Seguindo em frente

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  Os próximos dias foram doloridos. Quando eu me levantava da cama, olhava as horas no relógio de bolso. As primeiras lágrimas caíram ainda na cama.
  Eu me esforçava e conseguia me levantar para me arrumar. Me vestia bem, prendia meus cabelos.
  Era estranho não acordar de madrugada para trabalhar, e mais estranho ainda ter que estar sempre linda, mesmo que não fosse fazer nada.
  Meus dias se resumiram a fazer companhia as Bennet. Ficávamos juntas na sala do piano, enquanto Caroline ensinava as filhas, na hora do chá, almoçamos juntos.
  Às vezes saímos para passear, mas não ficamos muito tempo fora. A tristeza enfim começou a diminuir. Mary e o marido continuaram ali, ela queria estar ao meu lado.
  Passaram dois meses e eu ainda estava profundamente desgostosa. Conversava com William sobre ele, exigindo saber exatamente como ele estava quando se encontraram na França.
  E ele me contava tudo.
  William era um grande amigo e me dizia, em detalhes, como estava Thomas. Ele ainda estava feliz, apesar das situações que passaram. Ele sempre falava de mim, contava seus planos para nosso futuro. Thomas me amou até seu último suspiro.
  Na última vez que estiveram juntos, ele assegurou isso a William.
  Esse foi o meu conforto nos meus momentos de angústia e solidão. Ele partiu me amando e o que tivemos foi real e verdadeiro. Todas as madrugadas que a angústia me dominava, eu segurava seu relógio com todas as saudades apertando meu peito e relembrava nossos breves momentos juntos.
  As vezes questionava a Deus, questionava o universo. Ainda sentia uma revolta dentro de mim, por tudo ter sido arracancado de mim quando eu pensei que fosse feliz de verdade.
  Mas o tempo passou.
  Ao fim desses dois meses, Mary começou a fazer suas malas para voltar para sua casa.
  Eu estava no quarto com ela e sua mãe, e também Sophie. Ela guardava seus vestidos e comentava sobre bailes e tudo mais, animada por voltar a sua casa, depois de tanto tempo.
  – minha casa está pronta, mamãe – ela comentou, animada – Ethan recebeu uma carta de seus pais avisando que minha casa foi concluída. Estão terminando de mobiliar.
  – pensei que já fosse continuar morando com seus sogros – perguntei, um pouco curiosa
  -- então, no início pensamos que sim. Mas depois decidimos que seria melhor um pouco de privacidade. Ele tem muitos irmãos – ela riu.
  – fico feliz, Mary!
  – espero que até nosso retorno, tudo esteja organizado.
  – agora você vai tomar conta de sua casa, minha filha – recomendou Caroline – precisa de criadas e criados, uma boa governanta. Agora você é a responsável.
  A expressão de animação deu lugar à incerteza, no rosto de Mary.
  – tem razão, mamãe.
  – sim, minha filha. Você vai ser a senhora de sua propriedade.
  – oh, meu Deus! Vou ter que escolher toda a criadagem e dar ordens a eles!-- ela se desesperou.
  – e qual o problema, minha filha?
  – eu não tinha pensado nisso.
  Lady Caroline e sua filha ficaram conversando, discutindo sobre como gerir um lar. Eu não imaginava que Mary não tinha pensado que seria sua responsabilidade cuidar de sua própria casa.
  Aproveitei que elas estavam ocupadas e fui para a varanda, que estava vazia. Sentei-me e fiquei olhando para os jardim e o caminho que trazia até ali.
  Desejando que tudo fosse mentira e que Thomas chegasse, com sua carruagem, para me buscar. Ainda havia uma esperança de que fosse tudo um engano e que ele voltaria. Eu imaginava ele descendo da carruagem, elegante e sorridente, passando os dedos entre os fios de cabelos escuros e vindo em minha direção.
  Era um pensamento que estava constantemente em minha cabeça.
  Fiquei ali por um tempo, lutando contra meu luto, pois eu sabia que as chances de isso acontecer, eram nulas. Naquele momento, eu estava deprimida demais para fazer alguma coisa, além de chorar e imaginar o impossível.
  Não conseguia aceitar o fim de tudo. Doía em mim, ver Mary feliz ao lado de seu marido, enquanto meu amado tinha morrido na guerra. Eu também queria aquela sensação.
  Eu queria andar de braços dados com meu marido, rir com ele enquanto caminhamos pelo jardim. Eu queria viver aquilo.
  Limpei as lágrimas quando ouvi passos atrás de mim.
  Lady Caroline se sentou na cadeira ao meu lado, suspirando ao olhar o horizonte. O sol estava declinando, dando ao céu uma cor especial.
  – já faz dois meses, Amélia.-- ela começou, cautelosa – eu sei que está abalada pela partida de Thomas, mas você precisa reagir.
  – o que eu posso fazer, Caroline?
  Ela olhou para o horizonte novamente, pensativa. Mary também apareceu, sentando na outra cadeira ao meu lado.
  Ela ficou em silêncio olhando o céu, e sua mãe continuou:
  – eu sei que está sendo difícil, pois esperava que ele voltaria. Mas infelizmente, ele não vai voltar.
  – eu sei.
  – sua vida não acabou junto com a dele, minha querida. Ainda é jovem e tem uma vida toda pela frente.-- Mary comentou, carinhosamente.
  Eu sabia que elas queriam o meu bem. Mas eu estava destruída e não queria pensar em seguir a minha vida. Eu queria o Thomas comigo! Embora soubesse que era impossível.
  – o que eu posso fazer?-- repeti, sentindo meus olhos arderem e encher de lágrimas.
  – você precisa seguir sua vida, Amélia.
  – e como eu farei isso?
  – se quiser, vamos procurar um marido para você – insistiu Caroline
  – e quem vai me querer depois do escândalo que Louis me fez passar?
  As duas se calaram.
  Não havia alternativa para eu seguir a minha vida. Todas as minhas esperanças estavam depositadas em Thomas e tinham partido, igual a ele.
  Mesmo que houvesse algum cavalheiro que me aceitasse em minhas atuais condições, era impossível que eu fosse capaz de sentir algo por ele. Thomas tinha me deixado com um padrão um tanto elevado, quando se tratava de homens. Ele era acima da média. Ele era o mais bonito, o mais elegante, o mais charmoso, o mais agradável. Jamais haveria alguém a altura de Thomas.
  Depois de um breve silêncio, Mary abriu a boca.
  – eu tenho uma proposta para te fazer, Amélia.
  Eu voltei minha atenção a ela, porém sem intenção alguma de sequer pensar sobre qualquer coisa que ela me dissesse.
  – você trabalhou aqui por muito tempo e tem muita experiência em zelar por uma casa. Quero dizer, todos vimos como foi dedicada em seus serviços.-- ela começou, meio sem jeito – eu irei mudar para minha própria casa e não tenho ideia de como vou fazer a gestão de tudo. Gostaria que fosse comigo.
  Fiquei boquiaberta, pensando na sua proposta, mas ainda sem saber o que responder. Dado o meu silêncio, ela insistiu:
  – eu te pagarei um bom salário. Você será minha governanta. Estará ao meu lado.
  – eu ficou honrada, Mary, mas…– comecei, pensando em como sairia daquela situação, eu não tinha intenção alguma de aceitar.
  – não, por favor. Não diga nada.-- ela me interrompeu, aflita – pense bem. Não há nada para você aqui, Amélia. Você não encontrará um marido aqui, não tem nenhuma perspectiva. Vamos comigo. Pense bem a respeito.
  Lady Caroline segurou minhas mãos.
  – Mary tem razão, Amélia. Pense bem na oportunidade que você tem. Saia de sua zona de conforto e vá conhecer o mundo. Sua vida não acabou. Tem um mundo de possibilidades para alguém como você.
  Eu não respondi.
  Precisava pensar a respeito. Mesmo que não quisesse, de início. Eu precisava dar uma chance.
  E dediquei o restante daquele dia pensando mesmo. Tinha passado longos anos ali na casa dos Bennet, de tal forma que não conhecia nada além do círculo social deles.
  Mary iria para sua casa no litoral, cercada de novidades. E desejava minha presença ao seu lado.
  Realmente, não havia mais nada para mim ali. Eu estava com a reputação arruinada, e mesmo que não estivesse pensando em encontrar um marido, não havia uma só pessoa que não tinha sabido sobre o escândalo.
  Seria bom seguir em frente, em outro lugar. Onde ninguém me conhecia. Eu precisava estar entre pessoas que não me olhassem torto e jamais imaginassem de tudo que eu tinha passado. Precisava recomeçar.
  Respirei fundo, tomando minha decisão.
  Decidi que partiria com Mary e seu marido, para Great Yarmouth. Precisava deixar o passado para trás, por mais que fosse doloroso para mim.
 
  Alguns dias depois, estávamos chegando no litoral. De longe, eu podia ver sua casa no alto de uma colina, de frente para o mar. Mary e Ethan estavam ansiosos na carruagem, esperavam muito por finalmente ter sua casa.
  Quando chegamos, se apressaram em entrar em casa. Era uma casa grande e elegante, tinha cheiro de madeira nova. O chão brilhava.
  Tinha grandes janelas e grande parte da mobília já estava em seu devido lugar. Porém, não havia nenhum criado ali, nem cavalariço nem nada.
  Mary e o marido saíram para explorar sua casa e eu dei privacidade a eles. Não entendia bem a vida de um jovem casal, mas sabia que deveriam ter seu tempo juntos sem ser interrompidos.
  Quero dizer, pelos sons que eles faziam, deixavam claro que não me queriam por perto. Eram recém casados e estavam vivendo uma lua de mel estendida. As vezes, confesso que invejava o bom relacionamento deles.
  Caminhei até a cozinha para conhecer as instalações ali e me surpreendi com tudo. Era incrivelmente mais sofisticado que a casa dos Bennet. Tinha uma grande cozinha e lavanderia, bons quartos para a criadagem.
  O quintal era amplo e tinha um potencial maravilhoso para um jardim estonteante.
  Aos poucos, Ethan terminaria seus planos para seu lar. E eu estaria ali ao lado deles nessa nova fase de suas vidas.
  Voltei à varanda e olhei em direção ao mar. Depois do grande quintal, tinha pouco mais de uma milha para chegar no mar, com uma grande faixa de areia clara que refletia a luz do sol.
  O clima era agradável e as águas azuis do mar se movimentavam em ondas hipnotizantes.
  Meus olhos se deleitaram com a paisagem.
  Porém, quando a brisa chegou até mim, mais precisamente até meu nariz, não pude evitar as lágrimas que escorreram pelo meu rosto.
  Aquele cheiro de mar me lembrou Thomas.
  Ele tinha o cheiro do mar e o mar estava ao meu redor!
  Limpei as lágrimas e fiquei olhando para as águas se movendo adiante, o vento acariciava minha pele trazendo o cheiro de Thomas até mim. O barulho das ondas quebrando afastaram a tristeza de mim.
  Suspirei.
  Precisava me dedicar ao lar de Mary, para manter minha mente ocupada, só assim eu não teria tempo para sofrer pela morte do meu amado. Decidi que assumiria uma versão minha, onde ninguém saberia o que eu estava passando. Eu trabalharia feito uma condenada e mostraria a todos um lado meu que eu tinha que assumir.
  Ao anoitecer, preparei uma breve refeição para nós três, pois ainda não havia muito o que fazer ali. Aquela construção e os móveis ainda não tinham se transformado em um lar.
  Depois que Ethan saiu para fumar um charuto, eu e Mary começamos os planos para o chamado Fersnby's Home.
  Decidimos que seria necessário contratar várias criadas e criados, assim como guardas e cavalariços, e também algumas cozinheiras experientes.
  Iríamos iniciar no dia seguinte, a busca pelos novos funcionários da casa. Assim como os fornecedores de alimentos, enquanto Ethan não conseguisse formar sua própria fazenda.
  Sua família possuía um porto perto dali, e grande parte dos barcos eram deles também. Suas propriedades eram imensas, pois se dedicavam também à agricultura.
  Ethan, o filho mais velho, possuía grande fortuna, embora ainda fosse jovem. Tinha bons investimentos e era influente nas redondezas.
  Precisava de uma casa que fosse a sua altura. E é por isso que eu estava ali.
  Conforme contratamos os primeiros criados da casa, iniciamos nossas próprias regras. Tudo do jeito que mandava o estilo de vida de Ethan e Mary.
  Aos poucos, a casa estava fluindo.
  Cabia a mim fazer toda a gestão dos criados, mantendo tudo em seus devidos lugares e funções. Nada faltava, pois eu era a governanta mais eficiente entre todas.
  Mary recebia muitas visitas, várias madames da região, que ansiava em fazer amizade com os novos moradores, cheios de prestígio.
  E todas as madames se admiravam com a ordem e perfeição de sua casa. Mary fazia questão de me apresentar a todas elas.

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