por isso seus olhos mal focalizavam qualquer coisa que entrasse no quarto. Sentiu a toalha molhada novamente na testa, isso queria dizer que Soraya estava sentada ao seu lado. Ela cuidava de Kaira com tal dedicação que era impossível não se sentir lisonjeada. Seus dedos tocavam levemente a testa  da jovem sob o pano, Kaira sentia certo alívio ao ter aquele cuidado, era quase como se a mãe estivesse ali de novo com ela.

- Ela não está melhorando, depois de delirar por dias achei que finalmente estava bem. Até essa madrugada – a voz de Soraya soava preocupada, suas feições condiziam com as palavras que saia da sua boca.

As sombras se aproximaram da cama, as duas sombras eram esguias e uma delas estava com as mãos nos bolsos. Kaira olhava fixamente para Soraya, seus olhos claros estavam quase catatônicos não diziam nada apenas encaravam como se estivesse presa dentro de si mesma.

- Ela chamou por ele a noite toda, senhor – informou ela – Devemos chamá-lo?

A voz que seguiu a pergunta  fez Kaira sentir como se estivesse em casa. O sotaque britânico carregado de carisma parecia ser tudo o que ela queria ouvir naquele momento. Ela podia ver seu cabelo sob a bruma de confusão que a envolvia conforme os olhos piscavam.  Era o melhor amigo que estava ali, sentiu o perfume dele e quase chorou ao ter contato com alguém que tanto a conhecia.

- Não – disse ele firme – Ela precisa se recuperar. Chamei uma curandeira, ela irá curá-la, ou pelo menos tentar.

Kaira não saberia dizer se Will realmente estava ali, mas imaginou que estava. A sombra que estava ao lado do amigo puxou-lhe o braço e ela sentiu algo entrando por entre suas veias, primeiro ardeu muito o que a fez gritar e depois veio aquela onda de sono que não pode controlar. Imaginou então que deveriam ter se passado dias depois daquele episódio, quando ela recobrou os sentidos Soraya lhe disse que havia dormido muito mas que estava curada e era o que importava.

~ o ~

Quando estava bem o suficiente para levar, Kaira começou a perambular pelo quarto. Ela não aguentava mais o próprio cheiro de sangue e suor, era quase como se estivesse em decomposição, queria desesperadamente um banho, perguntou-se como a Soraya teria aguentado o cheiro porque ela mesma não estava aguentando. No lugar onde deveria estar os pontos não havia mais nada, nem mesmo um sinal do que tinha acontecido. Sua pele branca estava limpa de cicatrizes e nada a marcaria para sempre.

Enquanto Soraya preparava-lhe o banho, Kaira passava os dedos pelos livros com cheiro de mofo e não conteve o sorriso ao saber que eles estavam ali a sua disposição para serem lidos quantas vezes desejasse. Soraya confessou que a maioria dos livros tinham sido lidos pela antiga dona e que a mesma tinha muito carinho por eles.

- Senhorita, seu banho está pronto – anunciou Soraya depois de horas no banheiro.

Kaira largou os livros e cruzou a porta dupla, entrou no cômodo vasto ficando boquiaberta ao ver como era grande. Parecia quase que irracional imaginar que pedaços grandes de "cômodos" coubessem em um único lugar. As cores claras ainda predominavam no banheiro assim como o dourado, não havia janelas. A banheira feita de mármore ocupava grande parte, ela ficava dentro de uma espécie de box feita de vidro transparente. O sanitário e a pia também feitos de mármore, partilhavam da mesma cor branca.

Sem precisar da autorização dela, como sempre, Soraya a despiu. A roupa suja fora jogada em um cesto enquanto a servente pediu que ela entrasse na banheira. Primeiro colocou a perna esquerda, a água estava quente e não demorou muito ao enfiar o  seu corpo nela. O choque térmico fez fumaças saírem da banheira, Kaira soltou um suspiro de prazer quase sem perceber. Se o vapor tivesse cheiro lembraria limpeza.

- Não é meio nojento ficar na própria sujeira? – perguntou a Soraya.

-Um pouco – ela riu baixinho – Temos um tipo de tecnologia, eletricidade que vem dos mares cuja água é feita de eletricidade. Os deuses não baniram tudo daqui, temos muito de quando os humanos ainda viviam mas a senhorita precisa de cuidado, ainda tem cortes no corpo. Curandeiras não fazem milagres.

Do lado dela havia uma bacia de prata, Soraya era ágil. Usou a bucha para esfregar o corpo cheio de curvas da garota limpando cada sujeira que poderia estar impregnada ali, Kaira achava um pouco constrangedor mesmo que para Soraya aquilo deveria ser só mais um trabalho. Quando seu corpo estava limpo ela tratou de lavar os cabelos longos quase brancos da jovem, a água, agora fria, havia se espalhado pelo chão molhando-o por completo. Kaira sentiu alívio em se sentir limpa, pelo tanto de tempo em que ficou na cama era normal que se sentisse assim.

Soraya a ajudou a sair da banheira, depois enrolou-a na toalha. Entregou a Kaira roupas de baixo e ela as vestiu. Entregou então um vestido borô feito de algodão, Kaira o desenrolou e viu que ele era longo, com um decote avantajado e com mangas até altura dos cotovelos. Kaira o jogou por cima da cabeça, o vestido caiu-lhe muito bem; era justo na cintura, e caia levemente até os pés, se ela rodasse a saia do vestido se abriria como uma flor, seu seios ficavam acomodados perfeitamente no decote perto das rendas brancas.

As sapatilhas eram pretas e confortáveis, ela se sentiu limpa e bonita. O vestido não tinha grandes detalhes e não era luxuoso, mas era confortável e limpo. Ela não se importou que fosse simples, se sentiu diferente com aquela roupa, como se estivesse tomando posse de algo que já tinha sido dela.

Soraya pediu que ela sentasse de frente para a penteadeira e só naquele momento ela viu seu rosto; havia alguns arranhões nele, até mesmo uma marca esverdeada e roxa na bochecha direita. Com seus dedos ágeis ela trançou os fios e eles ficaram bem presos em uma trança até quase o meio das costas.

-A senhorita está muito bonita – sorriu Soraya – Estão esperando-a para o almoço.

-Quem está me esperando?

-Alguns são seus amigos, outros bajuladores. Pessoas assim – enquanto ela dizia aquilo gesticulava com as mãos.

-Bajuladores? Porque me bajulariam?

-A senhorita é a rainha.

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Coroa de Vidro - Livro 1 (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora