A neve cobria o chão de forma sorrateira, sufocando a terra e caindo sobre todo e qualquer telhado. As casas, algumas curvadas, outras tão altas quanto um prédio de três andares, começavam a ficar cheia de gente durante o dia inteiro.
A movimentação da rua diminuiu de forma bruta, e todos os comerciantes fecharam as portas. Ninguém estaria nas ruas no dia seguinte. O que fariam seria descansar e passar o resto do dia, deitados, para que, quanto o sol se fosse e a lua aparecesse no céu refletindo a luz, estivessem prontos para o baile.
A comemoração do aniversário de Tuorc se aproximava. No dia 11 do mês de Aravent do calendário arthoriano, Tuorc completaria 7854 anos. Seria no dia seguinte, ao entardecer, no palácio de Ayaz. Mas eu não tinha certeza se queria comparecer em um lugar com tanta gente.
Estava há dois dias evitando o rei. Não sabia se queria ouvir o que ele tinha para dizer. Por mais que soubesse que ele não havia matado meu irmão, os soldados de Sulman que invadiam Tuorc eram ignorados por ele, o que me deixava com uma pulga atrás da orelha. O que o levaria a não fazer nada quando, supostamente, Ayaz deveria fazer de tudo para salvar o que é seu? Será que ele ao menos se importava com alguma coisa?
Passei os outros dias fingindo estar ocupada demais. Renoward também não apareceu e Aaden estava ocupado demais, assim como Zylia, então minha atenção ficou toda sobre os gêmeos. De vez em quando, trombava com Alyssa pelos corredores do palácio, onde ela me lançava um sorriso caloroso, esfregava as mãos no vestido e continuava seu caminho.
Barrie e Ercan, apesar de novos, eram mais espertos do que parecia. Entenderam sobre a espada assim que a viram e ficaram loucos. Tentaram pegá-la, mas toda vez que a superfície de seus dedos tocavam a arma, ela desaparecia e reaparecia em algum lugar próximo de mim. E tocá-la passou a ser o passatempo favorito deles.
Deixei que brincassem e gargalhassem enquanto remontava a arma que Renoward pediu. Não havia conseguido evoluir muito nisso. Segundo o soldado, eu precisava saber como montá-la, porque talvez precisaria de uma em caso de emergência e só encontraria as peças nos bolsos do meu traje. Mas de duas, uma: ou estava errando na ordem das peças, o que era bem provável, ou havia perdido peças, o que também era bem provável.
Então já não sabia mais o que fazer.
— Ercan, não. Você tem que tentar de outro jeito! — dizia Barrie, enquanto tentava convencer o irmão de tentar pegar a Espada de Vanella.
— Vamos tentar assim também, Barrie. A gente não sabe se algo pode ajudar a gente a tocar na espada.
— Luvas de látex!
— Não. Luvas de couro são melhores.
Respirei fundo enquanto abria um sorrisinho e ericei as costas, sentindo-as estralar. As brigas deles resultavam em Barrie concordando com Ercan. E foi exatamente assim, quanto soube que Barrie revirou os olhos e aceitou a ideia de Ercan, mesmo os dois sabendo que nada funcionaria para que tocassem na espada.
Reprimi uma careta quando duas batidas soaram à porta. Eu me debrucei na mesa por alguns segundos enquanto ouvia os gêmeos correrem para atender e falavam alegres com Ayaz. Queria poder fingir dormir.
Mesmo assim, me levantei e caminhei até a porta, observando o rei. Era bem mais alto que eu. Provavelmente, apenas cinco centímetros mais baixo que Renoward.
Ele levantou as sobrancelhas.
— Gaëlle...
— Eu sei — interrompi. — Eu posso agora.
Ayaz ficou em um breve silêncio. Sabia que ele não pedia formalidade, mas, observando o rosto jovem do rei de Tuorc, conseguia ver que estava tão perdido quanto nós.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Arthora | A Espada de Vanella
Fantasy[Obra concluída ✔] Quando o relógio marca meia-noite, uma perigosa linhagem de monstros é desencadeada, revelando um lado obscuro da humanidade que Gaëlle jamais imaginou existir. À medida que a garota se lança em uma busca desesperada pelos misteri...