Na sala de artes

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  Na manhã seguinte, logo pela manhã, eu me vesti com meu melhor vestido. Prendi meus cabelos em um coque alto e me surpreendi ao me ver no espelho.
  Há muito tempo eu não me arrumava daquela maneira. Eu não tinha nenhuma jóia para exibir, mas a minha aparência parecia bastar.
  Suspirei fundo antes de deixar meu quarto. Caminhei pelos corredores em silêncio e minhas mãos estavam trêmulas pela ansiedade.
  Sorte a minha que não encontrei nenhum criado no caminho. Subi as escadas e caminhei até a sala de artes.

  A porta estava entreaberta, e eu tomei a liberdade de entrar lentamente. A luz da manhã tinha invadido o lugar, deixando um clima agradável ali.
  Andei pelas obras de artes, apreciando verdadeiramente cada uma delas. Dessa vez, sem o olhar de governanta que prezava pela ordem e harmonia. Eu olhava contemplando a arte em si, como uma admiradora comum.
  -- vejo que já está admirando com seu olhar crítico -- ele murmurou, surgindo do nada, bem atrás de mim -- bom dia, Amélia.
  -- bom dia, mi lorde -- eu consegui dizer, meio atordoada pela sua aparição silenciosa, o som de sua voz atrás de mim teve um poder sobre mim, que, até então, era desconhecido.
  -- o que eu te disse, minha cara? Meu nome é Thomas.
  -- sinto muito, Thomas, é a força do hábito.
  Ele sorriu levemente e caminhou pela sala até a sacada. Estava, como sempre, vestido com elegância, caminhava com sua postura de Conde, olhar fixo no horizonte. Eu o segui, ansiosa por saber o que ele me mostraria.
  -- pedi que me servissem o desjejum aqui. Quero que coma comigo -- ele pediu, e só então notei a mesa cuidadosamente posta, ele puxou a cadeira para mim, com gentileza.

  Meu coração disparou e meus olhos ameaçaram se encher de lágrimas, aquele hábito não tinha mudado. Ele ainda gostava de comer comigo.
  Me sentei ao seu lado, após engolir em seco para me controlar.
  Era uma manhã agradável e fresca, uma brisa tranquila acariciava nossos rostos ali.
  Thomas serviu chá em nossas xícaras e comemos em silêncio. As vezes, ele me olhava como se me reconhecesse de algum lugar. Meio que uma sensação de déjà vu.
  Ele pousou a xícara no pires e me disse, fixando o olhar em mim:
  -- já foi visitar a obra do jardim?
  -- ainda não. Mas Lady Clarisse me mostrou de seu quarto.
  -- gostaria de ir comigo? Pretendo fazer uma grande pintura dos jardins de Cumberland's Hall.
  -- eu adoraria.
  Ele se levantou e estendeu a mão para mim.
  -- como os criados reagiram? Quero dizer, quando disse a eles que não é mais a governanta daqui.
  -- você não entenderia.
  Ele deu uma risada sincera.
  -- podemos ir então? Eles não vão estranhar, ao ver nos dois caminhando juntos pelo jardim?-- ele perguntou, um pouco preocupado.-- quero dizer, até ontem era a governanta desse lugar.
  -- acredito que não.-- menti para encorajar a mim mesma, pois eu sabia que aquilo renderia muitas fofocas pelos bastidores da mansão.

  Saímos da sala de artes, no terceiro andar e descemos até os jardins. Fiquei impressionada em ver como ele descia todas as escadas sem grandes dificuldades.
  Certamente tinha se acostumado com a perna ferida. Não sei dizer se doía ou não, pois ele agia naturalmente.
  Quando chegamos no jardim, o sol agraciava nossas peles com um calor adorável. Caminhamos entre os canteiros, onde os jardineiros estavam zelando pelo lugar.
  Thomas cumprimentou a todos.
  Mais adiante, chegamos na obra. Haviam vários trabalhadores ali, cavando e tirando a terra, um grande movimento.
  -- por que um lago?-- perguntei, enquanto assistíamos o trabalho deles.
  -- olhei o jardim lá de cima e pensei que estava faltando um lago aqui.-- ele respondeu, com os olhos atentos na obra. -- eles tem que terminar isso até o dia do baile.
  -- será possível?
  -- eu exigi esse prazo. Preciso de tudo perfeito para meu baile.
  Os homens certamente escutaram nossa conversa, pois percebi que aceleraram o ritmo. Ninguém gostaria de desagradar o novo Conde, ainda mais por uma obra para o grande baile.
  Ele me mostrou seus planos para o pequeno lago. Seria bem ornamental, de acordo com Thomas, seria para elevar o patamar do jardim.

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