Explicações

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  No jantar, eu me vesti com classe. Ninguém acreditaria que eu tinha sido criada ali naquela mesma casa, anos atrás. Eu sabia agir com elegância.
  Conforme desci as escadas, me lembrei de quando caminhava naqueles corredores, carregando as trouxas de roupas de cama. Senti saudades de Lady Caroline e das meninas, foram bons anos, apesar de tudo.
  Encontrei com Thomas na sala de jantar, que estava visivelmente mais feliz. Ele parecia ter conversado bastante com seu grande amigo. Talvez até recuperado algumas memórias
  -- você está deslumbrante, como sempre -- essas foram suas palavras para mim.
  -- estou encantada, milorde.
  Ele sorriu de canto.
  -- obrigado por me acompanhar até aqui. Isso tudo está sendo muito importante para mim.
  -- espero que recupere suas lembranças, milorde.
  -- eu me lembro vagamente dessa casa. Pelo jeito, está tudo da mesma maneira. Me lembro desses castiçais.
  -- essa casa está exatamente como a sete anos.
  Ele sorriu, concordando com a cabeça. Olhou ao redor atentamente.
  -- você ficava em um quartinho próximo a cozinha, não é?
  -- sim. Nos aposentos da criadagem. Me acompanhou até lá uma vez.
  Thomas sorriu, com os olhos brilhando.
  -- Amélia, eu te amo tanto -- seu sussurro veio acompanhado de seus dedos se entrelaçando aos meus.-- eu te agradeço por me proporcionar isso...
  Meu corpo se arrepiou. Meu coração bateu desesperado e tudo que eu queria naquele momento era me entregar em seus braços. Por um instante, isso quase aconteceu.
  Ouvi passos no corredor e afastamos nossas mãos. Eu precisava me lembrar o motivo de ter trazido Maeve comigo.
  Por mais que desejasse Thomas com todas as minhas forças, não podia arriscar minha reputação daquela maneira.
  Era William que se aproximava, e ele parecia mais agitado que o normal. Mal olhou para nós enquanto se aproximava da mesa de jantar.
  -- vamos nos sentar. Logo irão servir nosso jantar.

  Eu e Thomas obedecemos.
  Senti uma aura de estranheza no ar. Comemos e bebemos, trocando algumas palavras. Mas tinha algo que me incomodava. Algo estava diferente.
  Talvez era a minha suspeita a cerca de William, mas eu não tinha certeza. Ele tinha mudado, de repente.
  Não tive tempo para conversar com Thomas após o jantar, pois ambos se recolheram rapidamente. Eu tive que voltar para o quarto, na falta de algo melhor para fazer.
  A Lady daquela casa não estava ali, não tinha uma anfitriã para conversar comigo. Não havia quadro algum na casa que mostrasse quem era a esposa de William. Nem ao menos de seus filhos.
  O que era muito estranho.
  Quando eu trabalhava ali, lorde Bennet fazia questão de expor diversas pinturas de sua família por todo canto. William tinha simplesmente guardado todas as pinturas.
  Aquilo era a única coisa que estava diferente em toda a casa.
  Eu e Maeve não demoramos a dormir. Com o frio que nos cercava e a falta do que fazer não nos deixou escolha.
  Nada como uma boa cama quente e confortável, uma boa lareira e meias nos pés.
 
Mas na manhã seguinte, logo que acordamos, eu saí de meu quarto e percebi que aquela estranheza da noite passada tinha aumentado.
  Encontrei Thomas na sala de estar, onde ele lia um jornal. Mas havia algo no ar.
  Caminhei até ele.
  -- bom dia, milorde.
  -- bom dia, querida Amélia. Como passou a noite?
  -- bem. Mas parece que...
  -- tem algo estranho aqui? Eu também estou percebendo.-- ele rebateu, antes que eu dissesse qualquer coisa.
  -- temos previsão para retornar a Cumberland's Hall?
  -- hoje ainda.
  Aquilo me deixou um pouco assustada. Mas não disse mais nada. Comemos o desjejum sem a presença de William e passamos um tempo juntos na biblioteca, com Maeve ao meu lado.

  Porém, na hora do almoço, reencontrei William a sós e decidi que não podia mais adiar minha curiosidade a respeito daquela aura de estranheza que estava ali.
  -- lorde Bennet -- cumprimentei com um sorriso forçado.
  -- Amélia, querida...
  -- está acontecendo algo por aqui? Estamos atrapalhando?
  -- sempre direta, minha cara Amélia.-- William ajeitou o paletó, um pouco incomodado.
  -- não minta para mim, assim como nunca mentiu -- eu insisti, sentando próxima a ele.
  William forçou um sorriso, olhando ao redor. Ele parecia querer fugir daquela conversa.
  -- estamos incomodando? Se estivermos atrapalhando algo, não se preocupe. Iremos partir ainda hoje.
  -- oh, não! De maneira alguma! Não precisam partir hoje!
  -- então me diga, o que está havendo por aqui...
  -- eu não quis que soubesse, pois sei que foi traumatizante para você. E também imagino que Thomas não sabe disso.
  Franzia as sobrancelhas, meio confusa.
  -- Louis está aqui.
  O choque fez com que minha boca se abrisse. Em instantes, uma sequência de memórias dolorosas sobre o ataque de Louis a mim naquela noite vieram sobre mim. Meu coração começou a bater desesperado dentro do meu peito e só a Menção de seu nome maldito me fez gemer de agonia. Foi como se minha pele sentisse novamente seus toques enojaveis, como se eu me sentisse exposta novamente.
  -- eu sinto muito, Amélia. Ele é sozinho no mundo, só tem a mim. Infelizmente, ele teve um acidente, há dois anos, e ficou completamente dependente de alguém. Sem meus pais para cuidar dele, eu, como primogênito, tenho o dever de fazer isso.
  -- não deve explicação a mim, William.
  Eu me afastei, respirando fundo. Precisava me controlar para não ter uma crise ali, longe de casa e da minha segurança.
  -- por favor, fique. Me ouça...
  Eu não respondi e subi para meu quarto. Minha garganta estava fechando, tamanha angústia que me dominava. Fechei a porta atrás de mim, com a visão levemente turva pelas lágrimas que se acumularam.
  Maeve veio em minha direção, pois surpreendentemente ela estava ali ainda.
  -- oh, meu Deus! O que houve, milady?-- ela se apressou em vir ao meu encontro.-- é outra crise, minha querida?
  Eu não conseguia responder. A angústia tinha se apoderando de mim e as lágrimas saiam involuntariamente, conforme meu corpo soluçava e tremia. Eu me esforcei para conseguir respirar.
  Maeve me puxou para si, abraçando firmemente. Ela estava ali para mim. Para me amparar enquanto toda sorte de pensamentos ruins surgiam em minha mente. Todas as lembranças dolorosas me invadiram quase que imediatamente.
  Eu não poderia suportar aquilo. Minha visão foi se tornando escura conforme o ar me faltava e meu peito pulava.

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