Cavalgada

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Caminhei até meu quarto.
   Calcei minhas botas, coloquei um chapéu e luvas. Vesti um vestido mais adequado para equitação.
  Quando desci ao hall de entrada, Maeve e Boyle estavam acendendo os castiçais e pararam o que estavam fazendo para me olhar.
  -- boa tarde, Amélia -- ela cumprimentou, sorrindo -- onde vai?
  -- boa tarde, Maeve. Vossa graça, o Conde, vai cavalgar e exigiu minha presença.-- expliquei, tentando ser breve.
  -- vão sair juntos de novo?-- questionou Boyle, curioso.
  -- sim, Boyle. E isso não te interessa -- interrompeu Thomas, surgindo do nada.
  Senti meu corpo congelar. Boyle e Maeve ficaram calados imediatamente, baixaram as cabeças em submissão.
  -- diga a Lady Clarisse que não precisa nos esperar para o jantar. Talvez vamos demorar.-- ele ordenou, um pouco irritado -- vamos, Amélia.
  Boyle concordou com a cabeça e nem sequer levantou o olhar para mim.

  Thomas segurou meu braço suavemente, me obrigando a ir ao seu lado para fora. Caminhamos escadaria abaixo em silêncio. Tenho certeza de que ouvir esse respirando furiosamente.
  Quando terminamos os degraus, Hugh estava aguardando com dois animais, selados e prontos.
  -- aqui estão, vossa graça -- ele informou, entregando as rédeas a Thomas -- esta mais escura é mais tranquila, Dessa. Agora essa aqui, Alameda-- ele acariciou o pescoço da égua -- é a minha favorita, porém, um pouco teimosa.
  -- obrigado, Hugh. Admiro animais com personalidade.-- Thomas respondeu, dando uma boa olhada nos animais.
  -- então Alameda é a ideal para vossa graça. Deixe Dessa para a dama, que é mais tranquila.
  Thomas concordou.
  Com um pouco de ajuda, me sentei na sela de couro. Elegante, cheia de detalhes. O brasão dos Cumberland estampado na sela. Thomas me entregou a rédea com cuidado e logo montou sobre a sua égua.

  Saímos devagar.
  Cavalgamos alguns minutos em silêncio. Eu não queria muita proximidade. Se Thomas, pelos corredores de Cumberland's Hall já era magnífico, Thomas cavalgando era uma tentação a parte.
  Sentava com elegância, segurando as rédeas com firmeza. Olhar firme no horizonte, dominava o ambiente e tudo que havia nele. Exalava de seu corpo uma sensualidade que mexia no âmago de minhas entranhas.
  Engoli em seco, desviando o olhar, quando ele percebeu que eu o observava.
  Deixei que ele ultrapassasse para poder colocar uma perna de cada lado. Detestava cavalgar como uma dama. Ajeitei os vestidos e consegui me firmar melhor.
  Logo toquei Dessa para aproximar dele novamente. Thomas me olhou de canto de olho e comentou:
  -- já cavalgou por aqui?
  Estávamos um pouco distante da mansão e começava a surgir os animais no campo e alguns camponeses trabalhando. Aqueles criados tomavam conta da propriedade, além das grandes portas da mansão.
  Havia muito mais em Cumberland's Hall do que finas porcelanas e obras de arte.
  -- não, mi lo... Thomas -- respondi, me corrigindo a tempo.
  -- e por que não?
  -- eu era a governanta. Só me era designado a organização da mansão.-- eu expliquei, evitando olhar em seus olhos que estavam fixos em mim -- só saio da mansão para ir até o mercado ou fornecedores.
  -- oh, entendi. Saiba que além da grande mansão, minha cara Amélia, eu sou dono de tudo que eu consigo enxergar a olho nu -- ele falou, olhando ao redor -- não imaginava as proporções de minha herança.
  -- nem eu.
  -- meu primo Joseph iria herdar tudo isso. E depois, meu irmão era o próximo na sucessão. Não passava pela minha cabeça ser o Conde.
  -- ambos perderam suas vidas na guerra?
  -- sim. Antes de mim. Mas eu só fui ter ciência disso quando me recuperei de meus ferimentos.-- ele contou, olhando para ao horizonte com olhar perdido.
  -- foram tão graves assim? Quero dizer, sempre fica abatido quando fala sobre isso.
  -- você não faz ideia, Amélia, de tudo que eu perdi naquela guerra -- ele desabafou, suspirando pesaroso.-- foi muito além dessas cicatrizes no rosto e de estar mancando agora.
  -- poderia me dizer, se quisesse.
  Ele piscou, respirando profundamente
  -- talvez um dia.
  Respeitei sua resposta e seguimos mais alguns minutos em silêncio.

  A paisagem de pastagem era agradável. Havia gado no pasto, muitos animais. Imaginei que valeriam uma fortuna. Conforme passeavamos, eu entendia as proporções de Cumberland's Hall
  -- de onde vem sua Fortuna?-- me atrevi, atraindo sua atenção.
  -- herança -- ele respondeu, abrindo um sorriso.
  -- eu sei -- eu ri, levando na brincadeira -- mas de onde vem?
  -- bom, ser responsável pelo Condado garante muitas mordomias. Meu tio Albert era o terceiro Conde de Suffolk e possuía fortes laços com a Coroa. Além disso, tem os investimentos em agricultura e pecuária. E um pouco no porto, também. Agora eu sou o quarto Conde e preciso aprender a administrar tudo isso.
  -- oh -- eu respondi, surpresa por ele ter me respondido tudo sinceramente -- tenho certeza de que tem capacidade para isso.
  -- obrigado, Amélia. Olhe -- ele apontou para um pasto verdejante, cheio de ovelhas -- esses são os famosos carneiros Suffolk.
  Os animais saltavam pelo pasto. Famosos pela sua cor de lã escura, eles eram magníficos.
  -- oh, céus. Já tinha ouvido falar deles!
  -- sim, são muito conhecidos. Originários de nosso Condado.-- ele comentou, orgulhoso -- meu pai era um fazendeiro que possuía um rebanho gigantesco desses animais.
  -- não imaginava que tinha vindo de uma fazenda.
  -- nasci lá. Mas desde novo trabalhava em Sudbury, em um de seus escritórios. Meu pai era sobrinho do Conde Albert Cumberland, então possuía muitas propriedades. -- ele contou,enquanto seguimos a diante, como se eu fosse sua melhor amiga -- tinha muitos negócios pelo Condado.
  -- oh, sim.
  -- meu irmão Theodore estava sempre ao seu lado, sendo o filho mais velho que seria seu principal sucessor. Meu pai não imaginava que iria perde-lo jamais.-- ele desabafou, suspirando novamente -- quando nós dois fomos convocados e partimos para a França, eu jamais imaginaria que voltaria sozinho.
  -- eu sinto muito.
  -- eu não queria voltar a esse assunto, me desculpa.
  -- então me diga alguma coisa boa.
  Ele olhou ao redor.
  -- minha tia tem insistido para que eu procure uma esposa -- ele falou, despreocupado e sem rodeios.
  Meu corpo gelou e uma pontada de ciúmes surgiu em mim.
  -- e o que vai fazer?
  -- além de ignorar o que ela diz? Nada -- ele respondeu, sorrindo.
  -- por que não se casa?-- provoquei, ansiosa por uma resposta sua.
  -- Amélia, Amélia...-- ele brincou, me encarando -- estou vendo que te dei mais intimidade do que pensei.
  -- oh, peço que me perdoe o atrevimento.-- eu me desculpei, levemente constrangida.
  -- não se preocupe. Você é a única que tem essa liberdade de perguntar o que quiser para mim, sabendo que responderei.
  Me senti gloriosamente bem. Aquilo entrou em seus ouvidos e desceu ao meu coração, me deixando quentinha de afeto.
  -- eu te contaria, Amélia, mas ainda não estou pronto para isso -- ele continuou, enquanto me olhava carinhosamente -- enquanto isso, saiba que, para todos os efeitos, eu não estou a procura de uma esposa. Lembre disso quando minha tia vier lhe questionar.

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