Entre As Memórias E Os Pincéis

Verdadeira Condessa

Após o chá de boas vindas, subi para meus novos aposentos, enquanto Thomas decidiu ir ao escritório resolver alguns assuntos. Maeve já estava organizando as minhas coisas e desfazendo as malas.
  -- oh, milady, como foi rever Lady Clarisse?-- ela perguntou, ao ver que estávamos a sós pela primeira vez em semanas.
  -- estranhamente, tinha sentido muito a falta dela.
  -- uma mulher de muitas faces.
  -- exatamente.
  Ela continuou seus afazeres enquanto eu caminhei pelo quarto, sem rumo. Não queria ficar naqueles aposentos. Tinha me acostumado a dividir o leito com Thomas, não suportaria dormir sozinha naquela cama imensa.
  -- Maeve...
  -- sim, milady.
  -- não irei ficar nesses aposentos.
  Ela se assustou.
  -- oh, eu sinto muito se não está do seu agrado. Podemos mudar o que quiser.
  -- não, Maeve. O problema não está nos aposentos. E sim, no fato de que eu dividirei os aposentos do Conde.
  Maeve ergueu as sombrancelhas, surpresa.
  -- tem certeza, milady?
  -- sim. Não pretendo ficar aqui sozinha.
  -- bem, você pode simplesmente ir aos aposentos dele a noite, milady. E continuar com esse espaço aqui para seu uso pessoal -- ela sugeriu.
  -- perfeito, Maeve. Me vestirei aqui. Me arrumarei aqui. Mas provavelmente não dormirei aqui.
  Ela concordou com a cabeça e voltou ao que fazia, segurando um sorriso. Eu sabia o que ela estava pensando, mas não me convinha tratar desses assuntos com uma criada.
  Não por mim, mas por Thomas. Ele era a autoridade ali e não merecia ter suas intimidades comentadas com uma criada.
  Eu precisava de um descanso. Tinha sentido falta de dormir em casa, em lençóis macios e confortáveis. O cheiro que tinha em Cumberland's Hall, eu não encontrei em lugar algum. Realmente, não há lugar como nosso lar.
  Tirei o vestido luxuoso para um penhoar leve e fresco, me deitei para um merecido cochilo. E dormi tão bem que, cada fibra do meu ser descansou verdadeiramente. Não houve sonhos, apenas o descanso genuíno. Era muito bom estar de volta em casa, depois de mais de um mês.
  Quando Maeve me despertou, eu espreguicei esticando meus músculos.
  -- me traga um copo de água, por favor, Maeve -- pedi, me sentando na beira da cama.
  Ela rapidamente me trouxe.
  -- milady, devo informar que temos visitantes em Cumberland's Hall -- ela comunicou, me trazendo um vestido elegante.
  -- oh, céus... Eu acabei de chegar...-- resmunguei, me levantando para me trocar.
  -- sinto muito, milady, mas agora esse é seu dever. É a senhora de Cumberland's Hall.
  Enquanto ela fechava os botões do meu vestido, eu suspirei. O cochilo tinha me revigorado e eu iria receber esses visitantes. Era importante manter a influência.
  Maeve, em silêncio, ajeitou os cabelos que estavam desalinhados e eu a observava pelo reflexo do espelho.
  -- está tudo bem, Maeve?-- perguntei, estranhando seu comportamento.
  -- sim, tudo bem, milady.-- ela respondeu prontamente.
  -- está tão calada.
  -- não tenho muito a dizer, milady.
  -- sabe que nada mudou entre nós. Podemos conversar normalmente aqui.
  -- tudo mudou, você é a Condessa e senhora de Cumberland's Hall. Eu sou sua camareira.
  Eu me virei agora encara-la.
  -- ora, Maeve... Sempre te tratei com respeito e gentileza, não há motivo para que venha a se comportar de maneira estranha comigo.
  -- eu sei, sinto muito por isso. Mas não posso conviver contigo como se nada tivesse mudado.
  -- sinto que tem algo te incomodando.
  Ela se calou.
  -- me diga o que está acontecendo.
  -- milady, tem um boato acontecendo lá embaixo.
  -- boato?
  -- sim. Ao que parece, Lady Clarisse encontrou quem vazou a fofoca a seu respeito ao jornalzinho...
  A mera lembrança daquele fato horroroso me fez arrepiar. Eu me esforçava para esquecer aquilo.
  -- e então?
  -- a criadagem está alvoroçada sobre isso. Ninguém confia em ninguém. Todos estão preocupados e curiosos sobre quem foi o traidor.
  -- oh, em breve saberemos, se Lady Clarisse descobriu.
  -- acontece que eles estão achando que fui eu.
  Em seu olhar, vi a preocupação genuína. Maeve estava angustiada demais e eu não tinha percebido direito. Sua esquiva só apontava para tal agonia.
  -- estão apontando você?
  -- sim. Mas eu juro que não-...
  -- Maeve, por favor -- interrompi, me levantando.
  -- eu juro. Nunca disse uma palavra.
  -- eu não vou constranger você sobre esse assunto, Maeve. Não quando eu tenho total confiança em você. Não quando esteve do meu lado esse tempo todo. Então, por favor, deixe isso de lado.
  Ela concordou com a cabeça, olhando para baixo. Eu sabia que ela iria chorar.
  -- Maeve, você esteve comigo nos meus piores momentos. Não admito nem que pense que eu estou suspeitando de você.
  -- eu fico grata.
  -- fique tranquila. Se Lady Clarisse descobriu quem vazou essa história, logo ela vai trazer a tona. Certamente estava esperando nosso retorno, para que pudesse dizer a nós pessoalmente.
  -- sim, milady.
  -- bem, eu preciso descer para acompanhar os visitantes. Espero que tenham lacaios a postos pela mansão.
  -- sim, milady. Chegou um carregamento de esculturas em nome de Vossa Graça, o Conde. Pelo que ouvi de Ted, logo seriam dispostas pela Galeria.
  Eu fiquei surpresa e feliz.
  -- oh, excelente. O Projeto da Galeria está em constante expansão -- comentei, indo em direção a porta.
  -- apenas sinto falta de quadros do Conde. Quando ele chegou aqui, frequentemente pintava. Me lembro que você ficava horas na Galeria, como assistente pessoal dele.
  -- oh, sim... Também o questionei sobre isso, Maeve. O Conde tem muitas responsabilidades e está planejando retornar a pintar. Porém, com cautela.
  -- ficaria feliz em ver que tem um novo quadro dele na Galeria...
  Eu concordei e segui pelo corredor.
  Desci as escadas e vi o pequeno grupo de visitantes que estavam sendo acompanhados por Lady Clarisse.
  -- oh, Vossa graça!-- ela exclamou, vindo ao meu encontro -- estão todos ansiosos por conhecer a nova Condessa!
  Eu senti o rubor subir ao meu rosto.