Eu não sabia quais eram as chances disso acontecer.
Tique-taque.
Mas assim que o vi, meu corpo congelou.
Por alguns instantes, eu observei a cena, sem de fato saber o que fazer.
Laron se aproximou de Renoward, o segurando pela gola com uma mão e apoiando a ponta de uma adaga com a outra em sua barriga. O soldado era bem maior que o irmão, mas, por algum motivo, Renoward não reagia.
Eu conseguia sentir sua fúria, a cólera que emanava dele distante.
— É tão bom te ver assim — disse Laron, alto o bastante para que todo mundo pudesse ouvir. — Sem poder revidar, sem poder dizer uma palavra. Por anos eu desejei esse momento. A minha sorte foi ter nascido mais inteligente do que você.
Renoward se remexeu, mas Laron apertou a adaga e estalou a língua.
— Lembre-se. Qualquer movimento e seus amigos vão todos para o inferno. Principalmente aquela ruiva irritante. Onde ela estava mesmo? Ah, sim. No nosso jardim. Irmão, você não tem noção, não? Deixar uma garota tão jovem quanto ela entrar no nosso mar do esquecimento? Se ela ainda não morreu, é milagre.
— Cala boca — suplicou Renoward, com a voz cansada. Nunca o vi cansado. Nunca o vi tão fraco.
— Cale você a boca. Boca estúpida! Alyssa está em minhas mãos e Zylia também. Com um pouco de manipulação eu trago Aaden e Ayaz para o meu lado e você... Você tem o destino que eu quero.
— Isso tudo é por que você não nasceu primeiro? — Renoward retrucou. — Porque eu cedi o trono e Alyssa também, então você podia simplesmente nos deixar em paz.
Laron aproximou o rosto de Renoward.
— Isso tudo é porque você é você. E eu te odeio por isso. Te odeio por ser meu irmão.
Com o pouco de silêncio que restou, Laron alcançou um pedaço de metal no chão e bateu contra a parede de barro.
— Atenção. Saiam todos agora de suas casas. Eu não quero saber de ninguém aí dentro.
Rapidamente, diversas portas se abriram e muitas pessoas pisaram do lado de fora de casa. O garoto e sua família também, sem questionar nada, sem dizer nada.
Eu saí por último, observando a cena.
Laron estava com a mão ao redor do pescoço de Renoward, com uma adaga levemente pressionada. O soldado não se debatia, não protestava. Já tinha aceitado seu destino, mas isso não parecia fazer parte de sua índole.
Foi então que eu vi um mancha vermelha bem escura no tronco de Renoward. Ele já estava sangrando.
O herdeiro do trono olhava para todos os seus escravos como se fossem crianças prestes a levar sermão.
Fiquei afastada, abaixando-me para me misturar na, agora, multidão.
Porém, de repente, os olhos de Renoward pousaram em mim.
Assim como aquela vez na floresta, o soldado negou tão leve que eu percebi. Mas também percebi o brilho que estava em seus olhos. Um brilho de adeus.
Eu engoli em seco.
— Eu quero que prestem atenção ao que acontece quando pedimos algo e esse algo não é feito — continuou Laron. — Quero que saibam como funcionam as coisas comigo.
Então, olhou para Renoward e disse:
— Tire sua máscara.
Alguns segundos de silêncio antes da resposta.
— Não.
— Tire. Eu quero que vejam o seu rosto antes de eu terminar aqui.
— Não.
Laron apertou a adaga.
— Acho que você está esquecendo quem pode fazer uma visita a sua irmã e seus amigos.
Renoward ficou em silêncio por alguns instantes. Enquanto isso, fechou os olhos. Depois, os abriu, e limpou a mão suja na roupa rasgada e manchada.
— Não importa o que faça. Não importa o quanto você me ameace, Laron, você se esqueceu quem eu sou. Se é a minha morte que você deseja, pois acabe logo com isso. Não aguento mais olhar para você.
Laron abriu um sorriso.
— Quer saber, com prazer.
Com um rápido reflexo, eu arranquei uma adaga do coldre e a lancei, fazendo com que ela cortasse de leve a testa de Laron.
Movimentei-me e sumi entre as pessoas, mudando de posição.
O herdeiro de Sulman soltou o irmão na hora do impulso, fazendo com que ele caísse de joelhos. Com um grito ridiculamente alto, Laron levou a mão a testa, vendo o sangue manchar a ponta de seus dedos.
Eu me abaixei, engatinhando de forma sorrateira até a casa ao lado. Com um pouco de dificuldade, usei a distração do corte no príncipe e encachei meus pés nos tijolos, subindo no telhado da casa por meio dos barris que estavam ali posicionados.
Rastejei até a ponta.
Laron procurava furiosamente quem havia feito isso.
Puxei mais uma adaga e mirei em seu ombro. Ele podia sofrer. Ele devia sofrer. Assim como Eliya, assim como Ridgar. Assim como meu pai.
Assim que o atingi e seu grito ecoou, eu me entreguei aos guardas sem querer.
— Ali! — Um deles gritou.
Eu me encolhi quando alguns disparos foram dados em minha direção.
Rastejei até o outro lado, desesperada para descer. Um dos guardas alcançou o beiral do telhado e subiu. Eu me levantei, me dando conta da enrascada que tinha pulado dentro.
O guarda levantou a arma.
— Fique parada ou eu atiro!
Com um giro, desferi um golpe em sua arma, abaixando-me e cortei a parte inferior da perna. Ele berrou e agarrou meu braço, torcendo-o para trás. Eu segurei o choro. Cutuquei a parte de baixo da minha bota e, com outra adaga, golpei-o no rosto.
Quando ele se distraiu com o nariz quebrado, eu corri para descer.
— O príncipe! — Um deles gritou. — Precisamos levar o príncipe para o palácio. Está perdendo sangue.
— Tanto faz o meu sangue — o garoto levantou-se, cambaleando, mas pisando duro. — Eu quero terminar o que eu vim começar. Eu vou matar...
E então, os tiros pararam, assim como a fala de Laron.
Por um segundo, só o que se ouvia era a respiração de pessoas cansadas e desesperadas por liberdade. Se é que sabiam o que era liberdade.
Fiquei na ponta dos pés para espiar.
O herdeiro estava perplexo, quase caindo no chão novamente. Abriu a boca. Fechou novamente. Afastou a mão de um soldado tentando amparar o sangue enquanto ele mal conseguia andar. Balançou a cabeça como se estivesse ficando louco.
E disse:
— Onde meu irmão está?
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Arthora | A Espada de Vanella
Fantasy[Obra concluída ✔] Quando o relógio marca meia-noite, uma perigosa linhagem de monstros é desencadeada, revelando um lado obscuro da humanidade que Gaëlle jamais imaginou existir. À medida que a garota se lança em uma busca desesperada pelos misteri...