A chama arde

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  Me sentei com Lady Clarisse na sacada de seus aposentos, para a tal lista de convidados para o Baile. Ela não estava brincando quando disse que faria aquela lista.
  Tinha cerca de cinquenta famílias. Grande parte delas com títulos nobres. Mas também se lembrou de pessoas menos influentes.
  Ela me fez um breve resumo sobre cada uma dessas famílias, tanto quanto do marido como da mulher. Para alguém que raramente saia de casa, Lady Clarisse estava muito bem informada sobre a vida das pessoas.
  Eu anotei tudo que fosse importante.
  Faria esse relatório para Thomas, logo depois. Ele precisava estar a par desses convidados, como tinha me confidenciado no dia anterior.
  Thomas, como anfitrião e Conde, deveria saber de tudo, assim como Lady Clarisse. E sua perda de memória não poderia atrapalhar isso. Como ele mesmo disse, pode ser que tenha conhecido algumas pessoas antes de ir para a França.
  Quando terminamos a tal lista de convidados e o breve resumo sobre a vida de cada um, Lady Clarisse iniciou um monólogo sobre ser anfitriã.

  Ela tinha experiência nisso. Como ela frisou diversas vezes, tinha sido a senhora de Cumberland's Hall por mais de quarenta anos. Ela conhecia os protocolos, as pessoas, os costumes, as tradições.
  Também tinha planejado diversos bailes durante esses anos. De todos os temas e tipos.
  -- bem, Amélia... A Orquestra do Conservatório de Sudbury é a ideal para esse evento. Tenho o endereço deles para que possa escrever -- ela comentava, animada.
  -- Orquestra do Conservatório?
  -- sim. Eles são os melhores músicos do Condado. O Maestro Clifford Van Hansen tem elevado o patamar de música erudita em Suffolk. Basta uma carta com o brasão dos Cumberland, e ele vem imediatamente.-- ela explicou, com simplicidade, como se aquilo fosse óbvio.
  -- pensei que fossemos chamar aquela orquestra que tocou no Baile de inauguração da Galeria.
  -- oh, minha querida... Aquela orquestra toca outro tipo de música. Quando ver o Maestro Clifford regendo, vai entender o que eu digo. Vocês estão oficializando seu compromisso. Estarão noivos. Precisam de músicas que trazem esse sentimento...
  Então entendi o que ela dizia.
  Apesar de seus problemas, Lady Clarisse era uma mulher muito sábia em seu lugar de fala. Tinha a tradição do seu lado, assim como a maioria da nobreza.
  -- certo. Escreveremos ao Maestro do Conservatório.-- anotei em meu caderninho de notas.
  -- depois, não esqueça de sentar-se com Francis, a governanta, para definir o cardápio -- ela lembrou, dedicada.
  -- milady...
  -- um baile como esse merece um bom banquete e...
  -- milady -- interrompi, atraindo sua atenção.
  Lady Clarisse parou o que estava dizendo para me olhar com cuidado.
  -- diga, Amélia.
  -- eu quero que me ajude com este baile.
  -- oh, de maneira nenhuma!-- ela recusou, incrédula. -- é o baile de seu noivado, Amélia.
  -- milady, eu sei... Mas também sei que é o último baile que vai planejar. Eu sei que colaborou muito com o Baile de Inauguração da Galeria. Mas após meu casamento, temo que não irá mais... Quero dizer...
  -- você será a Condessa, Amélia.
  -- sim, eu serei. Mas eu quero que me ajude com este baile. Pense como se fosse uma despedida de suas obrigações de Condessa.
  Lady Clarisse pensou por um instante, forçou um sorriso e respondeu:
  -- seria uma honra planejar este baile contigo, Amélia. O meu último baile em Cumberland's Hall.
  Segurei sua mão com carinho e podia jurar que eu algumas lágrimas brilhando em seus olhos. Mas o momento melodramático não durou muito, Lady Clarisse voltou a me dizer como devo receber convidados, sendo a senhora de uma casa.
  Ela tinha vários protocolos e regras, mas também muita experiência em tudo. Eu anotei tudo o que ela me disse.
  Foi uma tarde exaustiva, mas proveitosa.

  Após o meu banho tranquilo, Maeve me ajudou a me vestir e a pentear. Ela estava gostando muito de estar do meu lado.
  -- os burburinhos chegaram a cozinha, milady -- ela comentou, enquanto prendia um pouco de meu cabelo com grampos.
  -- que burburinhos?
  -- de que vai se casar com o Conde. As criadas que estavam no almoço espalharam essa conversa por toda mansão. É verdade mesmo?
  Eu tinha ficado a tarde toda com Lady Clarisse e não tive tempo de contar as boas novas a minha fiel companheira.
  -- sinto muito, Maeve, acabei passando a tarde ocupada. Eu queria ter tido tempo para conversarmos -- me desculpei, realmente chateada.
  -- temos tempo agora.
  -- bem, é verdade mesmo, Maeve. Estamos formalizando nosso compromisso. Faremos um baile de noivado.
  Maeve me encarou atônita pelo reflexo do espelho, e exclamou:
  -- está brincando? Eu jurava que era apenas boatos exagerados!
  -- é verdade, Maeve.
  -- Você e o Conde... Oh, céus! Você, enfim, se deitou com ele?-- ela exclamou novamente, completamente incrédula.
  -- ora, Maeve. Não diga bobagens!-- eu a repreendi, um pouco magoada com aquele comentário.
  -- meu Deus! Eu sinto muito! -- ela se corrigiu, se desculpando -- mas foi a primeira coisa que se passou pela minha cabeça!
  Eu não disse nada, apenas continuei encarando ela pelo espelho.
  -- bem, milady... Me conte como isso aconteceu!
  -- Maeve, nós nos apaixonamos... -- eu comecei, mas não podia contar a ela sobre a condição de Thomas, nada sobre a perda de memória -- estive próxima a ele esse tempo todo. E afinal, vocês estavam certo, em partes... Eu era a única que realmente se aproximou de Thomas. O amor floresceu.
  Maeve estava boquiaberta.
  -- meu Deus... Meu Deus -- ela repetia, enquanto escovava meus cabelos.
  -- fique tranquila, Maeve. Está tudo bem. Nós iremos nos casar...
  -- mas e o que fará quando todos descobrirem que foi governanta aqui? Você disse que tinha problemas com fofocas e multidões!-- ela se preocupou, aflita.
  Eu respirei fundo. Precisava tirar aquilo da minha mente.
  -- Maeve... Eu estou afastada de minhas funções há muito tempo... Não sou mais governanta há meses.-- respondi a ela, tentando tranquilizar a moça.
  -- Andy sempre dizia que você seria iludida e largada, assim que o Conde fosse se casar -- ela fofocou, um tanto satisfeita.
  -- Andy acredita que todo mundo terá o mesmo destino que ela teve. Foi amante do velho Albert por anos e não conseguiu nada dele.
  Maeve concordou com a cabeça, um pouco horrorizada.
  -- então...meu Deus! O Conde de Suffolk vai se casar com Amélia Pevensie!-- ela exclamou, após alguns instantes pensativa.
  -- sim, Maeve.
  -- você será a Condessa!
  -- sim, serei.
  -- por favor, me diga que continuarei sendo sua criada!-- ela implorou, massageando suavemente meus ombros.
  -- claro que sim, Maeve. Sempre esteve do meu lado. Mesmo quando todos estavam contra, você acreditou em mim.
  Maeve sorriu de forma meiga.
  -- sabia que tinha algo especial em você... Desde que colocou os pés aqui, em Cumberland's Hall -- ela sussurrou, ainda massageando meus ombros, com carinho.
  -- quero você do meu lado, Maeve. Como sempre esteve -- respondi, segurando sua mão, retribuindo o carinho.
  Maeve era minha melhor amiga ali. A única que, desde o início, não duvidou de mim. Ela acreditava nas minhas palavras e aceitou ser minha criada sem rivalidade.
  Ela, como estava no mesmo lugar que eu, na criadagem, tinha tudo para rejeitar e invejar minha recente ascensão. Assim como Andy demonstrava estar fazendo.
 
  Depois de estar adoravelmente a altura de Cumberland's Hall, com vestido elegante, cabelos bem penteados, pequenas jóias e exalando perfume, desci para nosso habitual jantar em família.
  Estava um pouco adiantada, a mesa estava posta mas ainda não havia ninguém ali. Nem Lady Clarisse e muito menos Thomas.
  Assumi meu lugar, aguardando com paciência.
  Então, Polly e Andy entraram ali, cada uma com uma bandeja, para preparar o banquete.
  -- boa noite, milady -- cumprimentou Polly, com seu sorriso gentil.
  -- boa noite, Amélia -- resmungou Andy, colocando as tigelas sobre a mesa, com mau gosto.
  -- boa noite. Acredito que eu esteja bem adiantada -- comentei, a fim de quebrar o clima pesado.
  -- bem, Andy comentou que Lady Clarisse não irá jantar hoje. Não foi, Andy?-- informou Polly, ainda gentil
  Andy, por sua vez, apenas concordou com a cabeça e continuou seu trabalho, sem nada a dizer. Polly percebeu o ambiente desconfortável que surgiu.
  -- soube das notícias -- ela comentou, se aproximando e baixando o tom de voz -- fiquei muito feliz por vocês.
  -- obrigada, Polly.
  -- você vai ser uma bela Condessa -- ela sorriu, falando baixinho para que apenas eu ouvisse -- não ligue para ela. Algumas pessoas tem dificuldade em sentir felicidades pelos outros.
  -- está tudo bem, Polly. Eu já imaginava que essa notícia não seria bem recebida por todos.
  -- bem... Eu fiquei feliz. A maioria das pessoas ficou feliz. Mas ...
  -- é difícil ver alguém que estava com você, subir na vida, não é mesmo?
  -- eu pensei a mesma coisa. Por isso Andy está destilando veneno por todo canto.
  Polly terminou seu trabalho e deixou a sala de jantar, acompanhando Andy.
  Eu fiquei pensativa por alguns minutos.
  Minha ascensão como Condessa seria uma coisa difícil para algumas pessoas engolirem. E ainda mais difícil para mim, que ainda me sentia insegura pela opinião das pessoas.

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