22 - Pran

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Eu me aproximo do Paul que está visivelmente preocupado, ele olha para o Pat e pra mim mais uma vez.
- Você tem que fazer ele parar, Pran, ele está fazendo isso há horas! Ou pelo menos fala pra ele nos deixar ajudar.
- Não, Paul, vocês fizeram isso, nenhum de nós precisa da ajuda de vocês, nós vamos enterrar o nosso filho sozinhos e vamos embora.
- Eu não estou entendendo nada disso, como o velho era filho de vocês?
- Nós tivemos várias vidas, Paul, na nossa última vida ele nos encontrou quando ainda era uma criança e nós criamos ele.
- Isso é loucura, Pran!
- Vocês acreditam em desenhos e poemas em uma parede, mas não acreditam nas nossas memórias...
Eu tento sorrir, mas a dor é demais para eu conseguir.
Eu coloco a placa que fiz no chão e me aproximo do Pat, coloco a mão no seu ombro e ele me olha ainda chorando, não sei como ele está se aguentando em pé com a minha dor e a dele, mas ele não disse nenhuma palavra desde que o Myung morreu.
- Já está fundo o bastante, meu amor.
Ele olha para baixo e a cova que cavou sozinho já passou da altura da sua cintura, ele acena uma vez, joga a pá para fora e eu ajudo ele a sair. Eu o beijo, limpo as lágrimas que fizeram várias marcas no seu rosto ao se misturar com a terra que estava cavando, então me afasto e vou para a cabana.
Pego o Myung que eu enrolei em um dos cobertores de seda que me deram quando eu cheguei, pensei em colocar o seu diário com ele, mas decidi que vou levar para a sua casa, assim quando ele nascer novamente vai estar lá esperando com ele. Eu carrego ele para fora e alguns guardas que estão perto da cabana se curvam, eu caminho até o jardim atrás da cabana onde fizemos a cova dele, quando me vê o Pat volta para o buraco, eu dou o Myung para ele, que o coloca com cuidado no chão, quando eu choro ele chora desesperado, então eu junto todo o meu sofrimento e guardo para mim, não aguento mais ver ele sofrendo.
Eu fecho os olhos e me concentro no meu amor, ele deita a cabeça no peito do nosso filho e vai se acalmando aos poucos, mas muito amor pode fazer mal, então assim que os soluços param eu guardo o meu amor também e tento ficar o mais neutro possível. Eu o ajudo a sair do túmulo e ele fica ao meu lado.
- Saiam todos, nós vamos nos despedir do nosso filho sozinhos.
Todos saem em silêncio, eu seguro a mão do Pat e olho para baixo.
- Eu queria me lembrar de você quando era criança Myung, mas eu te prometo, nós vamos acabar com essa sina e viver até você nascer e nos encontrar novamente e quando isso acontecer nós dois saberemos quem você é. Você é o nosso filho!
Eu aperto a mão do Pat com força, mas ele não fala nada, apenas pega um punhado de terra na mão e joga encima do corpo, eu me abaixo ao seu lado e faço o mesmo, então ele se levanta e pega a pá e começa a cobrir o túmulo. Quando ele termina eu vou até a placa que fiz com a tinta que trouxeram para eu poder pintar os meus quadros há algum tempo atrás, coloco a placa na terra e pressiono até afundar o bastante para não sair do lugar, me afasto e dessa vez o Pat que vem até mim e segura a minha mão enquanto lemos a placa.

MYUNG

Amado filho

Nos encontraremos em
uma próxima vida.

O Pat deita a cabeça no meu ombro e chora mais uma vez e ouvindo o seu choro eu não aguento e me entrego a tristeza também.
Sinto o Pat caindo e seguro ele antes de chegar no chão, esse é o limite dele. Eu o carrego para a cabana e deito no sofá, pego uma bacia e toalhas e limpo o seu corpo com calma enquanto deixo todo o meu sofrimento sair e prometo para mim mesmo que não vou me permitir sofrer mais, não quero que ele sofra por minha causa.
Quando termino de limpar ele eu vou para o banheiro e tomo banho ainda chorando, é tão estranho sofrer tanto por alguém que eu mal conheci, mas de algum jeito o meu coração esta partido.
Assim que desligo o chuveiro desligo também todo o sofrimento, me concentro no meu amor, quero que quando ele acordar seja apenas isso que ele vai sentir.
Eu vou para o quarto e arrumo as nossas coisas, não pego nada além do necessário caso tenhamos que fugir no caminho, o tempo que estivemos lá fora nos mostrou o quanto esse mundo é perigoso.
Guardo na bolsa as jóias que eu ganhei, elas vão nos ajudar até acharmos alguma fonte de renda, pego o diário do Myung na sua bolsa, fora ele não existe mais nada de valor, mesmo assim eu aguardo a sua mala com o resto dos pertences, espero que mantenham esse lugar intacto como eu pedi para o tio All.
Depois de tudo pronto eu desço e vou até o Pat, sento ao seu lado e toco o seu rosto. Ele abre os olhos lentamente e sorri, dá pra ver quando ele lembra do que aconteceu porque a sua alegria se esvai rapidamente.
- Está amanhecendo, é melhor partirmos.
- Você dormiu?
- Não, mas eu não quero dar chance do conselho decidir que tem algum direito sobre nós, é melhor partir enquanto eles ainda estão em choque com o que aconteceu.
Ele suspira e acena, então me abraça, eu mando meu amor para ele, que se afasta e toca no meu rosto.
- Eu também te amo!
Eu fecho os olhos e respiro fundo, tento me controlar, mas ele me beija.
- Não, continua assim, está ficando mais fácil, eu quero sentir o seu amor.
- Tem certeza?
- Tenho, eu te aviso se for demais.
Eu fico preocupado, mas se isso vai fazer ele se sentir melhor é o que eu vou fazer.
Ele sorri e me beija mais uma vez, então se levanta, pega a roupa que deixei no seu pé para vestir, quando está pronto pegamos as nossas coisas e saímos.
Os guardas nos acompanham até a entrada do túnel, então eu me viro para eles.
- Eu sou grato pela proteção e lealdade de todos, mas vocês devem ficar, a partir daqui ninguém está autorizado a me seguir!
Percebo que muitos estão contrariados, mas desde que eu cheguei eles sempre foram leais, então quando partimos ninguém nos segue.
- Não vamos nos despedir de ninguém?
- Não, é melhor assim. Em todas as nossas vidas sempre fomos apenas nós dois, somos apenas nós dois!

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