Boas vindas de volta

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  O sono em nossa própria cama é a coisa mais revigorante que pode existir. Quando finalmente abri meus olhos, após a noite longa e tranquila, senti minhas forças restabelecidas.
  Sentei na cama, após espreguiçar e logo me assustei com o sol alto. Há dias não víamos a luz do sol tão clara e forte.
  Fui até a janela admirar o belo dia.
  Embora estivesse o céu azul claro e iluminado, sem nuvens, o frio ainda persistia. A fina camada de neve da paisagem ainda estava ali.
  Chamei Maeve que trouxe água morna para minha higiene. Ela parecia animada, apesar do friozinho.
  -- graças ao bom Deus que saiu um sol agradável hoje!-- ela comentava, enquanto penteava meus cabelos. -- poderá sair para caminhar hoje, milady...
  -- me chame de Amélia, por favor.-- interrompi, incomodada com aquilo.
  -- eu não faria isso. Lady Clarisse acabaria comigo. Se quiser caminhar pelos jardins para tomar um sol, tenho um momento antes do almoço.
  -- acredito que o Conde irá me chamar hoje.
  Maeve diminuiu as escovadas até que nos encaramos no espelho, em silêncio.
  -- mi Lady...-- ela murmurou, ainda me olhando fixamente pelo espelho -- vocês dois jantaram juntos ontem.
  -- sim. Lady Clarisse não compareceu. Aliás, preciso ir vê-la hoje.-- desconversei, voltando minha atenção para um detalhe no meu vestido.
  -- Vossa Graça, o Conde, comeu o desjejum sozinho hoje. Ela também não compareceu.
  -- e que horas são agora?-- eu me assustei, pois estava completamente distraída sobre isso.
  -- são nove e meia, mi Lady.
  Senti meu coração disparando. Tinha dormido demais. Provavelmente Thomas queria me encontrar para o desjejum e eu o deixei esperando.
  -- não se preocupe. Ele nem perguntou de ninguém. E logo depois se trancou em seu escritório. Deve ter muito o que fazer.-- Maeve continuou a tagarelar, sem me olhar.
  Eu não disse nada e fiquei esperando ela terminar o penteado. Era bom ter alguém para cuidar de mim. Maeve tinha muito conhecimento dos penteados da moda. Ao contrário de mim, que vivia reclusa.
  Mesmo que atuasse em grandes casas, meu trabalho era mais nos bastidores. Eu dificilmente encontrava com outras criadas para trocar informações sobre penteados de nossas senhoras.
  Durante o tempo todo que fui governanta, o único penteado que eu sabia fazer era o coque das criadas. Ali em Cumberland's Hall, eu estava sendo obrigada a mudar como me arrumar e me vestir.
  E digamos que eu não tinha experiência alguma naquilo. Eu era grata a Maeve por me ajudar.

  Quando ela terminou, eu fiquei feliz. Estava bonita, alegre. Mas minha pele estava pálida pela ausência de sol das últimas semanas.
  -- oh, você tem razão. Preciso tomar sol.-- comentei, olhando de perto a pele clara, tão clara que dava para ver as veias azuladas.
  Maeve pegou uma pequena lata redonda, com desenhos florais na tampa. Abriu e era um pó rosado. Ela aplicou em minhas bochechas com cuidado.
  -- um dos mimos de Lady Clarisse. Você ficou mais corada...
  Realmente, eu tinha ficado.
  -- obrigada, Maeve.
  Ela sorriu educadamente.
  -- precisa de companhia para caminhar no jardim?
  -- não, obrigada. Vou descer para comer alguma coisa antes. Vai ser um breve passeio.
  Maeve assentiu e saiu, me deixando sozinha.
  Quando desci até a mesa do desjejum, que era montava próxima a grande janela que tinha vista do nascer do sol, Lady Clarisse estava lá.
  -- oh, Amélia! Que bom te ver aqui!-- ela exclamou, deixando sua xícara de lado.
  -- bom dia, Lady Clarisse. Estava mesmo esperando te encontrar.
  Ela indicou meu lugar na mesa e logo Polly apareceu para me servir. Me cumprimentou com um sorriso e logo nos deixou. Andy permanecia próxima a parede, atenta a tudo que acontecia
  -- está um dia agradável, Amélia. O sol surgiu, finalmente.-- ela comentou, voltando sua atenção para mim.
  -- sim, eu dormi demais e acordei com essa luz maravilhosa. Estou tão pálida, pois estou há semanas sem ver o sol.
  -- eu também -- ela riu, bem humorada.
  -- se me permite, Lady Clarisse, por que não compareceu ao jantar ontem? Ficamos te esperando.-- questionei levemente, atenta a sua mudança de reação, que não ocorreu.
  -- oh, Amélia. Peço que me perdoe. Eu me deitei para um cochilo a tarde e acabei acordando já era madrugada -- ela respondeu distraída, ainda sorridente -- Andy me assegurou que tentou me acordar, mas eu estava em sono profundo. Certo é que fiquei algumas horas acordada na madrugada e voltei a dormir pouco antes do amanhecer. Meu sono tem estado desregulado ultimamente. Vou me desculpar pessoalmente com o Conde.
  -- entendi, Lady Clarisse. Ficamos preocupados com sua ausência. Em todo tempo que estou aqui, nunca a vi deixar alguém esperando para o jantar.
  -- sim, foi muito inesperado para mim também. Mas espero que hoje eu consiga comparecer.
  Eu voltei a beber meu chá e comer os brioches. Lady Clarisse terminou sua xícara e a pousou, suspirando.
  -- gostaria de caminhar? Um pouco de sol faria bem a nós duas.
  -- sim, eu adoraria.
  Ela ficou me esperando. As vezes me olhava, as vezes olhava pela paisagem na janela. Eu sabia que ela queria conversar comigo, estava com aquele olhar desconfiado.
  Sorte a minha que eu também queria conversar com ela. Eu tinha que saber porque estava sendo tratada como se fosse da família, quais eram os motivos dela para me privilegiar daquela maneira.
  Poucos meses atrás, ela tinha ido me contratar para ser sua governanta. Sem que eu soubesse os motivos, estava me elevando dentro de Cumberland's Hall.
  Se fosse Thomas, eu sabia seus motivos. Mas Lady Clarisse era incompreensível aos meus olhos.

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