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Eu nunca ouvi Renoward gritar.

Quando passamos para o outro lado, a única coisa que consegui pensar era controlar minha respiração para ter certeza de que eu estava viva.

Eu enchi os pulmões de ar, sugando o máximo que eu podia. Eu não consegui enxergar nada por alguns segundos e tudo o que eu sentia era dor.

Tique-taque.

Tentei manter a respiração regular enquanto tomava a consciência de volta.

Mas, antes mesmo que eu conseguisse me recuperar, um grito agoniado foi ouvido por entre as árvores.

Ainda com a visão turva e a cabeça rodando, palpei ao meu redor, sentido as folhas grudarem nos meus dedos suados até a casca da primeira árvore. Eu me agarrei, com força, e me puxei para cima, mantendo a respiração regular e sentindo algumas formigas correrem por meus dedos antes que eu abrisse os olhos.

Devagar, levantei os olhos. Em minha mão, um líquido tão vermelho quanto meu cabelo escorria, manchando toda a manga do traje, apesar de preta, e escorria para pingar do meu cotovelo. A minha garganta estava trancada, quando olhei para os lados procurando por Renoward.

Eu reprimi minha tosse, tentando chamar o mínimo de atenção possível.

— Renoward — chamei, com a voz tão baixa que achei difícil de ele ouvir.

Outro grito foi ouvido, e fiquei com medo de ser de qualquer pessoa, menos do soldado de máscara.

Eu me levantei, cambaleando, avistando Renoward alguns passos a frente. Caminhei desajeitada até ele, evitando tropeçar nos meus próprios pés. Me joguei ao seu lado, apoiando o peso do corpo em minhas mãos no chão, enquanto Renoward se retorcia, rasgando a barra de sua camiseta preta.

Sua respiração estava irregular.

Ele olhou o ferimento e eu acompanhei.

Havia pus por toda parte. A pele ao redor, estava vermelha, irritada, e o sangue saía e escorria. Os pontos que o soldado dera anteriormente estavam apertados, revelando uma pele inchada.

— Está irritada — eu disse. — É... inflamada.

— Está.

O observei.

— Mas você...

Ele anuiu, deixando as palavras fluírem no ar.

Não me importei que ele não explicaria; o soldado estava agonizando.

Por alguns segundos, seus olhos se fecharam, mantendo a respiração constante e irregular. Eu me sentei, observando-o, sem saber exatamente o que fazer.

Com um pouco de força, ele agarrou meu braço.

— No bolso do meu casaco... — ele apontou. — Tem mel e unguento.

— Renoward-

— Pega.

Eu alcancei o casaco, puxando-o para mais perto, e retirei dois frascos pequenos. De onde ele tirou isso, eu não fazia ideia. Entreguei para ele e deixei que o soldado fizesse o que tinha que fazer.

Tique-taque.

Observei minhas mãos, manchadas de sangue, cobertas de poeira e terra.

— Como isso aconteceu? — perguntei ao vê-lo se levantar com dificuldade.

Sua respiração manteve-se pesada por alguns longos segundos. Com os olhos fixos no chão, Renoward deixou a respiração fluir. Depois, virou-se para mim e estendeu a mão, sem luvas, e apenas um fino anel de prata no anelar direito.

Eu o observei. Ele tomou minha mão e, com a outra, jogou o mel e o unguento.

— É a Cerca. Ela causa irritações na pele. Vamos nos coçar incansavelmente daqui algumas horas.

— Pensei que sairíamos imunes.

Reclamei quando o soldado pousou o paninho branco sobre a ferida, e senti o ardor percorrer minhas veias e levar ao cérebro.

Levei a outra mão, querendo retirar aquele abominável pedaço de pano branco de cima de mim, mas acabei por segurar a mão de Renoward de forma casual até demais.

Tentando disfarçar, só a puxei de volta, arrumando as mechas do meu cabelo que atrapalhavam minhas vistas.

— Saímos. Estamos vivos — disse.

— Então o que exatamente aconteceu? — insisti.

Infelizmente, foi nessa hora em que Renoward levantou o olhar e, poderia ser facilmente coisa da minha cabeça, mas seu olhar estava intenso até demais. Ele me observou pelo tempo que poderia ser chamado de eternidade. Acho que meu coração palpitou.

— Minha irmã vai saber te explicar melhor sobre isso.

Assim que terminou de amarrar o paninho na minha mão, ele se levantou, devagar e com dificuldade, e estendeu a mão. Eu aceitei, deixando com que ele me puxasse.

Renoward recolheu o casaco. Me observou, debaixo para cima. Manteve os olhos impassíveis; todas as suas emoções escondidas em um mar esmeralda.

Por fim, virou-se.

— Vamos — disse.

E começou a andar em sabe-se qual direção.

Arthora | A Espada de VanellaOnde histórias criam vida. Descubra agora