Pinturas e passeio a cavalo

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  Mais tarde, eu me vesti bem e fui ao encontro de Thomas. Pela janela de meu quarto, podia ver Hugh trazendo dois cavalos selados. Desci as escadas, respirando fundo para controlar minha ansiedade.
  No hall de entrada, Boyle estava em seu posto. Ele notou minha presença no topo da escada e me seguiu com os olhos até que eu chegasse até ele.
  -- boa tarde, Amélia -- ele cumprimentou, abrindo a porta, educadamente.
  -- boa tarde, Boyle. Como vai?
  Ele me olhou de cima a baixo e deu um sorriso.
  -- bem, obrigado. Vossa graça, o Conde, te aguarda.
  -- obrigada, Boyle.
  Passei pela porta e pude ver Thomas no topo da escadaria. O dia estava razoavelmente fresco, porém um sol agradável estava tomando conta. Eu usava um chapéu, para me proteger do sol e não me queimar. Estava me dedicando cada vez mais as etiquetas e formalidades de uma dama.
  Ele se virou para mim, assim que percebeu minha presença, abriu um sorriso genuíno. O brilho de seu olhar denunciava seus sentimentos.
  -- me perdoe, se me atrasei -- falei, me aproximando.
  -- você nunca se atrasa, minha querida. Os outros que se adiantam.-- ele brincou, oferecendo o braço para mim.
  -- quanta gentileza...
  -- eu sou um cavalheiro, minha cara. Hugh já preparou os cavalos. Pedi encarecidamente que não fosse a medrosa da Dessa.
  Sorri um pouco me lembrando do incidente que me garantiu uma boa dor nas costas e um susto daqueles.
  -- ela perdeu a chance de cavalgar comigo -- resmunguei.

  Chegamos ao fim das escadas e Hugh segurava as rédeas dos animais, cujas selas ostentavam o brasão dos Cumberland, suas crinas estavam trançadas e marchavam com elegância.
  -- me garante que nenhum desses vai empinar e fugir?-- questionou Thomas, um pouco descontraído.
  -- oh, e-eu sinto muito por aquele incidente, vossa graça...-- Hugh gaguejou, um pouco amedrontado pela presença de Thomas-- E-eu lhe asseguro que, que Atlas e Marvin são ideais e...
  -- eu estava brincando, Hugh -- ele interrompeu, sorrindo -- fique tranquilo.
  Hugh deu um sorriso nervoso e entregou as rédeas para Thomas.
  -- obrigado, Hugh. As coisas que eu pedi já estão aqui?-- ele perguntou, olhando sobre a pequena carga alojada sobre um dos animais.
  -- sim, vossa graça. Tudo nos conformes.
  -- tudo bem. Vamos, Amélia.
  Consegui subir no cavalo sem muita dificuldade. Thomas era um exímio cavaleiro e subiu em segundos, se ajeitou na sela e segurou as rédeas. Precisei engolir em seco ao ver sua habilidade.

  Eu realmente precisava me controlar, diante dele. Aquele calor surgiu novamente, uma chama de desejo que aparecia dentro e mim e fazia meu coração disparar. Pensamentos impróprios, como beijos calorosos, de repente tomaram conta de minha mente antes que eu pudesse me controlar.
  Saímos adiante, cavalgando tranquilamente.
  Logo estávamos bem afastados da mansão e o ar fresco arejava meus pensamentos. Thomas parecia não notar meu incômodo com sua proximidade.
  -- querida Amélia, eu posso te pedir uma coisa?-- ele perguntou, voltando sua atenção para mim.
  -- o que você quiser, Thomas -- respondi, com um sorriso.
  -- pode me contar, com detalhes, como nos conhecemos realmente?
  Aquela era uma lembrança que estava constantemente em minha mente. Eu não poderia esquecer jamais. Nunca imaginei que precisaria contar isso para Thomas um dia. Respirei fundo, invocando cada detalhe da noite em que nos conhecemos e comecei:
  -- eu era criada na casa dos Bennet, em Norfolk. E naquela noite, fui incumbida de ser a dama de companhia de suas duas filhas em uma Opera. Após a apresentação, muito boa por sinal, de Mozart, houve um grande baile. Eu consegui um minuto de sossego e saí para respirar um ar fresco. E então você apareceu.
  Fiz uma pausa, relembrando o quão deslumbrante ele estava naquela noite.
  -- eu te abordei?-- ele questionou, sorrindo. Me pareceu que se esforçava para se lembrar.
  -- sim. Surgiu do nada. Me perguntou sobre a Ópera. Você sempre foi um amante da arte.
  -- sim, parece que sim. E depois, o que aconteceu?-- ele insistiu, ansioso.
  -- você puxou assunto comigo, como se eu fosse uma Lady. Eu tive vergonha de te dizer que era apenas a dama de companhia das irmãs Bennet. Você me disse que tinha me visto no camarote, então imagino que estava de olho em mim desde a Ópera.
  Ele sorriu de canto.
  -- sim, isso parece uma coisa que eu faria. Mas e então? Me disse a verdade?
  -- disse. Pensei que estivesse me abordando por conta das irmãs Bennet. Então eu contei a verdade. E você não se importou. Disse que era amigo de William Bennet e que me procuraria depois.
  Thomas piscou, tentando se lembrar de algo.
  -- me disseram, no exército, que eu tinha um amigo chamado William Bennet, de Norfolk. Eu fui até Norwich a procura dele, esperando que ele pudesse me ajudar. Mas não o encontrei.
  -- vocês eram ótimos amigos. Foi William que me trouxe a má notícia, de sua possível morte.
  -- ele pensava que eu estava morto? Foi isso que te disseram?-- ele indagou, doloroso.
  -- quando ele foi dispensado e voltou para casa, me disse que estavam procurando por seu corpo, após uma explosão.
  Thomas franziu a testa e um clima pesado surgiu entre nós. Eu não pude evitar o pesar ao me lembrar de William Bennet, me dando a terrível notícia, que me fez chorar desolada enquanto sentia a maior dor de minha existência.
  -- eu sinto muito, Amélia -- ele lamentou, olhando para mim com olhos ternos.
  -- eu também, Thomas.
  -- mas, continue, por favor. Eu te encontrei mesmo? E como foi?
  -- três dias depois, você surgiu no jantar, como um dos convidados dos Bennet. Eu te reconheci imediatamente.
  Ele suspirou.
  -- se me permite dizer, você estava tão atraente que foi difícil manter meus olhos longe de você.-- eu comentei, sentindo o rubor surgir em meu rosto.
  -- assim você me deixa sem jeito, minha querida.-- ele sorriu, de um modo tímido que eu não conhecia ainda.
  -- ficou hospedado alguns dias nos Bennet e nós encontrávamos toda manhã, quando eu lhe servia o desjejum em seus aposentos. Você me obrigava a dividir a refeição contigo.
  -- oh, minha querida... Esse é um costume que eu ainda não perdi!-- ele sorriu, animado.
  -- você me disse que não é o mesmo homem, Thomas. Mas nos reencontramos faz um bom tempo, e você ainda é exatamente o mesmo gentil cavalheiro por quem me apaixonei.
  Os cavalos estavam trotando lentamente e, mesmo assim, havia uma tensão entre nós. Algo como uma aura de paixão que fazia meu coração bater forte no peito. Aquele calor, que sempre surgia quando estávamos juntos, começava a dar seus sinais e eu tentava me controlar.
  -- Amélia...-- ele murmurou enquanto acelerou o trote -- devemos nos apressar se quisermos pintar hoje.
  Eu não respondi e o acompanhei.

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