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Parte 1 - Jardins

O tintilar do sino da porta me fez engolir o nervosismo quando a atenção do vendedor caiu sobre mim.

Havia cheiro de madeira úmida e antiga no ar, e o homem atrás do balcão sorriu, mostrando os dentes amarelados, mas perfeitamente alinhados.

Ao redor do balcão, potes com especiarias, objetos de madeira e livros estavam espalhados de forma organizada. Nas prateleiras, havia a divisória das comidas também, além dos itens antigos lá no fundo. O ambiente estava relativamente escuro, como se as luminárias não dessem conta de clarear tudo.

— Bom dia! — disse o homem do balcão. — Em que posso ajudar uma jovem tão bela?

Abri um sorriso convincente e me aproximei.

— Estou de viajem com alguns amigos e preciso de alguns grãos. Teria esses aqui?

Estendi uma lista de grãos que Aaden sugeriu que eu escrevesse e ele a pegou. Analisou profundamente, ajeitando os óculos sobre o nariz antes de abrir um sorriso.

— Oh, sim! Oh, sim, querida. Tenho. Vou pegar para você.

Ele se arrastou para fora do balcão, indo até as prateleiras e dando-me oportunidade para contornar o ambiente. Enquanto dava a volta, dei uma olhadela rápida pela parte de dentro, mas não consegui ver muita coisa interessante.

Caminhei até o final da loja, indo até os itens antigos. Estávamos procurando algo. Algo e alguém. Para ser mais precisa, estava procurando um objeto que nos auxiliaria a achar os jardins e procurávamos alguém que não sabíamos quem era.

E, para resumir, procurávamos sem saber o que exatamente estávamos procurando.

Observei os objetos antigos. Haviam de muitos tipos. Espelhos enferrujados, espelhos não enferrujados, porém antigos; colares, anéis, pulseiras, caixas misteriosas. Havia uma caixa-preta com uma lente no centro, totalmente enferrujada.

Mas algo no meio de todas as coisas velhas me chamou atenção. Depois de sete semanas de busca sem nenhuma resposta, um objeto azul brilhante e relativamente opaco que estava sobre a mesa fez meus dedos coçarem para tocá-lo. Tinha um formato engraçado quando olhado de lado, porém de frente, era exatamente ao que Hale me deu quando pisei em Arthora pela primeira vez.

Um apito dos arthorianos.

Eu franzi o cenho e apenas inclinei a cabeça em direção ao homem, sem retirar os olhos do objeto.

— Onde conseguiu essa peça?

Eu ouvi passos e ele se aproximou, observando seus produtos.

— Qual?

Apontei para o apito. Tive a leve impressão de que este brilhou. Quase pude ver a cor do seu rosto sumir.

Ele esticou a mão e pegou o apito rapidamente, enfiando-o no bolso. O homem desviou o olhar para o balcão e começou a andar até lá.

— Eu- eu... hm. Eu achei enterrada em um vale aqui perto.

Ergui as sobrancelhas. Ele estava nervoso. Estava mentindo para mim.

— Um vale?

— É. — Ele entrou no balcão e começou a pesar os grãos, escrevendo o preço com números exageradamente grandes e tortos. — Um vale. Com altas montanhas e um riacho próximo.

Eu balancei a cabeça devagar.

— Entendi. Para qual direção fica? Eu adoraria passar lá antes de seguir com a viagem.

O homem deu um sorriso amarelo e apontou para a porta, na direção do sul.

— Ah. Entendi. Vou passar lá antes de continuar.

— Passe! — disse o homem. — Não acredito que vá se arrepender.

Eu sorri quando apertei o botão que estava pendurado na minha mão.

Ele continuou a pesar os grãos, saco por saco, enquanto a lembrança daquele objeto azul fazia minha mão queimar incessantemente.

Contornei o balcão de novo, passando o dedo sobre a madeira ressecada e sentindo as farpas ameaçarem enfincar no meu dedo. O homem me observou com um sorriso amarelo.

— E então? De onde vem? — perguntou-me.

Eu abri um sorriso meigo.

— De Górin. Um dos reinos menores em Hálim.

Estivemos estudando o mapa de Ulyan nos últimos três meses. Aaden me fez decorar todos os reinos e regiões de todos os continentes. Hálim era continente vizinho dos Sete Reinos. Um dos menores que existia em Ulyan. Como uma ilha pequena, Górin comparada a uma vila arthoriana não passava de um bairro.

— Ah, Górin! Minha mãe era de lá, sabia? Dizia que existem muitos minerais por lá.

Eu assenti, ainda sorrindo.

— Sim. Existem sim.

Passei os olhos pelos produtos nas prateleiras novamente.

— Ah, minha mãe — continuou ele — costumava dizer que objetos antigos dão sorte. Apesar de que...

Sua fala morreu quando a porta se abriu. Em segundos, senti que quem eu esperava não era quem entrou pela porta. O cheiro pútrido entregou: soldados de Ayllier. Ele ainda estava atrás de mim.

Eu congelei, mas não podia levar a mão à orelha para me comunicar com Aaden. O senhor na minha frente abriu um sorriso para mim. Desgraçado...

— Dão tanta sorte que atraem arthorianos — completou, sussurrando.

Sabia que três lâminas eram apontadas para mim. Sabia que, se eu me virasse, os soldados me reconheceriam, mesmo depois de tantos anos. Poderia morrer logo em seguida. Poderia ser arrastada de volta, porque sabia que eles nunca aceitariam o fato de que burlei todos os sistemas de segurança com meu irmão. É capaz de terem mudado tudo para me aprisionar mais uma vez.

Uma vez em Ayllier, sempre em Ayllier. A não ser que morra.

Porém, havia algo que os quatorze anos dentro me ensinaram. Algo que eu já estava preparada caso acontecesse: sempre tenha cartaz na manga.

Eu me virei, sorrindo, encontrando três pares de olhos em cima de mim.

— Olá, rapazes.

Um deles me reconheceu. Percebi pelo leve elevar das sobrancelhas, praticamente imperceptível.

Odeio admitir, mas Renoward vinha me ensinando coisas... úteis. Apesar de ser totalmente contra a minha vontade, já que me recusava passar qualquer mísero de segundo ao lado dele.

Permanecemos nos encarando em expressões falsas e ameaçadores.

Então, ataquei.

Arthora | A Espada de VanellaOnde histórias criam vida. Descubra agora