O Baile de Inverno dos Dawson

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  Os dias se seguiram até a sexta feira. A onda de ansiedade sobre o tal Baile dos Dawson foi aplacada pelos inúmeros visitantes que vieram até a mansão.
  Thomas decidiu participar de alguns passeios com as pessoas, tanto pela Galeria quanto pelo jardim. Assim, não tivemos tempo para pintar novamente.
  Lady Clarisse agiu como se nada tivesse acontecido, sem dizer absolutamente nada sobre mim. Nos encontramos nas refeições e sempre conversamos sobre diversos assuntos, mas nunca tocamos em assuntos secretos.

  Então, na tarde de sexta feira, nos vestimos com luxo e partimos na maravilhosa carruagem. Thomas estava deslumbrante com seu terno impecável e exalava sedução. Lady Clarisse usava seu vestido novo, assinado por Madame Desirée, cinza escuro, cravejado de pedrarias. Ostentava também jóias de alto padrão.
  Ela estava radiante.
  Eu, por minha vez, também estreava um vestido de Madame Desirée, de cor lilás, tão claro quanto chá de lavanda. Mais uma vez, fui presentada com jóias dos Cumberlands. Pequenas safiras que enfeitaram meus brincos, meu colar e até um pequeno diadema. Me senti uma verdadeira princesa.
  Quando descesse da carruagem, duvido muito que alguém me reconheceria.
  O frio ainda ameaçava a todos, afinal era um Baile de Inverno, então todas as nossas roupas luxuosas eram extremamente quentes. Além disso, carregamos também peles e casacos a altura de Cumberland's Hall.

  O breve percurso até a mansão Dawson foi entretido pela ansiedade de Lady Clarisse. Thomas raramente dizia algo. Ele se limitava a um sorriso e desviava o olhar.
  Eu percebia que ele estava ansioso. Era um grande baile e ele estaria em evidência ali também. Havia um grande interesse na sua presença em um Baile. Lorde Dawson o convidou pois conhecia o prestígio de um Cumberland em sua festa.
  Quando finalmente vimos o movimento na propriedade dos Dawson, senti um arrepio na espinha. Olhei para Thomas e seu olhar era espelho do que eu sentia. Ansiedade.
  A carruagem logo parou e a porta foi aberta. Thomas desceu primeiro e fez questão de oferecer a mão para que Lady Clarisse descesse.
  Ela estava radiante.
  Logo foi a minha vez.
  Segurei em sua mão firme e desci da carruagem, sentindo o vento frio que chegava com o anoitecer. Thomas me olhava sem piscar.
  -- está deslumbrante esta noite -- ele sussurrou, quando me aproximei.
  -- a recíproca é verdadeira -- rebati, com um sorriso.
  Thomas me olhou de cima a baixo.
  -- essas jóias lhe caem muito bem. Acredito que será uma excelente Cumberland.
  Não pude evitar de sorrir e tocar o colar de safira que pesava ao redor de meu pescoço. Ajeitei a encharpe de peles clara que estava ao redor de meus braços, para ajudar com o vento frio.
  -- santo Deus, fizeram essa mansão no topo da colina, venta mais do que no litoral!-- ele comentou, ajeitando o cachecol.-- está um frio doloroso...
  -- é um baile de inverno, Vossa graça, o que esperava?
  Ele sorriu e caminhamos para dentro. Subimos as escadarias, onde um grande número de convidados também estava chegando. As pessoas não disfarçavam quando olhavam para nós e cochichavam. Vários convidados nós cumprimentaram educadamente.
  Quando chegamos a porta, Lady Clarisse já estava conversando com várias de suas amigas. Voltou-se para nós, sorrindo.
  -- oh, e este é o meu sobrinho, o Conde Thomas Cumberland, quarto Conde de Suffolk. E esta é Lady Amélia Pevensie, que nos acompanha.
  Meu corpo tensionou quando as três senhoras elegantes correram os olhos por nós dois.
  -- é uma honra, Vossa Graça -- a primeira se reverenciou, sendo imitada pelas outras.
  -- essas são minhas amigas, Lady Potter, Lady Randall e Lady Stuart. Estavam ansiosas por conhecê-lo -- ela continuou, apresentando suas companhias.
  -- fico honrado em conhecê-las -- Thomas respondeu, elegantemente, segurando a mão de cada uma delas.
  -- bem, Vossa Graça, o mordomo está apresentando os convidados logo no hall de entrada -- Lady Clarisse cochichou para ele, mas eu pude ouvir.
  Thomas concordou com a cabeça e seguiu até o tal mordomo. Entregou-lhe o convite e não demorou muito para que fossemos anunciados.
  -- Vossa Graça, o Quarto Conde de Suffolk, Thomas Cumberland. A Condessa viúva, Lady Clarisse Cumberland e também sua convidada, Lady Amélia Pevensie.
  Thomas encheu o peito, com sua postura impecável. A atenção do salão foi direcionada a ele. Lady Clarisse sorriu orgulhosa conforme adentramos o recinto.
  A Mansão estava movimentada, apesar do frio que estava lá fora, havia um contraste gigantesco com o aconchego que estava lá dentro. As lareiras e castiçais estavam acesos, havia uma orquestra tocando suavemente.
  Logo uma criada pediu que deixássemos nossos casacos com ela, pois não havia necessidade de tamanhas peles.
  Lady Clarisse me puxou pelo braço, quando Thomas foi chamado a uma roda de cavalheiros.
  -- Amélia, querida -- ela cochichou, apressada.
  -- diga, milady.
  -- aqui você não é criada, não é governanta e nem assistente pessoal do Conde. Me escute bem. Você é uma visita nossa, que está hospedada em nossa casa.-- ela recomendou, sussurrando desesperada.
  -- eu sei, eu sei... mas e se alguém perguntar minhas origens?
  -- diga que é de Norfolk, dos Pevensie. Ou minta. Diga que é uma conhecida do conde.-- ela respondeu, despreocupada.
  -- tudo bem.
  -- ele está com os cavalheiros. Então, aproveite para comer alguma coisa e conhecer pessoas.
  Eu respirei fundo, olhando ao redor.
  A mesa do banquete estava transbordando. Haviam casais dançando, crianças correndo de um lado para o outro e muitas pessoas elegantes, que apenas observavam o local.
  A Elite estava ali. A alta sociedade do Condado.
  Engoli em seco.
  Lady Clarisse se encontrou novamente com suas amigas e saíram conversando sem se preocupar com nada.
  Eu estava sozinha. E uma onda de ansiedade surgia a cada segundo que passava. Respirei fundo para me acalmar. Logo alguém passou servindo taças com espumante e fui obrigada a aceitar.
  Dei um gole generoso, apreciando o sabor da bebida.
  Estava prestes a dar outro gole, quando senti a mão de alguém pousando em minha cintura.
  -- tome cuidado com essa bebida. É doce e saborosa, mas quando ela sobe, você não vai acreditar -- a voz de Thomas sussurrou ao meu ouvido, me causando um arrepio.
  -- obrigada pela atenção... mi lorde.
  Ele correu os olhos por mim, se fixando em meus olhos.
  -- oh, está ainda mais deslumbrante com essa luz... eu poderia pinta-la agora. Seria uma excelente quadro!
  -- não diga isso -- respondi, dando um passo atrás, percebendo que estávamos perigosamente próximos.
  -- oh, minha querida Amélia... você já foi minha musa uma vez. Poderia ser de novo.
  -- da primeira vez, eu não sabia que seria sua musa -- rebati, bebericando da taça.
  -- oh, verdade... eu sinto muito. Por isso estou te pedindo agora.
  Eu o encarei.
  Ele estava falando a verdade. Não havia em seu rosto, sinal algum de que aquilo fosse uma brincadeira.
  -- está falando sério?
  -- sim, estou. Quero que pose para mim. Eu preciso encontrar meu estilo de pintura. Já tentei inventar paisagens, mas não deu certo. Também pintei mesa de desjejum, árvores, janelas... bem, devo dizer que não me identifiquei com nada. Mas o quadro que pintei você, ele sim me deu resultado.
  -- não imaginava que fosse me pedir isso...
  Ele bebeu de sua própria taça, e deu um sorriso.
  -- eu posso pintar sem você saber de novo. Se não se importa...
  -- Thomas...
  Antes que dissessemos mais alguma coisa, a orquestra iniciou uma valsa e os casais se dirigiram ao centro do salão.
  Entre os convidados que assistiam, Lady Clarisse estava lá e nos encarava.
  -- acredito que minha tia quer que dancemos -- ele sussurrou, depois deu mais uma golada na taça e a deixou de lado -- quer dançar comigo?
  -- pensei que não dançasse, por conta de sua perna -- relembrei, afrontosa.
  -- oh... bem, minha perna realmente atrapalha a dança. Mas se você for gentil, podemos dançar tranquilamente.
  -- evitou dançar em seu próprio baile, de propósito?
  -- sim. É uma boa desculpa. Ninguém vai insistir demais. Porém, dessa vez, eu faço questão de dançar com minha parceira.
  Thomas sorriu e fez uma reverência, segurando em minha mão suavemente. Ele me conduziu até o centro do salão, onde alguns casais já estavam dançando.
  Segurei sua mão enquanto ele pousou a mão em minha cintura, sem parar de me olhar. A música que estava sendo tocada era de arrepiar, o ritmo nos embalou em uma valsa emocionante. Thomas se movia com cuidado, evitando movimentos rapidos, mas dançamos tranquilamente.
  Quando a música terminou, me dei conta de que, talvez, estávamos sendo óbvios demais. Afinal, ninguém dança sem parar de se olhar daquela maneira, além de um casal apaixonado.
  Logo a orquestra iniciou outra valsa, e Thomas me conduziu novamente. Essa melodia, no entanto, era mais lenta.
  -- pensei que tínhamos combinado de sermos menos óbvios em público -- comentei, quebrando o silêncio.
  -- oh, eu sinto muito -- ele lamentou, amargurado -- eu não posso evitar. Deve ter mais de cem donzelas aqui, neste baile... porém eu não me sinto a vontade de dançar com nenhuma delas. Amélia, querida... não me peça para te amar menos...
  Eu pisquei, desviando o olhar. Eu não suportaria seu olhar apaixonado me encarando daquela maneira. Entre a multidão que assistia as danças, estava Lady Clarisse com um sorriso enigmático nos lábios.
  Voltei meu olhar para Thomas.
  -- prefere ficar sozinha o resto do Baile?-- ele questionou, atento a mim.
  -- por que a pergunta?
  -- nós combinamos que faria apenas o que não te causa ansiedade. Está incomodada com nossa proximidade? Logo após essa dança, eu vou ficar com os lordes e te deixo em paz.
  Eu respirei, pensativa.
  Aquela era uma situação que me deixava ansiosa. Eu estava dançando com Thomas entre uma multidão de convidados. Meu nome facilmente estaria na boca daquelas pessoas.
  Mas olhei bem para Thomas, como ele estava feliz em estar dançando comigo naquele momento. Pensei em mim mesma. Eu estava feliz dançando com ele.
  Aquelas pessoas não importavam.
  Nada mais importava.
  Eu iria embora no domingo pela manhã e tudo acabaria. Talvez houvesse algum boato, mas não importava.
  A minha vida e minha felicidade importavam.
  -- a música acabou -- Thomas interrompeu meus pensamentos -- eu irei com os lordes.
  -- oh, não... por favor. Vamos dançar, pelo menos, mais uma.
  -- tem certeza?
  -- sim, eu tenho.
  -- se, a qualquer momento, não estiver mais confortável, me avise e iremos embora. Eu quero te ver bem.-- ele recomendou, sorrindo.
  -- eu estou bem. Apenas dance comigo.
  Logo a orquestra embalou mais uma valsa.
  Eu fixei meu olhar em Thomas e vice versa. Meu coração batia desesperado dentro de mim, meu corpo ardia por ele. Eu estava tão feliz em estar dançando com Thomas ali no meio do salão.
  Que simplesmente não me importei com nada mais ao meu redor.
  Dançamos uma valsa após a outra. Até que percebemos que estávamos dançando sozinhos no salão.
  A maioria dos convidados tinham se retirado para o jardim externo, onde a neve começava a cair.
  Olhamos ao redor e, praticamente todos haviam saído.
  -- oh, céus...-- murmurei, analisando o que acontecia.
  A grande porta do salão tinha sido aberta e o vento frio tomava conta de tudo. Os convidados, no entanto, estavam no jardim externo, ao redor de uma grande fogueira. O anfitrião dizia algumas palavras, havia comida e bebida sendo servidas e todos riam e comemoravam os primeiros flocos de neve da noite.
  -- dançamos todas as valsas...-- comentei, me afastando um pouco.
  -- vamos até lá fora com os outros?-- ele perguntou, dando um passo em direção a porta.
  -- vamos sim.
  Ele estendeu o braço e eu enlacei. Caminhamos até o jardim com os demais convidados, o discurso estava acabando e logo todos estavam com taça de champanhe em mãos. Houve um brinde e logo teve fogos de artifício.

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