Levante e reaja

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Dias atuais

  Mais uma semana se passou. Chuvosa e fria. Ninguém saiu da propriedade, nem mesmo para comprar mantimentos. A Condessa permaneceu em seu quarto e nós, os criados, sentimos a insegurança dominar.
  Entrei na cozinha e algumas pessoas estavam conversando despreocupadamente.
  – o que está acontecendo?-- perguntei, repreendendo – por que o chá da tarde não está pronto?
  – tem um bolo e uns pães para a Condessa. Ela não vai comer mesmo – respondeu Polly, despreocupada.
  – ora… quais são nossas obrigações por aqui?-- questionei ríspida, e ela se levantou e foi para o fogão. – não é porque a Condessa está reclusa, que esse lugar vai virar uma bagunça.
  – ora, Amélia! Não seja tola! Estamos fazendo de tudo e ninguém se importa.
  – eu me importo. Estou aqui para manter a propriedade nos eixos. estando a Condessa bem, ou não.
  Polly assentiu, arrependida.
  – as coisas precisam funcionar por aqui e eu não vou conseguir, se vocês ficarem se agrupando para ficar ociosos.
  – Devo pedir desculpas, Amélia – respondeu Jasper, outro cozinheiro – mas está difícil ter motivação para continuar. Isto não é Cumberland's Hall.
  – eu entendo. Vou falar com a Condessa. Essa ainda é a Cumberland's Hall, estando ela reclusa ou não.
  Eu respondi e lhes dei as costas, indo para os aposentos dela. Precisava tomar uma atitude, a Condessa não podia entregar sua vida dessa maneira.

  Caminhei rapidamente por entre os corredores, já conhecia aquela mansão como a palma de minha mão. Os aposentos da Condessa eram os maiores, ocupavam quase o andar todo e ainda tinha uma grande sacada. Eu tinha entrado em seus aposentos um única vez para trocar os lençóis, pois ela preferia a companhia de sua criada de confiança. Mas não me importei com isso, quando bati na porta até que ela abrisse.
  A Condessa Clarisse abriu a porta com uma expressão de incômodo. Pela fresta da porta que ela abriu, podia ver que seu quarto estava completamente escuro, as cortinas todas fechadas. Ela me olhou, forçando os olhos contra a claridade do corredor.
  -- o que você quer, Amélia?-- ela perguntou, com a voz meio embargada.
  -- exijo que saia de seus aposentos, Condessa.
  Ela me olhou e sorriu de canto, respondendo de forma irônica:
  -- e você agora é a senhora de Cumberland's Hall?
  -- sou a governanta e responsável por esse lugar. Sua ausência está sendo prejudicial para tudo que existe aqui. Não se esqueça de que tem várias pessoas que vivem para te servir. E sem você, nada mais faz sentido.
   Ela me olhou de cima a baixo, em silêncio.
  -- posso entrar, pelo menos?-- eu insisti.
  Ela abriu mais a porta e me deixou entrar. Seu quarto estava escuro e com cheiro de umidade, certamente não tinha aberto as janelas nenhum dia sequer. 
Olhei ao redor, a lareira apagada, o clima frio e abafado. Tudo estava bagunçado e ela estava completamente destruída. Por mais que eu estivesse com vontade de tirar ela dali, não podia evitar de sentir pena dela. Era um ambiente que exalava depressão.
  Fui até as janelas e abri todas as cortinas, assim que a claridade entrou no lugar, pude ver ela escondendo os olhos da luz, com um gemido. Depois de abrir todas as cortinas, comecei a recolher as roupas sujas e os lençóis que estavam espalhados.
  -- você não precisa fazer isso, Amélia... Andy é a responsável por cuidar se meus aposentos -- ela comentou, se sentando na cama.
  -- me lembre de chamar sua atenção então, esse lugar está um lixo.-- respondi, retirando as xícaras e os pratos sujos da mesa.
  -- não faça isso, Amélia. Andy só estava me obedecendo.
  -- Condessa -- falei, me aproximando dela e apontando ao redor -- com todo respeito, esse lugar não é digno de se viver.
  -- e quem disse que eu quero viver?-- ela exclamou, chorando -- isso não é vida, Amélia. Sem o meu Albert, nada faz sentido.
  Eu respirei fundo. Precisava fazer com que ela saísse daquela situação, ela tinha que reagir, superar aquele luto que parecia não ter fim. Mas como fazer isso, se nem eu mesma pude superar? Precisava ser um pouco hipócrita. Apenas Deus e eu sabíamos o quanto minha existência era dolorosa. Porém, eu fingia seguir em frente.
  -- Condessa, eu sei que sente falta do seu marido. Sei que não há um dia sequer que não pense nele. Sei que gostaria que ele estivesse aqui para que pudesse contar a ele, tanto as coisas importantes quanto as mais simples. Eu sei que o tempo que passaram juntos não foi o suficiente. Acredite, Condessa, eu entendo sua dor. mas, quem partiu foi ele. você ainda está aqui e precisa seguir em frente. Preciso que levante e reaja.
  Ela me ouviu atentamente.
  -- Cumberland's Hall está definhando, com sua ausência. Ninguém aqui tem motivação para trabalhar, se milady está trancada aqui. Por favor, vamos seguir em frente. Tem muita gente esperando que reaja.
  A Condessa se levantou, colocando os fios rebeldes de seus cabelos grisalhos atrás da orelha. Ela respirou fundo e disse, com ar mais autoritário:
  -- você tem razão, Amélia. Mande Andy me preparar um bom banho e depois me traga o chá da tarde. Na verdade, quero ser servida na varanda.
  -- imediatamente, milady.
  Eu saí pelos corredores sem conseguir evitar um sorriso. No caminho, encontrei Maeve, que lustrava os castiçais.
  -- por que o sorriso?-- ela questionou, confusa.
  -- mande preparar o chá da tarde da Condessa. Ela quer ser servida na varanda. Onde está Andy?
  Maeve ficou boquiaberta.
  -- você falou com a Condessa? Ela está reclusa há dias!
  -- falei. Parece que ela está pronta para seguir em frente. Onde está Andy?
  -- na cozinha.
   Caminhei rapidamente até lá, onde encontrei ela e mais algumas criadas conversando. Polly ainda estava despreocupada, fofocando.
  -- Andy, vá agora preparar o banho da Condessa.-- ordenei, chamando sua atenção.
  -- banho da Condessa?-- ela perguntou, confusa.
  -- sim. Um bom banho. Com direito a lavar os cabelos e tudo. Não demore -- continuei ordenando e ela rapidamente se levantou -- e depois quero falar contigo sobre o estado de abandono que estava aqueles aposentos.
  Andy concordou com a cabeça e saiu correndo. Os demais presentes se levantaram.
  -- vão preparar a varanda para a Condessa. Sabem que ela não gosta de poeira. -- mandei, e rapidamente obedeceram -- e você, Polly, quero o chá da tarde da maneira que ela gosta. Use a porcelana chinesa.
  -- sim, senhora -- ela respondeu, um pouco ansiosa.
  Conforme a criadagem se agitou, senti uma pontada de alívio.
  Rapidamente, prepararam a varanda, com sua cadeira preferida e a mesa posta com elegância. A fina porcelana a esperava, quando ela chegou para se sentar. A chuva tinha passado e um vento tranquilo passava por ali. A Condessa estava bem vestida e com os cabelos bem arrumados, exatamente como deveria ser.
  Ela se sentou, olhando ao redor.
  -- obrigada, Amélia.-- ela agradeceu, simpática -- eu precisava de um chacoalhão.
  -- além dessa neblina do luto, tem uma multidão de amigos esperando que melhore. Nós estamos aqui, Condessa.-- eu falei, apontando para os criados em posição ao nosso redor
  Como ela era a autoridade ali, sempre tinha duas criadas acompanhando e mais dois guardas fazendo sua segurança. Não importava o lugar, ela sempre estava rodeada de pessoas e a maioria dessas pessoas, queriam vê-la bem o mais rápido possível. A Condessa era bem mais do que uma senhora para eles.
  Ela tomou seu chá e comeu seus bolinhos, olhando para o horizonte, onde as nuvens carregadas se chuva partiam, e o sol surgia timidamente.
  Depois que terminou, ela me olhou atentamente e disse, de forma decidida:
  -- chame os guardas e os mensageiros. Vamos abrir Cumberland's Hall para visitação novamente.
  Eu obedeci prontamente.
  Conforme a notícia se espalhou na mansão, a criadagem se alegrava. Há várias semanas não recebiam ninguém ali, e tudo tinha perdido o sentido. A Condessa tinha reagido, enfim, e tudo podia voltar ao normal. Pelo menos até a chegada do tal novo Conde.

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