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Eu não sabia quanto tempo ali dentro seria capaz de nos entregar. Mesmo assim, tentei ser o mais rápida possível.

O Jardim de Sulman era enorme. Quase uma floresta que cobria um quinto de todo o reino.

Caminhei com passos cautelosos, mantendo um ritmo pequeno. A grama estava na altura do meu joelho e as árvores não balançavam, mas eram altas e densas, e cobriam toda a luz que poderia entrar por cima delas. Não havia som de água por perto. Estava escuro e silencioso, onde apenas os meus passos eram ouvidos.

Andando com cuidado, observei algumas marcas nas árvores. Parecia que garras com sangue passaram por ali.

Lambi os lábios e uni as sobrancelhas, tentando entender como Renoward conseguia ser tão silencioso ao andar pelos lugares. Ele passaria facilmente sem nada nem ninguém perceber sua presença.

Observei algumas teias de aranhas espalhadas, mas em nenhuma delas estava a predadora.

As pedras sobre meus pés estavam frias e pontiagudas.

O ambiente parecia escurecer a cada passo que eu adentrava na floresta. Um súbito medo me atingiu quando um som agudo percorreu, balançando as árvores e beijando meus ombros.

De repente, ficou mais frio.

Continuei andando, repetindo a mim mesma que não havia nada com que me preocupasse. Eu só precisava de um mísero galho. Depois que essa árvore estivesse comigo, eu não precisaria mais voltar ali.

Havia algumas frutas em árvores mais baixas, mas elas estavam murchas e sem cor. Pareciam ter sido sugadas, ou que sua vida tinha, simplesmente, ido embora. Como se o pomar, que antes ali habitava, já não existisse mais.

Puxei o ar com força, mas o soltei devagar, convencendo-me de que não havia nada ali.

Sons baixos, de criaturas antigas, soavam aos meus ouvidos em meio ao escuro do Jardim. Era como se assombrassem aquele lugar, como se o medo fosse seu alimento.

E eu estava com medo. Estava aterrorizada, mas na época, não admitira tão fácil.

Um estalo soou atrás de mim e virei para trás por extinto, agarrando uma das adagas na mão. Não era nada. Apenas a trilha de matos pela qual eu já tinha percorrido. Nenhum rastro, nenhum pelo, nem uma folha a mais ou a menos, nenhuma poeira diferente.

Lá na frente, bem lá na frente, havia a luz dos portões de vidro. Era uma longa caminhada até conseguir andar de volta. Apertei a adaga na minha mão.

Quanto mais adentrava na floresta, mais densa ela ficava, e mais altos os sons eram. Eu engoli em seco, me virando para frente de novo. Não sabia quanto tempo passara, mas imaginava que, pelo menos, quinze minutos. Ou melhor, quatro horas que eu estava lá dentro. A cada hora dentro do Jardim de Sulman era igual a dezesseis horas do lado de fora. O impacto era muito maior quando se fazia as contas.

Ainda com passos cautelosos, comecei a caminhar um pouco mais rápido.

Mais para frente havia uma cortina de folhas, tampando a entrada e, do outro lado, uma enorme ruína se estendia por todo o espaço. Eu senti meu sangue gelar e, de repente, quis ir embora.

A construção erguia-se tenebrosa. Era feita de um material resistente e escuro. Torres pontudas, pareciam ser a casa de algum mal. Elas se erguiam, como flechas em direção ao céu, como se quisessem perfurar e esmagar. Como se quisessem guardar tudo o que havia de ruim. As pequenas janelas de torre eram tão escuras quanto um abismo e guardavam tantas coisas quanto um livro de guerra. Haviam pontes estilhaçadas e manchas de sangue no chão.

As muralhas estavam despedaçadas, como se desmancha a areia em uma peneira. As árvores, do outro lado da cortina de folhas, estavam secas e murchas, provavelmente sem vida.

Os sons estavam mais altos. À minha direita um corredor arredondado com uma luz vermelha levava a algum lugar onde eu não queria saber. Na minha frente, uma enorme estátua se estendia, como se fosse um anjo negro, com asas de morcego enormes. Seu rosto era coberto por um pano e haviam dos bastões amarrados em seu peitoral. As asas da estátua fazia o primeiro arco de uma sequência. O pior de tudo, era que, debaixo daquele fino pano, havia uma leve luz vermelha no lugar de seus olhos, que falhava de segundos em segundos.

Teias de aranha estavam penduradas por toda parte, mas todas pareciam estar mortas.

Eu olhei para trás uma segunda vez. Não era mais possível ver a luz da entrada. E eu estava com medo de não achar mais a saída.

Haviam raízes que saíram do chão e quebraram o concreto, deixando-o desalinhado e ruim de pisar.

Se aquela cidade já tinha sido usada uma vez, seria bom se fosse usada de novo.

Engoli em seco.

Sons de ruínas, de sangue perdido e de um alimento não humano me cercavam.

Apertei a mão ao redor da adaga. Não a soltaria mais enquanto estivesse ali.

Eu sabia que precisava fazer aquilo, mas estava perdendo a coragem. Minha vontade era de dar meia volta e sair, mas cada segundo ali dentro contava e eu não queria fazer meus amigos esperarem atoa. Mas se eu pensasse, já estava fazendo-os correr um risco atoa. Sempre foi um caminho sem volta.

Não o melhor momento para pensar, mas aquilo tudo talvez fosse perca de tempo. Nada podia funcionar. E se o Imperador mentiu? Então porque eu continuava?

Só que, eu também não queria parar. Queria provar logo a Yüksek que eu estava certa. Oh, Santo Imperador, como pude ser tão boba antes?

Mesmo assim, Renoward estava certo quando ele disse que era o ego que falava mais alto em mim.

Estremeci quando outro ruído soou ao meu ouvido, trazendo vento, frio e um cheiro pútrido. Reprimi a vontade de chorar e tentei fazer o máximo de silêncio possível quando comprimi os lábios e arranquei um pedaço de tecido de dentro da mochila que estava comigo. Era pequena, mas o bastante para carregar água e algumas armas. Envolvi o tecido na minha cintura, tentando cobrir a ferida que ardia, mas a dor era minha última preocupação. Se houvesse alguma criatura que se localizava pelo cheiro, sangue seria a última coisa que ela deveria sentir.

E, segurando a vontade de chorar de medo, com um arrepio que subiu minha espinha ao ouvir mais um ruído de uma criatura antiga, agarrei outra adaga e comecei a subir as escadas, mesmo com a sensação de que alguém me observava.

Arthora | A Espada de VanellaOnde histórias criam vida. Descubra agora