Presentes

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Como ele tinha dito, se recolheu em seu escritório. Me deixando livre pelo resto do dia.
  Não cruzei com George no caminho então, imaginei que ele já tinha partido de Cumberland's Hall.
  Olhei pela janela de meu quarto, pude ver Lady Clarisse caminhando pelo jardim com uma pequena horda de convidados, sendo seguidos pelos nossos lacaios.
  Havia novos criados trabalhando ali.
  Diferente de quando eu era governanta, pois antes havia um pequeno número de arrumadeiras e lacaios.
  Mas estava sendo necessário uma equipe muito maior para gerir Cumberland's Hall. As vezes, eu via novas pessoas organizando as coisas pela mansão.
  Como os novos jardineiros, cavalariços, e até mesmo arrumadeiras.
  Suspirei olhando para a ordem que eles tinham. De certa forma, eu gostava daquilo.
  Me afastei da janela para contemplar a imensa pilha de caixas de presentes que tinham chegado para mim.
  Maeve tinha deixado tudo ali, a minha espera. Mas a agitação não permitiu que eu tivesse tempo e nem calma o bastante para me dedicar aquilo.
  Olhei bem para a primeira caixa. Quadrada, com um laço bem grande e dourado. Etiqueta e cartão no nome de Lady Dawson. Abri a caixa e me surpreendi com o que havia ali.
  O tecido era como algodão egípcio, flores em rendas delicadas, na cor mais branca que já tinha visto. Ergui a peça com cuidado, pois era um tecido fino. Era uma camisola.
  Meu rosto corou. Mesmo estando sozinha, eu senti vergonha.
  Num impulso, guardei de volta na caixa. Respirei fundo. Eu precisava abrir aqueles presentes, não podia ser tão tímida.
  Afinal, eu iria me casar em duas semanas.

  Voltei para a caixa. Ergui novamente a camisola, feita com o tecido mais fino e delicado que eu tinha visto na vida. E olha que eu tinha trabalhado em casas de família da aristocracia inglesa.
  A peça tinha mangas compridas com a renda decorada, era totalmente deslumbrante. Me aproximei do espelho e coloquei na frente do meu corpo, para ter uma ideia de como ficaria vestida.
  Então, Maeve entrou no quarto. Me assustando como se eu estivesse sido pega em flagrante de alguma coisa ruim.
  -- oh céus!-- exclamei, disfarçando.
  -- sinto muito, milady. Não sabia que estava aqui. Pensei que estivesse no jardim com Lady Clarisse.
  Eu não disse nada e continuei e disfarçar, escondendo a peça de roupa. Mas os olhos de Maeve eram ligeiros e sua classe muito admirável.
  -- oh, está abrindo os presentes?-- ela perguntou, enquanto estendia o vestido, que eu usaria no jantar, em um cabide. -- pensei que fosse chamar Lady Clarisse para acompanhar...
  -- acredito que ela tenha mais o que fazer. E além do mais, está me parecendo que são presentes um tanto... Digamos, íntimos.
  Maeve sorriu e continuou seu trabalho, separando tudo que eu precisaria para o jantar. Ela era uma excelente camareira. Era a minha criada pessoal e estava ali para fazer tudo por mim.
  Ela me acompanhava no banho e me vestia.
  Pensei melhor e não havia motivo para que eu estivesse envergonhada de abrir os presentes em sua presença. Eu confiava nela.
  Voltei para as caixas de presentes. E a cada uma que era aberta, mais meu rosto queimava de vergonha.
  As madames que eu conheci, ladies da aristocracia, tinham um grande apreço por mim e me enviaram presentes ousados.
  Finas camisolas e penhoares, meias calças e anáguas delicadas. Eu não tinha nada daquilo.
  Era o enxoval de uma noiva da nobreza.
  Me lembro de ter visto tais peças quando montamos o enxoval de Mary Bennet. Quando ela se casou, era normal que aquelas roupas íntimas estivessem sempre para serem lavadas e engomadas, mesmo que eu não fosse a responsável por aquilo, eu conhecia bem.
  Na casa de Lady Fernsby também era comum. Ela tinha várias filhas, que posteriormente se casaram e levaram seus enxovais.
  Mas eu não tinha pensado nisso, até aquele momento. Eu estava com meu casamento marcado, que aconteceria em duas semanas e não tinha meu enxoval pronto.
  Estendi todas as peças sobre minha cama e encarei uma a uma. Aquela altura, o rubor tinha passado e tinha me familiarizado com elas.
  Maeve se aproximou, após terminar seu trabalho.
  -- oh, céus! Camisolas para sua lua de mel, milady! Realmente são presentes íntimos!-- ela comentou, maliciosa.
  -- Maeve, querida... Olha só para isso...-- comentei, sem saber o que dizer.
  -- são peças lindas, milady... Provavelmente vieram da França. Olhe bem as rendas, que delicadas... Presentes excelentes, se me permite dizer.
  -- sim, claro. São perfeitos. Mas...
  --mas?
  -- até esse momento, eu não estava me lembrando que precisava disso. Toda euforia do baile de noivado, e Lady Clarisse com toda sua agitação... Acabou que eu não pensei nisso!
  Maeve me olhou, com um misto de confusão e pena.
  -- milady não tem o enxoval pronto?
  -- essas são as únicas coisas que eu tenho. E eu acabei de ganhar.-- confessei, totalmente envergonhada.
  -- oh... Céus.
  -- vossa graça retornou da cidade, estava na catedral, marcando a data do casamento, Maeve. Eu preciso resolver isso urgente.
  -- quando é o casamento?
  -- daqui duas semanas.
  Maeve abriu a boca de surpresa, mas logo a fechou. Se esforçou para não me deixar ainda mais ansiosa.
  -- bem, milady... Podemos ir até a cidade. Ou chamar Madame Desirée.
  -- precisamos ir até a cidade urgente. Eu tenho minhas economias. Consigo montar um bom enxoval, prático.
  -- economias?-- ela questionou, erguendo uma sobrancelha.
  -- sim, eu trabalhei por anos e quase não gastava dinheiro. Tenho uma reserva para emergência.
  -- se me permite, milady, não diga bobagens. Você é a noiva do Conde. Ele é o homem mais rico que tem nesse Condado. Não precisa de suas pequenas economias para comprar camisolas!-- ela me corrigiu de forma autoritária, o que me surpreendeu.
  Fiquei calada, diante de tamanho choque. E Maeve percebeu o que tinha feito.
  -- eu sinto muito pela ousadia, milady -- ela lamentou, envergonhada.
  -- deixemos isso de lado, Maeve. Me ajude a guardar tudo isso, por favor. Vou pedir uma carruagem para nós.
  Eu saí do quarto, pensativa. Tive muito a se pensar após abrir aqueles presentes. Uma noiva prestes a se casar tinha muito a fazer.

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