Retorno a Cumberland's Hall

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  Logo pela manhã, deixamos a estalagem rumo a nossa casa. Thomas não me disse nada além de bom dia. Ele estava aprendendo a disfarçar.
  Maeve, sentada ao meu lado, começou com breves cochilos e terminou dormindo. Ela reclinou a cabeça e descansou.
  Eu não a julguei, a viagem de carruagem era cansativa e, devo dizer, que estávamos desacostumadas com viagens.
  Thomas olhou para ela dormindo.
  -- ela está cansada mesmo?
  -- sim. Deixe que durma.
  Ele ergueu as sobrancelhas, sorrindo.
  -- minha tia ficará intrigada com nosso breve retorno.
  -- ela deve estar ansiosa, sozinha em Cumberland's Hall.
  -- sim. Tenho pena dos criados que são a companhia dela -- ele brincou, se inclinando para frente, se aproximando.
  -- ela vai ficar feliz ao saber que estamos de volta. Estava ansiosa pelo baile dos Dawson. Certamente poderemos comparecer agora.
  -- oh, sim. Bem lembrado. Isso não será um problema para você?-- ele perguntou, cauteloso.
  Não respondi de imediato.
  Eu queria comparecer aquele baile. Queria conhecer melhor as famílias que faziam parte da sociedade dali. Cumberland's Hall sempre foi o centro de Suffolk, era o símbolo de tudo que era bom.
  Clarisse Cumberland parecia ser bem querida pelo povo, ela estava bem inserida naquele lugar.
  Eu queria isso também.
  Eu tinha fé de que iria superar meus traumas e que finalmente poderia me casar com Thomas, me tornando a Condessa Cumberland. Eu precisava fazer parte daqueles eventos.
  Mesmo que isso fosse desafiador para mim.
  -- eu quero comparecer a esse baile. Clarisse me contou que eles realizam todo inverno e é muito bem frequentado, apesar das baixas temperaturas.-- expliquei, falando tranquilamente e em um tom baixo.
  -- então iremos. Se você tiver alguma crise, pode me chamar na hora, que retornaremos para casa.
  -- eu agradeço a preocupação...-- respondi em um murmúrio, entrelaçando nossos dedos.

  Aquele era um hábito carinhoso. Exalava ternura entre nós. Um pequeno gesto. Porém, era suficiente para que me fugisse o ar. O toque de sua pele me trazia as lembranças de nossos beijos calorosos.
  Meu corpo revivia a paixão. Causando uma ânsia por repetir tudo aquilo.
  Ficamos em silêncio enquanto nossas mãos estavam unidas. Thomas acariciava com gentileza a minha pele, piscando apaixonado.
  Meu peito se aquecia ao ver a evidente retribuição de meu amor.
  Não sei quanto tempo durou. Thomas interrompeu o momento levando minha mão aos seus lábios.
  -- eu sinto falta de você a todo instante.
  -- mas eu estou sempre a sua disposição.
  -- sinto falta de nossa proximidade. Éramos muito próximos enquanto eu pintava.
  -- podemos voltar a pintar, se é isso que te incomoda...
  -- o que me incomoda é que não podemos ficar a sós, para conversar sobre quaisquer assuntos...
  Eu não respondi.
  -- não pense mal de mim, por favor. Mas quando iniciamos os trabalhos na Galeria, tínhamos a liberdade para conversar a vontade. Você nem imagina como sinto falta disso.
  -- realmente, Thomas, nós passávamos muito tempo juntos.
  -- e eu sinto muito que isso resultou em fofocas e boatos maldosos. Eu estava sim, apaixonado por você desde aqueles dias... Mas lhe asseguro que não pediria que fosse minha amante.
  Eu dei um risinho.
  -- todos na mansão juravam que você não estava pintando nada. Só estava desfrutando de minha companhia. Foram dias difíceis.
  -- eu estou recapitulando sozinho e cheguei a conclusão de que entre nós há realmente um clima bem óbvio.
  -- sua tia assegurou que sim. Segundo ela, todos podem ver que há algo entre nós.
  -- então, para evitar mais comentários, precisamos mudar isso. Eu voltarei a ser o Conde arrogante e frio.

  Nos encaramos por alguns segundos e rimos ao mesmo tempo. Depois seguramos o máximo para evitar acordar Maeve.
  -- você não se tornaria frio, nem se tentasse muito. Olhe bem para você, Thomas, se lembrando de quem realmente é. Você é simplesmente irresistível.
  Ele riu timidamente.
  -- posso confessar uma coisa?
  -- mas é claro.
  -- não me sinto a vontade com o assédio das senhoritas. Em todos os lugares que eu vou, uma dezena de mães e filhas ficam me acompanhando, com uma bajulação sem tamanho. Isso me incomoda demais.
  -- Thomas, meu querido... Você é o Conde de Suffolk. É jovem, rico, poderoso. E também muito atraente. É inevitável que haja uma fila de pretendentes.
  Novamente, ele riu com timidez. Era estranho pensar que por trás de sua postura impecável e elegante, Thomas era tímido e se incomodava com isso.
  -- você me acha atraente?
  -- e alguém não acha?-- rebati, erguendo uma sombrancelha.
  -- eu estou falando sério, Amélia. Eu sou considerado atraente? Mesmo com essas cicatrizes no rosto, essa barba que está aqui, teoricamente para esconde-las e com essa perna fracassada? -- Thomas questionou, verdadeiramente curioso, em seu olhar havia dúvida -- Quero dizer, essa combinação não me parece muito atrativa.
  -- eu não acredito no que eu estou ouvindo.
  Ele correu os dedos entre os fios de cabelo. Aquilo era sensual de uma maneira que eu não podia explicar. Engoli em seco acompanhando cada movimento seu.
  -- me desculpe, mas não estou habituado a certos elogios... Estive no exército, entre homens nada gentis, por um período de tempo relativamente longo-- ele se explicou, sorrindo de lado.
  -- oh, céus, Thomas...-- sorri, desviando o olhar para a janela.
  -- Amélia, querida... Eu juro que não estou sendo modesto. Estive longos anos no exército e lá eu não tinha contato com mulheres. Quando cheguei em Suffolk, para assumir meu título, não tive tempo para frequentar lugares movimentados. Vim direto para casa. E você testemunhou minha personalidade nada agradável.
  -- não precisa se explicar mais -- respondi, entendendo seu ponto de vista.
  -- e desde aquele momento, minha querida, eu só tive olhos para você...
  Nossos olhos se cruzaram.
  Ah, como eu queria beija-lo ali mesmo. Queria demonstrar a ele tudo que eu estava sentindo. Engoli em seco, sem tirar os olhos dele. Thomas me encarava com devoção, completamente apaixonado.
  -- você precisa praticar mais -- interrompi o silêncio, piscando -- qualquer um que te ver assim, vai saber que está apaixonado por mim.
  Thomas sorriu, voltando seu olhar para a paisagem lá fora.
  -- eu te disse. Preciso voltar a ser frio e arrogante.
  Rimos baixinho e voltamos a ficar em silêncio, olhando pela janela.
  Meu corpo ardia de desejo e tudo que eu queria era que ele me tocasse. Thomas me encantava de uma forma que era inexplicável para mim.
  Mas Maeve estava ali. Pelo bem ou pelo mal, Maeve estava cochilando ao meu lado. Minha fiel criada, que nunca me abandonava.

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