Capítulo 54

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Fomos a uma reunião na escola, era a noite, com outros pais que tinham filhos dentro do espectro autista, era uma espécie de grupo de apoio. Eu não me senti bem ali e nem a Natalie, e de modo algum foi capacitismo da nossa parte, mas sim da parte de todos aqueles pais alienados ali, e acreditamos que as terapias vão ajudar o nosso filho a se desenvolver melhor com o passar do tempo e não queríamos fazer disso um drama pesado, algo que fosse impossível para ele e para nós e o que me incomodou naquele grupo, foi, um monte de pais ricos e muito ricos porque a escola é uma fortuna, reclamando de atividades que eles nem se dispõem a participar com os filhos e sim as babás. Reclamando de que não conseguem interagir com os filhos, que eles parecem não gostar deles. Eu acabei perdendo a paciência...

Eu: Espera... Isso aqui está muito errado... Que show de capacitismo é esse?

Nat: Pri... – falou baixo.

Eu: Não Natalie... Eu preciso falar senão eu vou explodir e essa é a primeira e ultima vez que venho nesse grupo. – todo me encararam assustados. – Até agora eu só ouvi "meu filho não consegue, meu filho não é uma criança normal, meu filho não faz o que outras crianças fazem e isso me frustra, meu filho não interage comigo e só com a babá" e essa foi a reclamação de cada um de vocês aqui... – todos ficaram quietos – Vocês por acaso se deram e se dão ao trabalho, tem o mínimo de amor e de escuta pelos filhos de vocês? Porque aqui todo mundo só falou de trabalho, de viagem e de como seus filhos não são capazes de algo, mas todos aqui tem babás e nunca participaram de uma terapia do filho. Vocês sabem porque os filhos de vocês não conseguem? Em algum momento vocês deixaram os ternos e os saltos de vocês para sentarem no chão e brincarem com os filhos de vocês? Vocês em algum momento foram pais e os levaram numa terapia, ouviram os profissionais, viram os progressos deles? Vocês alguma vez já incentivaram seus filhos a pedirem alguma coisa fazendo-os falar, já os incentivaram a dobrar uma roupa, fazer a cama mesmo que vocês tenham que fazer depois, a tirar a mesa, a tirar a louça da lava louças ou a babá e a empregada que sempre fizeram? Elogiaram algum desenho que mesmo vocês não entendendo o que significa, vocês acharam lindo e os parabenizaram? Nós acabamos de descobrir que nosso filhos é Asperger e a gente nem notou sabe porque? Porque até pouco tempo a gente achava que ele era só um menino apaixonado pelo espaço e por foguetes e que tentava se matar de alguma forma, como ele fez dentro da máquina de lavar e quase morreu e nos matou de susto. Por que vocês não podem tratar os filhos de vocês, como uma criança qualquer independente dos laudos deles? As coisas ficam mais fáceis assim. E vocês todos aqui tem a benção de terem dinheiro e pagarem por fono, por todas as terapias do mundo para melhorarem os aprendizados deles. Imagina se não pudessem? Participem da vida dos filhos de vocês. As babás cuidam para vocês trabalharem, mas algumas vezes na semana, a gente tem que deixar nossas salas em nossos prédios e sermos pais, porque além das terapias que aqui são faladas que nossos filhos precisam, eles precisam da gente. E os filhos de vocês, são capazes de muitas coisas, vocês só não tem tempo, paciência, vontade e interesse de enxergarem isso. Então isso aqui não é um grupo de apoio a pais de crianças atípicas super ricas, isso aqui é um grupo de pais capacitistas que não tem filhos considerados perfeitos pela sociedade e que ao invés de participarem da vida dos filhos, ficam sentados 2 horas por semana, reclamando da frustração que acham que é ter um filho autista... Boa noite para vocês... Vamos querida... – saímos e fomos para o carro.

Nat: Está melhor depois de vomitar tudo aquilo em cima de 30 pais?

Eu: Sim, estou. Esse pessoal enche a boca pra falar "meu filho", mas quando se trata de participação, nunca estão disponíveis, isso pra mim é um grupo de hipócritas. – liguei o carro e fomos pra casa. Cheguei em casa muito irritada. Fui tomar banho e a Nat veio junto e entrou no chuveiro comigo.

Nat: Você foi maravilhosa em tudo que disse... – me deu um selinho. – Mas você está bem com tudo isso?

Eu: Sim eu estou. Eu só estou com raiva. Não pelo meu filho ser Asperger, mas por ter ficado uma hora ouvindo aquelas pessoas que nunca levaram os filhos pra escola falando como se tivessem um monte de vegetais em casa, sendo que eles mesmos não interagem com os filhos.

Nat: Colocando a culpa da incapacidade deles de serem pais e lidarem com a situação, num laudo não é?

Eu: Exatamente.

Nat: Eu também senti isso. – eu comecei a chorar do nada. – Hei... O que foi?

Eu: Nada amor... Está tudo bem. Vamos sair?

Nat: Vamos... – saímos do banho, nos trocamos. Colocamos as crianças na cama, comemos algo e fomos deitar. – Hei... - eu já estava chorando de novo.

Eu: Oi?

Nat: Quer falar o que está sentindo?

Eu: Por que eu nunca reparei? Por que eu nunca vi? Será que é culpa minha?

Nat: Claro que não é culpa sua amor. Nosso filho é muito feliz. E a gente nunca reparou porque ele vivia virado no 12 né – rimos – Ele estava sempre parecendo um homem bomba, sempre se metendo em confusão e depois da ultima dele, ele acalmou misteriosamente, a escola nunca falou nada, a gente nunca percebeu nada de diferente até do gosto dele por planetas e foguetes.

Eu: Será que ele é feliz? Que a gente faz ele feliz?

Nat: Eu tenho certeza que sim. A gente participa da vida dele, a gente conversa com ele. Ele participa das tarefas como todos os nossos filhos. A gente nunca foi capacitista com ele. Pra mim nada mudou e eu sei que pra você também não. Mas aquele show de horrores que vimos na reunião fez você ficar em dúvida dessas coisas. Mas diferente daqueles pais, a gente tem uma relação saudável com nosso filho, a gente olha caderno, ajuda na lição, a gente brinca com ele, a gente escuta ele, a gente participa das coisas que ele gosta, incentiva as coisas que ele gosta e vamos continuar participando e incentivando tudo. E você arrasou nas palavras, acho que pelo menos meia dúzia de pais ali, vão pensar em ser pais de verdade.

Eu: A mesma coisa no colégio dos mais velhos, nas reuniões de pais. Um bando de pai e mãe que não sabem nem que série os filhos estão, quem são os amigos, ficam mexendo no celular o tempo todo, e só falam de futilidade ou falam como se os filhos fossem produtos... "Eu invisto pra ele não ser um fracassado... O mínimo que eu espero é que ela siga minha profissão porque eu pago caro nessa escola".

Nat: A gente é bem diferente disso né... Acho que, apesar de termos nascido em famílias com ótimas condições financeiras, nossos pais nos ensinaram a ter os pés no chão... Em ressalva a minha mãe né, porque ela tem a síndrome da rainha Elizabeth II.

Eu: Sua mãe é bem escrotinha mesmo com relação a status e brasão de família né.

Nat: É... Eu rompi laços com ela, e ela sempre manda mensagem querendo saber das crianças, manda mensagem pra eles também. Ela tenta ser uma boa avó pra eles e eu fico feliz por isso, mas o jeito dela, a forma como ela pensa sobre muitas coisas, não me deixa mais ter essa proximidade sabe.

Eu: Ela fez isso com você, com o Kevin que era super próximo dela, com a Emilly. Eu acho que os dois fizeram medicina foi de raiva dela, porque ela vivia dizendo que eles seriam os empresários de sucesso da família.

Nat: Também acho. Eles amam a medicina, mas foi uma forma também de manter uma distancia segura dela. – ficamos conversando um bom tempo até dormirmos. Na semana seguinte soubemos através da diretora da escola que alguns pais procuraram ajuda da escola, para lidar melhor com os filhos atípicos. Que minhas palavras embora tenham sido bem duras, atingiram em cheio alguns deles. Pelo menos teve um ponto positivo. 

A GRANDE FAMÍLIA SMITH-PUGLIESEOnde histórias criam vida. Descubra agora