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Era como se as horas gostassem de brincar. No meio do salão de cortinas roxas puídas, o som das espadas foi ouvido o dia todo. Estava frio e a neve caía solene lá fora, mas os ritmos internos do palácio diziam o contrário. Lâmina com lâmina, olhar com olhar, não paramos muitas vezes até a noite cair.

Me sentia confusa e ingênua depois da conversa com Ayaz e, mesmo depois de horas, não consegui tirar aquele momento da cabeça. Falhei miseravelmente em todas as tentativas. Ao menos, eu tentei.

— Foco — dizia Renoward, enquanto dançávamos pelo salão colidindo as espadas.

Ayaz sabia sobre Ayllier. E com certeza não era por acaso, mas eu não conseguia pensar em nenhum motivo para o rei de Tuorc saber que estive na prisão. Afinal, o que ele tinha a ver comigo?

—Não diminua o ritmo — Renoward bateu sua espada três vezes na base da minha, fazendo-a desequilibrar e cair. Observei Vanella rodar até alguns passos longe de mim.

Respirei fundo em contragosto.

— Precisa se concentrar — disse ele. — Não é algo que você vai poder aprender à qualquer momento.

— Eu sei. Me desculpe.

— Vamos de novo.

— Eu preciso de uma pausa — pedi.

Ele assentiu, dando as costas brevemente.

Ignorando qualquer traço de frio ou poeira, eu me sentei no chão. Estava com medo e aflita, além do meu abdômen latejando a cada minuto.

Podiam estar em qualquer lugar, prontos para derramar sangue e fúria. Ninguém escaparia dessa vez se, de fato, houvesse chance.

Fechei e abri as mãos. Se minhas suspeitas estivessem certas, se eu tivesse um pingo de razão, precisávamos sair dali o quanto antes. Ayaz nos pediu para ficar durante cinco dias. Era a quantidade perfeita de tempo para Ayllier planejar um ataque impossível de se prever e de escapar. Se estivéssemos sem saída agora, eu já podia dar adeus aos meus amigos.

— Não.

Levantei a cabeça na direção de Renoward ao ouvir sua voz. O príncipe estava recostado no pilar, ao lado da mesa com diversos equipamentos espalhados pela madeira. Os braços cruzados cobriam as mãos enluvadas e seus olhos tão verdes me encaravam com intensidade.

— O quê?

— Não.

Engoli em seco e permaneci em silêncio. Era exatamente o que ele queria.

Devagar, desviou o olhar antes de pousar em mim de novo, com o cinismo vindo à tona.

— Não é o que você está pensando.

Eu franzi o cenho.

— Você... o quê?

— Gaëlle, não passou as últimas seis horas tentando entender o Ayaz fez naquela sala com você, passou?

Eu endureci. Como ele sabia?

— Ah... não.

— Passou.

Ele desviou o olhar.

— O quê? Como sabe disso?

— Você está atônita. E toda vez que toco suas costas ou mesmo menciono te atacar por trás, você erra o golpe. Mas esse não é o ponto.

Renoward desencostou do pilar e caminhou com passos confiantes em minha direção. O príncipe se agachou na minha frente antes de pousar os olhos verdes em mim de novo.

Arthora | A Espada de VanellaOnde histórias criam vida. Descubra agora