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Quando o trem freou na estação do lado oeste de Uxtan, já passavam das 00h40. Um horário terrível para estar na rua.

Antes de tudo, passei brevemente na rua do museu. Como seguiria sozinha, mudar a rota não seria um problema. Em um dos becos escuros, achei um lugar bom para encaixar o pé e escalei até o telhado, revelando a fachada do museu, acoplada diretamente com uma estação de trem.

Eu me empoleirei perto de uma chaminé, ficando alguns minutos agachada na sombra. Sr. Rews não estava sendo o guarda-noturno, mas haviam outros homens com o mesmo uniforme; um terno cinzento com uma grava simples e preta e botas polidas.

Por mais que fizesse quase um ano, eu queria um sinal de Tinny. Ela era esperta o bastante para saber que não morri e eu só queria verificar se ela estava bem. Entretanto, não havia nada por ali que indicasse alguma coisa. Imaginava que, naquele horário, não haveria mesmo, mas a sensação de nostalgia e as lembranças com Hale e Sr. Rews me traziam um conforto antes do sofrimento.

Decidi seguir um pouco ao sul, usando alguns minutos restantes para o trem passar e me transportar para o oeste. Uxtan usava o trem vinte e quatro horas. Alguns trabalhadores ficavam até tarde e esse era o único meio de transporte para quem era de classe média e precisa ir ao médico durante a noite.

O condomínio de Tinny ficava em uma pequena baixada, que dava vista para o resto da cidade. Usei o clássico jeito de distrair porteiros; uma pedra na janela e outra do outro lado da rua, no meio dos arbustos.

Por ser tarde da noite, não havia movimento algum na terceira casa da primeira esquina do condomínio. Já conhecendo as paredes com cara de nova, escalei com cautela, sem fazer barulho até a varanda da casa da minha amiga. A vista do seu quarto era a única que ficava de frente para a quadra do condomínio e as piscinas.

Espiei pelo vidro, sentindo uma pequena pontada quando não a vi no quarto.

A cama estava impecavelmente arrumada, com a seda rosa e macia e os travesseiros de pena de ganso perfeitamente afofados.

A coleção de livros e os troféus ainda estavam na mesma posição. O abajur estava desligado e não havia um sequer fio de cabelo no chão. Nenhum tipo de bagunça que ela deixaria.

Quando eu limpava a casa dela, percebi o padrão de coisas que ela costumava deixar sempre nos mesmos lugares. Não era a garota mais organizada que eu conhecia. A escova de cabelo ficava sempre em cima da cama, ou no chão, perto da cabeceira e o seu livro favorito costumava ficar no tapete ou debaixo do travesseiro. Além, claro, das roupas que ela colocava e tirava, e acabavam em cima da escrivaninha no fim do dia.

Não encontrei nenhum sinal dessas coisas.

Saí de lá antes que alguém me visse.

* * *

Ayllier possuía quatro portões: norte, sul, leste e oeste. Costumavam abrir e a fechar aleatoriamente. O portão aberto daquela semana era o leste. Me lembrava que os portões duravam abertos de quarta até terça à noite.

Se nada tinha mudado, ficariam abertos por mais quatro dias.

Mas eu não podia me entregar de mão beijada ou então teria de inventar algum motivo para estar ali.

O silêncio era ensurdecedor.

O campo até Ayllier era grande demais para se esconder. A forma mais eficiente de entrar seria achar alguma desculpa para ocupar a cabeça deles. Ninguém se entrega assim.

Estava chovendo por volta das 01h00 da manhã. A água caia gélida, congelando os ossos dos meus dedos descobertos e me dando uma dor de cabeça. Não havia nenhum tipo de névoa no campo, mesmo que a chuva estivesse tão forte que deixasse difícil de conversar.

Arthora | A Espada de VanellaOnde histórias criam vida. Descubra agora