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No dia do aniversário do Hale, a chuva caia sobre o solo de Sulman. A casa estava escura e em silêncio. Era dia de partimos para Parvin, em mais uma aventura. Mas o meu ânimo, que já não era dos grandes, ficou ainda menor.

Era dia 23 de Aravent. E foi um dos dias em que abri uma carta de Hale. Talvez isso fizesse doer mais, porém a saudade era tanta, que acho que as cartas deveriam receber atenções maiores do que eu dava. Apesar de que, muitas das vezes, eu só queria escondê-las.

"33 do mês de Torcsky, calendário arthoriano.

Gaëlle,

Será que existe uma forma mais fácil de te dizer isso?

Quando estávamos nos campos de escravidão e Ridgar anunciou o extermínio, mamãe ainda estava grávida de você. Eu sei que já te contei essa história. Imagino que se lembra daquele dia no acampamento, logo depois que chegamos.

Eu sei que parece injusto, mas eu sabia dos riscos de dizer algumas coisas para você em voz alta onde qualquer um ali poderia estar nos vigiando. Não me entenda mal, confio em Zylia completamente, mas ela ainda pode errar tanto quanto nós, e nós sabemos como Ayllier consegue ser astuto na maior parte do tempo.

Meu ponto aqui é que, quando eu disse a você que Ridgar decidiu exterminar os jovens por medo de uma revolução era mentira. Existem muitas coisas que eu descobri enquanto estava em Álix. Uma dela é a existência de uma torre, que costumam chamar de Torre dos Sete Elementos. Ela foi construída para destruir todos os arthorianos de uma vez só, restando apenas quem sacrificou parte do sangue para que ela fosse construída.

Essa Torre existe há bastante tempo e tem uma certa quantia de pessoas que pode atingir. O sangue, dos nossos primos e amigos, derramado no solo foi como um sacrifício para que ela terminasse de nos matar... Eu não sei quem a construiu, e também não sei onde ela está, mas foi ouvindo atrás de portas que eu descobri a existência dela.

Gaëlle, eu não sei o que o Imperador deseja para nós. Quando eu decidi que fugiria antes que fossemos mortos, e uma sulmanita – acredita nisso? - nos ajudou, eu não imaginava o que nos aconteceria. Não imaginava ser obrigado a levar você para Ayllier ou ter que conviver com nosso pai. Foi tentando isentá-la de sofrimento que acabei fazendo-a sofrer mais.

Eu realmente espero que você seja alguém de grande feito quanto a isso. Não sei se você vai salvar o mundo, me parece um pouco utópico imaginar algo assim.

Gostaria de ter tempo de contar a você sobre ela melhor do pouco que vou falar agora. Entretanto, também havia prometido a ela que jamais mencionaria seu nome. Infelizmente, eu tenho que ser a exceção da regra. Espero que se descobrir, me perdoe por isso.

Alyssa, princesa de Sulman, me ajudou a planejar nossa fuga. Ela me deu esse colar, feito com pedras de Tierdan, basicamente o que nos tirou de lá. As pedras anulam o efeito mortífero da Cerca. Se um dia você precisar, ele está com você. Achei importante passar para frente.

Minha irmã, eu espero que você nunca precise ver seu povo morrer na sua frente. Não é algo bonito de ver. Sabe, eu acredito em você. Confio no seu potencial de realizar grandes feitos – estes que não se resumem a salvar o mundo, literalmente. Um grande feito pode ser uma conquista que você deseja tanto, ou uma evolução no seu amadurecimento, ou ainda, um pedido de perdão. É tudo questão de perspectiva.

De novo, Gaëlle, não sei o que te espera, mas seja lá o que for, faça valer a pena. E lembre-se do Imperador. Ele sempre estará com você.

Queria estar também.

Por favor, não se esqueça das cartas. Sei que deve ser difícil, mas é importante que você as leia.

Te amo tanto que não cabe mais em palavras.

Até um dia, nas Terras do Imperador,

seu amado irmão Hale.

P.s.: Se um dia você encontrar Alyssa, agradeça-a por mim. Foi uma grande amiga."

Assim que terminei a carta, a abracei, fechando os olhos e deixando a água quente e salgada descer pelos meus olhos enquanto meu coração batia forte.

Muitas vezes, eu sentia vontade de implorar para que Hale ficasse. Só que, o problema, era que não era possível que meu irmão simplesmente voltasse a vida. Os mortos não voltam.

Eu engoli em seco, e abri os olhos, observando o pequeno quarto onde eu dormia nos últimos dias.

Meu irmão sabia muito mais do que deixou transparecer. Nas outras cartas, as informações podiam ser tantas... mesmo assim, eu ignorei esse fato. Queria guardá-las por um tempo. Absorver o que acontecia ao meu redor, fazer o que tinha que fazer.

Não se preocupe, Hale. Eu vou destruir a Torre antes que ela destrua nosso povo. E vou ler as cartas. No meu tempo.

Observei a carta do meu irmão com sua caligrafia robusta e corrida, e a fechei, colocando de volta no envelope. Assim, me levantei, ajeitando as roupas e guardando as últimas palavras do meu irmão entre os tecidos amassados dentro da mala.

Saí do quarto. Não procurei Alyssa.

Era hora de partir para Parvin.



*18/11/2023

Próximo capítulo: Amanhã (19/11), às 14:45, horário de Brasília.

Devido à aproximação do fim do livro (Calma, ainda não é o fim. Mas é quase) 👀

Com amor, Esther ❤

Arthora | A Espada de VanellaOnde histórias criam vida. Descubra agora