Capítulo 22 - Encontro Indesejado

810 60 8
                                    

Aquele tinha sido um longo dia, os músculos da rainha doíam por causa das lutas corpo a corpo e a da magia que fora forçada para fora. Depois de um longo banho de banheira Kaira deixou que Soraya transasse seus cabelos preparando-a para dormir. Ela sabia que não precisava daquele tratamento, mas as horas que Kaira passava com a Soraya eram as melhores e mais tranquilas por isso ela fazia questão de deixar que a serviçal a tratasse como uma boneca.

- Quando ser rainha é só flores e rosas? – perguntou olhando-se no espelho enquanto via o reflexo da Soraya.

Kaira tinha a consciência de que nunca seriam só flores e rosas, fora mais uma pergunta retórica que ela esperava que Soraya nunca respondesse. Havia diversas dificuldades por trás do peso de se usar uma coroa, Kaira sabia e decidiu que estava disposta a suportar todo aquele peso sozinha. Soraya sorriu para ela como quem dizia que nunca a abandonaria. Kaira espreguiçou sentindo os braços doendo o que a fez resmungar baixo.

- Acho que nunca, senhorita – respondeu enquanto amarrava a ponta da trança – Você ainda não se apresentou ao seu povo, será uma das partes mais difíceis. Acho que ainda precisa aguentar muitos espinhos para ter dias de flores e rosas.

-Tem sido dias difíceis fisicamente, quando o dia chega ao final mal consigo visitar o meu castelo, ou passar noites na biblioteca.

-Sabe, a senhorita dava muitas festas. Nunca se cansava, acho que você precisa se acostumar só isso. Você nunca desistiu.

Soraya não usava muito o você e naquele momento quando a usou Kaira sentiu que tinha ali uma irmã mais velha que nunca teve. A empregada apenas dissera aquilo porque conhecia sua rainha acima de qualquer um, ela sabia de todos os segredos que ficavam naquelas paredes, conhecia os desejos de sua alma e mesmo assim nunca tinha desistido de servi-la.

- O Will... – começou perguntando mas Soraya sabia onde aquela conversa a levaria, por isso decidiu interrompê-la antes de qualquer palavra.

- Não confie nele. Eu sinto a podridão da magia que ele usa, senhorita.

- Então ele usa mesmo magia.

- Ele não quer deixar que a escolha seja sua. Cameron é bom, senhorita o coração dele é puro e a aura limpa mas a de William não. Eu vejo as auras deles, é assustador de certa forma.

Soraya via auras, por isso sempre mantinha-se distante de determinadas pessoas. O salpicado nos olhos negros de Will não eram só vistos pela rainha, a aura escura que o cobria podia ser visto por ela também. Kaira percebeu naquele momento que no mundo novo em que vivia, confiava mais na Soraya do que no Will.

- Porque nunca me contou isso?

Soraya parou de pentear meu cabelo e olhou para mim.

- Você tem a escolha de amar e desejar quem quiser e eu não posso falar aquilo que não é da minha conta. É melhor ir dormir, senhorita. É tarde.

Era um aviso de que ela não queria mais conversar, Soraya fez uma pequena reverencia e saiu do quarto. Kaira andou até a cama e sentou, depois acabou cedendo e deitando. Deixou que o seu corpo relaxasse e a mente vagasse. Havia olhado milhares de vezes para sua nova marca, ela era a mais bonita e parecia ainda mais negra que as outras. Essa realmente ascendia uma chama diferenciada. Kaira começou a sentir que a qualquer momento começaria a soltar chamas pelos olhos.

Passou as mãos pelo rosto, deveria controlar melhor suas emoções e sentir medo infelizmente ainda era considerado uma emoção humana. Talvez o seu medo de ficar insana fosse tanto que ela simplesmente colocaria fogo no quarto. Talvez ter poder não fosse ruim, pelo menos não era essa a ideia que essa palavra passava. Ter o domínio sobre algo que ninguém mais tinha era fantástico, ser alguém que ninguém mais poderia ser era bom. Ela os dominaria e eles não a dominariam.

Uma névoa densa e expeça se espalhava pela floresta, o ar era sombrio e a escuridão era típica do cenário fúnebre. A coruja piava escondida em uma árvore alta, eu olhava para os lados e nenhuma forma de vida estava comigo.

Algo passava correndo nas sombras, meus olhos não eram capazes de captar a figura se movendo no escuro. O vento sobrenatural bagunçou meus cabelos, fazendo abraçar meu próprio corpo em busca de uma proteção que não viria.

Era um sonho, eu sabia disso. Mas, mesmo assim estar naquele lugar causava arrepios. Eu sentia medo e ao olhar para os lados sabia que estava completamente sozinha. Onde estavam Will e Gwen? Eles não deveriam me proteger?

"Você é parecida comigo" – uma voz ecoou ao fundo das árvores, olhei para elas procurando um rosto, um sorriso ou um olhar que dissesse quem estava falando mas, só um escuro incrivelmente assustador – " É assustador que não se lembre de mim, porque nós ainda somos feitas do mesmo material"

Minha memória sabia quem era mas não me deixava ter acesso a esse nome.

-Quem é você? – perguntei em voz alta.

"Isso não é relevante no momento" – a voz era fria, como uma lâmina sendo passada no meu pescoço – "Você está enganada sobre tudo isso"

Um riso tenebroso soou na floresta sombria.

"Uma escolha nunca deve ser definitiva Kaira, você precisa saber quem você é"

-Eu sei quem eu sou – gritei, um nervosismo súbito surgiu na minha voz. Era medo e não raiva.

Ela riu novamente, a voz feminina sedutora e cortante.

"Você sabe quem é e não quem você definitivamente quer ser. Kaira você só engana aos seus amiguinhos com esse jeito modesto, eu sei bem como são as pessoas do seu gênero o poder corre em suas veias"

Seu tom verídico me assustou, aquilo era como se ela – seja lá quem ela fosse de verdade – abrisse o meu íntimo, o fato de eu querer ter poder não era um fato consumado.

-Não quero isso – minha voz fraquejou.  

"Você quer ser indestrutível e poderosa. Eu posso lhe dar tudo isso querida, absolutamente tudo que deseja" – soltou uma leve risada – "Basta você me convidar para entrar"

-Quem é você? – gritei.

"Me convide e descubra" – disse – "A vida é muito mais do que ter dois garotos lhe desejando, é muito mais do que viver nesse lugarzinho cercada por essas pessoas pequenas"

-Você não sabe nada sobre mim – rosnei.

Ela riu novamente.

"Garotinha tola, quando descobrirem quem você é vou ser sua única amiga"

A voz sumiu enquanto o riso longo e assustador ficou ecoando por toda a floresta.

Uma dor inesperada atingiu meu peito, como um tiro, tudo ficou ainda mais escuro diante dos meus olhos.

"Assuma quem você quer ser" – disse a voz antes de tudo sumir.

Kaira abriu os olhos afoita procurando pela cama com as mãos só para garantir que não estava mais em um sono. Seu peito doía como se ela realmente tivesse lavado um tiro. No pé da cama havia um papel dourado dobrado em quatro partes, esticou o corpo e pegou o bilhete delicadamente: "Basta chamar, e eu virei."

Um grito agudo nasceu do seu íntimo, não conseguiu reprimi-lo, levou a mão a boca após gritar. Aquilo tinha sido real, a mulher que Kaira não conseguia se lembrar não era só uma ilusão criada pelo seu cérebro. A mulher conhecia a essência de Kaira, coisa que a própria as vezes não tinha conhecimento. As coisas que atraíram a rainha tinham sido sua ruína uma vez e seria sua ruína novamente.


Nota da Autora: Depois de miiiiil anos consegui postar capítulo, tive sérios problemas pessoais e não conseguia pensar em postar, mas agora está tudo em ordem. Boa Leitura !

Página: https://www.facebook.com/coroadevidro/

Coroa de Vidro - Livro 1 (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora