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Eu já consigo ver a montanha onde fica a entrada do santuário quando batem na lateral da caminhonete, eu estou dirigindo devagar para acompanhar os homens que nos encontraram, cálculo que tenham pelo menos trinta pessoas a nossa volta, o que me faz pensar que ou o número de refugiados aumentou muito ou o santuário esta sem proteção, considerando que eu não reconheço ninguém aqui deve ser a primeira alternativa. Abro a janela e aquele homem que falou com a gente sorri pra mim.

— Eu sinto muito, mas vocês vão ter que ir a pé a partir daqui.

O Pran fica ansioso e eu olho pelo retrovisor, ele respira fundo e concorda.

— Tudo bem, mas vocês vão na frente, não queremos ninguém atrás de nós.

— Majestade, não é seguro.

— Acredito que você não entendeu, vocês vão na frente, não é um pedido.

— Sim, majestade.

Eu estaciono e ele vai sinalizando para os outros, quando estão em uma distância segura eu saio do carro e abro a porta para o Pran, ele desce e ajuda a Claire, se abaixa e passa a mão atrás da orelha dela.

— Vai ficar tudo bem, princesa.

Ela acena com a cabeça e eles começam a andar, eu pego as sacolas de roupas da Claire e coloco dentro da cabine, depois podemos pedir para alguém buscar, tenho impressão que não ela não vai gostar das roupas que vão fornecer para a princesa.

— Pat?

Eu corro e os alcanço, mas por garantia fico atrás deles.

Chegamos na entrada do santuário e o Pran olha pra mim, ele está ansioso, a dúvida dele é a mesma que a minha, será que não estamos voltando para um covil de lobos?

A Claire é a primeira a entrar no túnel, mas não anda muito, a cada poucos passos ela para pra olhar os desenhos na parede, lembro de quando estive aqui na primeira vez e ouvi a minha própria história, que ainda não conhecia.

— Você sente falta?

Eu me surpreendo com o Pran falando perto de mim.

— Sente falta dela?

— Achei que você já tinha superado isso, Pran.

Ele sorri e olha para a parede.

— Eu consigo entender que ela sou eu... me acostumei com a ideia, mas ver a nossa história assim... Não consigo me conectar com ela quando é exposta desse jeito.

— Eu não consigo ver ou pensar nela, Pran, eu só consigo ver você. Mesmo que eu lembre do seu rosto, do rosto delas, na minha mente é sempre o seu rosto que surge quando eu penso nas outras vidas.

Ele sorri e me abraça, ouvimos a Claire resmungando e continuamos andando.

— Não é estranho não ter ninguém aqui?

O Pran coloca o dedo na frente dos lábio pedindo para eu fazer silêncio, ele percebeu algo que eu não percebi? Eu me concentro e tento escutar, finalmente ouço sussuros, conversas baixas não muito distantes, provavelmente na saída do túnel. Eu tiro a minha camiseta e o Pran para, me olha por um momento e concorda, então eu tiro o resto da roupa e me transformo, vai ser mais fácil proteger ele e a nossa filha na forma de lobo.

Nós voltamos a andar, mas dessa vez a Claire se junta a nós, ela de um lado e eu do outro. Eu consigo ver a postura do Pran mudando a cada passo que dá, mesmo com a aparência propositalmente desleixada qualquer um consegue ver o rei que ele está destinado a ser.

Chegamos no fim do túnel e ele passa a mão atrás da minha orelha, se abaixa e beija a minha cabeça, faz o mesmo com a nossa filha e com alguns passos nós saímos.

Leva alguns segundos para eu me adaptar a luz,  a primeira pessoa que eu vejo é o Paul, vejo uma comoção ao longe e percebo que o All está vindo quase correndo.

— Majestade!

O Paul coloca a mão na frente do peito e se curva, todos os outros fazem o mesmo.

— Pran?

O All se aproxima, para na frente do Pran e o abraça.

— É bom te ver novamente, tio!

— É bom te ver também, Pran!

Ele se afasta e olha pra mim.

— Pat?

Eu aceno, ele olha para a Claire e não esconde a surpresa no olhar, nenhum deles esconde, branco puro é uma cor incomum em um lobo, normalmente a cor do pêlo é a mesma que a do cabelo, quando os lobos atingem certa idade não conseguem mais se transformar, então não existem lobos brancos andando por ai, no máximo cinzentos, mas até esses são raros. O Pran segura a cabeça da nossa filha e faz ela ir para trás dele, o que não passou despercebido por nenhum olhar a nossa volta.

— Eu sinto muito, Pran, eu fiquei sabendo... Apesar de tudo ele era o meu irmão, é uma grande perda pra mim também.

Mesmo na forma de lobo eu consigo sentir a dor do Pran e encosto a minha cabeça nele, ele toca o meu pescoço, mas se mantém firme.

— Acho melhor vocês descansarem um pouco, depois conversamos, a casa de vocês está disponível.

— Obrigado, Tio.

— Precisa de um quarto ou uma casa para ela?

Ele tenta olhar para a Claire, mas ela continua atrás do Pran.

— Não, ela vai ficar na casa...

O Pran é interrompido quando a Claire rosna e sai correndo, quando percebemos ela já pulou encima de alguém e fez a pessoa cair no chão, os guardas correm na sua direção e Pran e eu corremos também, eu paro na frente dela e rosno para os outros se afastarem enquanto ouço o Pran falando com ela.

— Princesa, olha pra mim...

Ela continua rosnando e eu fico preocupado dele não conseguir acalmar ela, quero saber quem ela atacou, mas não posso me distrair.

— Princesa, por favor...

Ela para de rosnar, mas os homens continuam alerta.

— Eu sei, querida, eu entendo.

Eu ando para trás até encontrar eles e eu vejo o conselho Bill levantando, agora eu entendo porque a Claire ficou assim, foi ele que mandou torturar ela quase até a morte na sua vida anterior.

— Pat...

Eu olho para o Pran e ele nega, nem percebi quando me aproximei rosnando.

— O que está acontecendo aqui?

O conselheiro Bill limpa a roupa enquanto olha surpreso para a Claire, ela rosna e ele anda para trás.

— De onde veio essa fera selvagem?

O Pran se irrita e vai até ele.

— Essa fera selvagem é a minha filha, princesa herdeira e sua futura rainha, mostre o devido respeito.

Todos ficam surpresos, mas se curvam em respeito.

— Submeta-se!

Mesmo eu consigo sentir o poder do Pran nessa única palavra, o conselheiro Bill vacila por um instante, mas acaba se curvando.

— De joelhos!

Todos ficam surpresos com essa ordem, inclusive eu, mas esse é o príncipe Pran, o príncipe herdeiro, futuro rei, ele não vai deixar ninguém achar que tem algum poder sobre ele ou sobre a nossa filha.

Quando o conselheiro Bill se ajoelha o Pran vira e vai embora sem dizer mais nada. Tenho a impressão que ficar aqui não vai ser nada divertido.

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