Um surto

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  Na manhã seguinte, Maeve estava no meu quarto novamente. Ela disse que continuaria ali até que o Conde ordenasse o contrário e estava cumprindo. Me ajudou a me vestir, penteou meus cabelos, foi a minha criada.
  Era estranho, devo admitir. Como eu já disse, eu estava acostumada a estar do outro lado. Não era comum ver outra pessoa fazendo a minha cama, quando essa era a minha obrigação.
  Entretanto, precisava aceitar.
  Thomas me considerava sua amada, futura Condessa. Eu precisava exercer esse papel o quanto antes.
  Fui informada do desjejum matinal no Solario. Era algo incomum, visto que tínhamos usado o Solario uma só vez, desde que eu estava ali. Mas não me preocupei muito e fui até lá.

  Francis, a nova governanta, estava terminando os últimos ajustes da mesa, e só então percebi que tinha me adiantado um pouco.
  Ela apenas me cumprimentou com voz quase inaudível, apressou seu trabalho e deixou o lugar. Sentei-me, olhando tudo ao redor.
  Há poucos dias, eu fazia aquele trabalho.
  A luz do sol iluminava o lugar, as flores deixavam o ambiente muito aconchegante. Sobre a mesa eu pude ver diversos bolos e pães diferentes, tudo cuidadosamente preparado.
  Não demorou muito e a Lady Clarisse chegou, acompanhada de Andy. Ela sorriu ao me ver e logo se sentou.
  -- bom dia, Amélia!-- ela cumprimentou, animada.
  -- bom dia, Lady Clarisse. Como está hoje?
  -- estou bem, graças ao bom Deus! Finalmente me recuperei da ressaca daquele baile -- ela comentou, se ajeitando na mesa -- receberemos visitas hoje?
  -- provavelmente sim. Não sei qual a ocasião para estarmos aqui.-- respondi, confusa.
  -- oh, acredito que tudo está preparado, caso apareça visitas logo pela manhã. Thomas atraiu as melhores famílias, que logo começarão a rondar Cumberland's Hall, em busca de matrimônio.
  -- oh, céus... Tudo se resume em casamento por aqui.
  -- ora, Amélia... É necessário um bom casamento para se ascender na sociedade. Thomas é o melhor partido do Condado e não há uma moça solteira que não o queira.
  -- eu sei, mas...
  -- Amélia, eu te perguntei se tinha um caso com ele, justamente para te alertar sobre isso.-- ela murmurou, verificando se alguém se aproximava -- vocês são muito óbvios. A futura Condessa pode não aceitar isso.
  -- óbvios quanto a que?
  -- seu caso, ora.
  -- Lady Clarisse, eu já lhe assegurei que não há nenhum caso entre nós -- eu me irritei.-- não existe nada entre eu e Thomas.
  -- Amélia, todos nós vemos como vocês são juntos. Existe algo sim. Você não quer admitir!
  Eu respirei fundo, prestes a ter um surto ali mesmo. Não aguentava mais tanta marcação comigo.
  Mas então ouvi sua voz.
  -- o que está havendo aqui?-- a voz forte e decidida de Thomas ecoou, atraindo nossa atenção rapidamente.
  -- oh, Thomas. Bom dia!-- Lady Clarisse exclamou, disfarçando -- estávamos tentando descobrir porque o desjejum foi servido aqui.
  -- por nenhum motivo específico -- ele respondeu, de forma insatisfeita.
  -- bom dia, vossa graça -- cumprimentei e ele me olhou de cima a baixo, senti um calafrio pelo meu corpo.
  -- bom dia, Amélia.
  Ele apenas se sentou, em silêncio. Nos servimos e comemos sem dizer nada. O clima que se instaurou foi doloroso. Thomas se tornou indiferente, ignorando completamente a nós duas ali.
  Temi que ele tivesse escutado nossa conversa. E provavelmente o tinha. Engoli com dificuldade, pois a ansiedade segurava minha garganta com força, de forma que mal podia respirar.
  Quando ele terminou, deixou o lugar sem dizer nada.

  Lady Clarisse me encarou e eu a imitei. Andy estava próxima a mesa, aguardando caso Lady Clarisse precisasse de algo, porém seus olhos ouvidos estavam bem atentos ao que acontecia ali.
  -- o que houve com ele?-- ela questionou, impactada.
  -- eu não sei.-- respondi, me sentindo mal.
  -- ontem a noite, estava tudo bem. Agora, logo pela manhã, está assim. Só Deus para saber o que houve com ele.
  -- deve ter ouvido o que disse -- ralhei, sentindo uma raiva crescente.
  -- e o que importa? Todos vêem vocês juntos e percebem que tem algo acontecendo. Não adianta ele ficar furioso por isso.
  -- aposto que milady não imagina as consequências de um boato desses na vida de uma mulher, Lady Clarisse -- argumentei, um pouco mais nervosa ainda.
  -- por isso eu te alerto, sobre ser menos óbvio.
  Eu me levantei, balançando a mesa. Estava cansada de tudo aquilo. As duas se assustaram com meu gesto indelicado.
  -- quer saber, dane-se! Tenho tentado ser educada, mas não resolveu!-- gritei, jogando meu guardanapo longe -- eu não estou me deitando com o Conde! Nunca me deitei! Pare com esse assunto ou vou ser obrigada a ir embora daqui!
  Antes que ela me respondesse, eu lhe dei as costas. Caminhei rapidamente para dentro da mansão, onde alguns criados estavam cuidando da organização.

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