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Meus pés ardiam como fogo e nos meus ombros haviam duas lâminas de vidro infincadas. O mundo girava e não havia ar para respirar.

Quando fechei os portões de vidro, de uma forma que não parecesse que estavam violados, observei ao redor, ainda sentindo o sangue subir na garganta e o vômito revirar no estômago.

Eu não sabia se o que estava escorrendo pelos meus olhos eram lágrimas ou gotas de chuva, mas a névoa que cercava a parte de fora me trazia frio e angústia.

Se eu estava certa, Aaden não estava a muito mais de vinte metros dali, mas minhas pernas pareciam chumbo derretido.

E aquela grande dor no coração não parecia passar.

Caminhei em linha reta, arrastando os pés e escondendo as mãos trêmulas, até o lugar onde Aaden deveria estar, mas não havia ninguém lá. Sentia meu cabelo e minhas roupas molhadas, porém não era capaz de contemplar a chuva como outras vezes. Era como se eu estivesse em um ambiente vago, tão solitário. Estava perdida.

Não encontrei ninguém.

Fui em todos os locais combinados, mas nem Zylia, nem Aaden, nem Renoward estavam lá.

Acho que tinha água em meus olhos, porém não sabia dizer se seu gosto era salgada ou doce.

Por mais que já tivesse sugerido ir sozinha algumas vezes, um súbito medo me bateu. Aquela criatura foi real. Machucou tanto minhas costas, que o sangue escorreu e eu o vi pingar no chão. Tão real, que minhas costas ardiam com os pingos de chuva. Eu não era de alucinar nada. E meu maior medo, era que aquela coisa poderia ter feito algo com todos eles.

Como não conseguia me lembrar tão bem do caminho de volta, apenas comecei a caminhar na direção que eu achava que era.

Não sei quanto tempo passou. Minha tontura aumentava a cada segundo. Sentia me fraca e só queria fechar os olhos por alguns instantes.

— Gaëlle!

A voz de Zylia me despertou segundos antes de aparecer no meu campo de visão. Ela se aproximava, com os cabelos molhados e o traje brilhante. Suas mechas prateadas oscilavam. Pareciam cada segundo mais opacas, mais distantes dela.

Seus olhos procuraram feridas e me analisaram profundamente.

— Você está bem?

Minhas pernas fraquejaram e eu caí de joelhos. Ela se abaixou, ficando quase da minha altura.

— Eu vou ficar bem. Só estou... exausta.

Zylia colocou a mão nos meus ombros, com cautela, e seus olhos arregalaram de repente. Ela uniu as sobrancelhas quando a ponta dos seus dedos voltaram cheias de sangue.

— Gaëlle...

— Tudo bem. — Puxei o ar com força, sentindo-o rarefeito demais. — Foram só arranhões.

A princesa de Álix se empertigou, esticando as costas e espiando a parte de trás do meu traje. Seu sangue pareceu correr mais frio conforme ela foi se abaixando.

— Tem dois caroços enormes nas suas costas.

Eu fiquei em silêncio. Zylia me observou, deslizando seus olhos castanhos por todo o meu rosto coberto de terra. Depois, os desviou para o chão, cheio de terra e folhas; onde estávamos ajoelhadas. Parecia quase passar mal.

— Zylia!

Aaden se aproximou correndo, com o semblante igualmente preocupado. Assim que me viu, parou e me observou, alternando o olhar entre eu e a tenente.

Então ajoelhou-se na minha frente também, hesitante em me tocar; como se eu pudesse derreter a qualquer instante. O soldado procurou por feridas incessantemente por alguns segundos.

— Está ferida? Você está bem?

Não consegui responder. De repente, me senti zonza.

— Não — disse ela. — Acho que está com uma ferida inflamada. Vai precisar de tratamento. — Ela deu uma breve pausa enquanto se levantava, limpando poeiras invisíveis de seu traje, que já estava encharcado. — Você achou?

Observei Portos negar, com a respiração pesada e as mãos tensas.

— Não. Olhei em tudo, mas não tem um canto onde ele poderia estar.

— Tudo bem. Leve Gaëlle para casa, eu vou procurar agora.

Aaden a olhou firme dessa vez. Nunca o vi fazer isso.

— Nem pensar. Não vou deixar você se arriscar dessa forma.

— Aaden, faz parte da minha responsabilidade.

— E faz parte da minha cuidar de você. — O soldado levou a mão a testa, fechando os olhos por alguns instantes e deixando seu corpo ficar tenso. Levantou-se e esfregou a testa, tentando pensar na melhor solução para o que quer que fosse. — Não posso permitir que mais alguma coisa aconteça.

— Espera — falei.

Com dificuldade, me apoiei no chão para levantar. Zylia se aprontou e me deu seus braços como apoio, aproveitando para retirar a pequena mochila das minhas costas para que eu me mantivesse de pé com mais facilidade.

— O que aconteceu?

A primeira coisa que veio em minha mente foram os gêmeos. Se acontecesse algo com eles...

Observei Aaden e Zylia se encararem por alguns segundos, compartilhando segredos em silêncio. A tenente desviou os olhos; com um olhar pesado e distante da realidade.

Por fim, Portos voltou-se para mim.

— É o Renoward. Ele desapareceu.

Arthora | A Espada de VanellaOnde histórias criam vida. Descubra agora