cada vez mais

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Nos dias seguintes, Thomas raramente saiu de seu escritório. Recebeu vários lordes e advogados para longas reuniões. Estava cheio de afazeres.
  Eu também desconfiei de que ele estava querendo manter distância de mim, para evitar que outros beijos ocorressem.
  Na sua ausência, eu passava os meus dias na companhia de Lady Clarisse, que tinha sempre um detalhe a mais sobre o baile de noivado, para me acrescentar.
  Tinha regras sobre flores e banquetes, etiqueta para os brindes, danças e tudo mais. Eu conhecia muito bem as regras de etiquetas comuns, tinha sido educada com elas e sempre as levei comigo, mas eu tinha que admitir que ser uma Condessa em Cumberland's Hall era tudo mais complicado.
  Lady Clarisse também recebeu suas visitas, diversas madames da nobreza, estilistas e cabeleireiros. Ela queria atualizar nossas criadas pessoais para a moda atual.
  Madame Desirée se fez presente por várias tardes, enquanto tomávamos chá e comíamos bolinhos, como verdadeiras princesas.
  Ela trazia maravilhosos modelos de vestidos para que eu escolhesse.
  Foi um martírio escolher um vestido para o baile, dentre tantas opções. A cada dia, ela trazia um modelo mais bonito.
  Lady Clarisse estava mais animada do que nunca. Eu nunca tinha visto ela tão feliz, desde que estava ali. Sempre sorridente, faladeira, tinha diminuído muito seus episódios preconceituosos.
  Estar na companhia dela estava sendo muito agradável.
  Embora, eu desejasse estar com Thomas.

   Os dias foram passando e logo o Baile de noivado estava chegando. A ansiedade tomou conta da mansão novamente, todos os preparativos deixaram todos muito atarefados.
  As visitas de Madame Desirée se tornaram frequentes, a fim de concluir o abençoado vestido que eu usaria. E também, novos vestidos foram adquiridos. Assim como, chapéus, encharpes e calçados.
  O inverno tinha passado, com a graça de Deus, e nada como a primavera para alegrar a todos.
  -- de acordo com as cartas de confirmação, mais de 90% dos convidados estarão presentes -- informou Lady Clarisse, um tanto afobada.
  -- isso é bom, não é?
  -- é maravilhoso. Todos querem conhecer você, Amélia. A doce e gentil moça que fisgou o coração do Conde.-- ela brincou, guardando alguns papéis na pasta denominada "Projeto Baile de Noivado".
  -- devo confessar que estou mais ansiosa do que pensei que estaria.
  -- ora, minha querida... A partir deste baile, você nunca mais deixará de ser o centro das atenções.
  Eu sorri, mas por dentro estava preocupada. Precisava me controlar muito para evitar uma crise de ansiedade naqueles dias.
  Thomas ainda se encontrava muito atarefado. As vezes saía e ficava dias fora. Carregando uma pasta com documentos para cima e para baixo, sendo seguido por advogados e lordes influentes.
  Fazia parte de sua posição. Além de seu título, ele tinha muitas e muitas obrigações com a Coroa.
  Mas, frequentemente, nos encontrávamos no jantar. Onde ele não tirava os olhos de mim, se limitando a uma breve conversa entre sussurros.
  Lady Clarisse estava sempre atenta a nós.
  Ela temia um escândalo.
  Se preocupava demais com a nossa reputação, inclusive com a de Cumberland's Hall. Ela sequer imaginava o dia que a mansão estivesse envolvida em um escândalo.
  Logo após os jantares, Thomas se recolhia.
  Em todos aqueles dias, ele não me convidou para ir até a sala de artes. O que parecia que a pintura tinha sido deixada de lado, por conta de suas obrigações.

  E então, na véspera do grande Baile, eu estava provando o meu vestido pela última vez.
  Precisei piscar algumas vezes para ter certeza de que não era um sonho. Em frente aquele espelho, eu via o meu reflexo, porém não conseguia me reconhecer nele.
  No reflexo, havia uma moça de pele clara com cabelos escuros e cacheados, presos em um penteado elaborado, ostentando um diadema de pérolas.
  Sim, as pérolas dos Cumberlands.
  No pescoço, o colar de pérolas descia delicado. Assim como os brincos que pendiam em suas orelhas. O vestido era de um amarelo claro, tão claro que podia facilmente ser confundido com o branco das pérolas. Que também estavam sobre seus bordados e rendas.
  A saia do vestido, que era de tecido nobre, tinha um excelente caimento, chegando até o chão. Nos braços, luvas brancas e delicadas que chegavam até os cotovelos.
  Olhei para a imagem no espelho.
  Aquela não era mais a criada ou a governanta. Aquela era a noiva do Conde, que seria oficializada para todo o Condado.
  Respirei fundo, ignorando a agitação de Lady Clarisse atrás de mim.
  O dia seguinte marcaria a mudança definitiva de minha vida e eu mal podia acreditar no que estava acontecendo.
  Eu estava prestes a me noivar com Thomas, o homem de minha vida, que eu amava desde a minha adolescência.
  O que outrora tinha sido um sonho, estava prestes a ser real. Thomas colocaria uma aliança em meu dedo e, em breve, nos casariamos.
  -- qual será a reação de Thomas quando vê-la tão fabulosa?-- a voz estridente de Lady Clarisse ecoou, me tirando do transe.
  -- bem...eu nem consigo imaginar...
  -- você está muito mais bela do que no Baile da inauguração da Galeria, Amélia... E olha que você já estava deslumbrante!-- elogiou Madame Desirée, se aproximando de mim para contemplar meu reflexo.
  -- essas pérolas combinam tão bem com você, Amélia... São nossas jóias de família -- comentou Lady Clarisse, ansiosa -- pode considerar que são oficialmente suas.
  -- eu nem posso acreditar...-- murmurei, tocando as pérolas no meu pescoço, tão delicadas e brilhantes.
  -- nós, os Cumberlands, possuímos uma grande fortuna em jóias. De todas as formas e cores. Passam-se de mãe para filha, de avó para neta. Eu recebi de minha sogra, quando me casei com Albert.-- ela contou, ostentando suas próprias jóias brilhantes -- agora que é a Condessa daqui, naturalmente, eu irei passar para você.
  -- oh, Lady Clarisse...-- consegui dizer, emocionada.
  Me lembrei que minha mãe também tinha suas joias de família. Os Pevensie eram privilegiados, possuíam grande fortuna. Infelizmente, com a nossa decadência eminente, minha mãe foi obrigada a vender cada brinco e cada anel, para que pudéssemos ter o que comer.
  Tinha perdido as esperanças de, um dia, herdar alguma jóia de família.
  Mas Lady Clarisse estava ali, me contando que aquelas magníficas pérolas seriam oficialmente minhas, assim como outras jóias.
  -- ora, querida... Após seu casamento eu também serei oficialmente, sua tia-avó. Então, nada mais de "Lady Clarisse" entre nós -- ela continuava a falar, fazendo com que meus olhos se enchessem se lágrimas teimosas.
  Suspirei, olhando para ela, na tentativa de reprimir a emoção que surgia. Mas foi em vão. Lady Clarisse se aproximou, me puxando para um abraço gentil. Não esperava aquilo.
  -- estou feliz que seja você, Amélia -- ela sussurrou, acariciando minhas costas.
  Eu não consegui dizer nada por conta do choro que não pude controlar. Ela continuou me abraçando por um instante e depois se afastou.
  -- ora, Amélia-- ela me repreendeu, enquanto enxugava suas lágrimas tímidas -- vamos parar com isso... Vai acabar manchando seu vestido...
  -- sim, eu não gostaria que isso acontecesse jamais -- concordei, interrompendo meu choro dengoso.
  Madame Desirée me ajudou a me despir.
  Estava tudo preparado para o baile do dia seguinte. Minhas jóias estavam escolhidas, assim como penteado e os calçados.
  Era o anoitecer do dia anterior ao meu baile de noivado e eu mal podia acreditar que tudo aquilo estava acontecendo.

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