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Eu não tenho tantas lembranças do resto da festa. Apenas sei que dancei até ter meus pés rasgados e preenchidos com bolhas.

Acho que devo ter comido muito. Tenho a impressão de que a comida estava boa demais para deixar algum alimento passar. Não me lembro de ter ingerido álcool. Zylia ficou a festa toda, então deve ter me ajudado a não confundir nada na mesa.

Tudo parecia apenas um sonho.

Principalmente o relance de mãos enluvadas em minha cintura durante uma dança, onde a música conduzia os passos e só conseguiam observar. Por incrível que pareça, ainda conseguia sentir suas mãos sobre o tecido do vestido azul. As mãos enluvadas e delicadas que seguravam as minhas passaram tanta segurança que não hesitei em soltar os passos durante aquela pequena dança.

Apertei os olhos antes mesmo de tê-los aberto pela manhã.

Por favor, que tudo tenha sido um sonho.

Esfreguei o rosto, reprimindo a boa sensação que aquela dança causou. Eu fingi que nada aconteceu e respirei fundo.

Havia sol na minha cama. Mesmo com as cortinas fechadas, suas brechas deixavam os fracos raios de sol passar. O tecido pesado e azul do vestido ainda cobria meu corpo; não o retirei para dormir na noite anterior e agora ele estava todo amassado.

Estiquei os braços e as pernas em um espreguiçar demorado e me levantei, com a cabeça zonza.

Vanella reluzia ao meu lado na cama, apoiada com delicadeza.

Havia muito para se pensar. Se realmente dancei com Renoward, como foi que chegamos a isso? Quero dizer, eu não fazia questão da presença dele e nem ele da minha. Se pudéssemos viver longe um do outro, seria melhor. E, se Renoward pôde segurar a espada, por que Zylia não podia saber se ela tinha que saber de tudo?

A questão é, ela não tem que saber de tudo.

A verdade é que, se alguma coisa nos coloca em risco, a melhor escolha, de fato, é escondê-la. Se saber a verdade sobre o que aconteceu com Arthora era tão perigoso assim, melhor ficar calada. Não sabia se gostava de concordar com Renoward, mas se estivesse em seu lugar, faria a mesma escolha.

Por que ele tinha que ser tão confuso?

Fechei os olhos. Eu nem deveria pensar nele. Muito menos me importar.

Me arrastei para fora da cama, observando o vestido cair ao redor do meu corpo com delicadeza. O chão estava congelando meus pés, mas os arrastei até o banheiro.

— Senhorita — olhei para o lado, assustada. Havia esquecido das criadas. —, gostaria que ajudássemos no banho?

— Ah... — minha voz parecia fraca. — Não, obrigada. Eu me viro.

Ela assentiu e saiu sem contestar, fechando a porta.

Eu estremeci quando as alças do vestido deslizaram pelo meu braço revelando as primeiras cicatrizes. Cobriam toda a parte das minhas costas até a lateral do tronco. Tocavam meus ombros também, o que me permitia vê-las mesmo de frente. Na parte de trás, uma enorme cicatriz, profunda e arroxeada pelo coágulo de sangue causado pelo cuidado indevido marcava toda as minhas costas.

Lembrança de um tempo mau, onde não havia esperança para ninguém. Muito menos para os Arthorianos.

Eu me joguei na banheira assim que a água estava quente.

Não importava quanto tempo passasse, jamais perdoaria aqueles que me machucaram. E no fundo, eu sabia disso, mesmo se eu respondesse o contrário.

* * *

Arthora | A Espada de VanellaOnde histórias criam vida. Descubra agora