Visita ao velho amigo

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  Senti um arrepio pelo meu corpo quando percebi que tudo estava exatamente da mesma maneira. Cada lustre, cada castiçal e cada tapete. Nada tinha mudado ali.
  As lembranças do tempo que vivi naquela casa surgiram, ainda mais vivas e nostálgicas. Conforme andamos até a sala de estar, eu podia me lembrar de tudo que tinha vivido ali. Tanto coisas boas quanto coisas ruins.
  O mordomo parou ao lado da porta da sala de estar e eu segurei no braço de Thomas, para mostrar que eu estava ao seu lado.
  -- Lorde William Bennet, temos a honra de receber nessa manhã, vossa graça, o Conde Cumberland de Suffolk -- o mordomo anunciou, com a classe de um serviçal do rei.
  Andamos até a sala e minha boca se abriu quando vi William. Ele estava em uma poltrona, lendo um jornal, e no instante que seus olhos nos viram, ele soltou o jornal.
  Não havia mais ninguém ali, ele estava só.

  Olhei imediatamente para Thomas, em busca de alguma reação sua.
  Ele também estava boquiaberto. Não sei dizer o que ele estava pensando, eu daria tudo para saber.
  -- por todos os santos -- William exclamou, se levantando calmamente -- não posso acreditar no que meus olhos vêem!
  -- como vai, William? É um prazer te ver novamente...-- eu cumprimentei, quando ele deu alguns passos em minha direção.
  William segurou meu rosto entre as mãos e logo me abraçou.
  -- eu não te vejo há anos... Não imaginava te ver aqui, Amélia...-- ele sussurrou, perplexo.
  Thomas continuava mudo, apenas olhando atentamente para tudo que acontecia.
  William me soltou e foi até ele. Ficou frente a frente e segurou seu rosto entre as mãos, assim como fez comigo.
  -- oh...Thomas... É você mesmo?-- ele perguntou e eu vi as lágrimas escorrerem pelo seu rosto.
  -- sim, eu sou...
  -- meu Deus... Como?-- ele questionou, descendo as mãos até seus ombros -- pensei que estivesse morto...
  Thomas forçou um sorriso e disse:
  -- então você é William Bennet, meu amigo?
  -- bem... Eu costumava ser -- William brincou, abraçando ele naquele mesmo instante. Depois soltou e continuou:-- onde esteve esse tempo todo? É um Conde agora?
  -- sou o Conde de Suffolk.
  -- pelo que me lembro, seu primo seria o próximo conde -- William rebateu, guiando-nos até o sofá -- sentem-se aqui. Me conte o que aconteceu...
  -- é uma longa história -- Thomas respondeu, sentando ao meu lado.
  -- por favor, me diga que vai me contar.
  William respirou fundo, sentando em sua poltrona novamente. Ele tinha mudado pouca coisa, estava um pouco mais velho, mas não tinha sido uma grande mudança. Estava bem vestido e em seus olhos havia uma solidão estampada.
  -- ora vamos, eu preciso saber o que houve -- ele insistiu, esfregando as mãos.-- onde esteve esse tempo todo? Por que não veio me ver?
  -- bem...-- Thomas começou, respirando fundo -- espero que entenda que não foi culpa minha. Estou pensando em uma maneira de te explicar.
  -- ora, Thomas, diga logo.
  -- todos pensaram que eu fui morto naquele ataque. Porém, eu sobrevivi.
  -- bem, estou vendo.
  -- mas eu fiquei com sequelas.-- Thomas resumiu, e sua voz estava trêmula e fraca.-- quando eu tive alta do hospital, não me lembrava de quase nada. Me mandaram para casa com alguns fragmentos de memória. Eu não voltei, William, porque simplesmente perdi as minhas memórias.

  William se ajeitou na poltrona e estava sem palavras. Ele piscou, tentando assimilar. Então, Thomas continuou:
  -- eu tentei me lembrar das coisas e aos poucos, me lembrei de algumas. Mas não conseguia viver minha vida, sem me lembrar de quase nada do que vivi. Então, voltei para o exército. E fiquei lá até que meu tio falecesse e fosse obrigado a assumir o Condado.
  -- oh, céus!-- lamentou William -- eu sinto muito por tudo isso!
  -- eu me esqueci de você e de Amélia. Mas eu me lembrava de ter tido um amigo leal. E de ter amado alguém. Eu posso ter me esquecido dos seus rostos, mas não me esqueci do que me fizeram sentir.
  Meus olhos lacrimejaram. Senti meu peito apertado. William se levantou e o abraçou.
  -- eu senti tanta a sua falta...-- ele falou, com a voz chorosa -- oh, Thomas... Comunicar sua morte a Amélia foi a coisa mais difícil que eu fiz na minha vida!
  -- obrigado por cumprir sua promessa -- Thomas respondeu, verdadeiramente grato.
  -- meu amigo... Eu sinto muito pelo que aconteceu...
  -- não se preocupe.
  William segurou nossas mãos.
  -- como vocês se encontraram, se Thomas não se lembra de nada?
  -- o destino.-- respondi.
  Ele sorriu.
  -- sempre o destino. O amor de vocês está predestinado. Eu teria me casado contigo, se fosse preciso, se você não tivesse encontrado ninguém. Eu cuidaria de você até meu último dia, Amélia. Eu prometi a ele que cuidaria de você.
  -- sou grato por tudo, William...-- Thomas continuou, ainda envolto nas emoções-- quando Amélia me disse que você era meu melhor amigo e tudo que fez por ela, eu soube que precisava vir te ver.
  -- Mary me escreveu dizendo que você está morando aqui e viemos imediatamente.-- completei.
  -- oh, sim. Mary Fersnby vive com o marido longe daqui e raramente a vemos, mas ela sempre escreve.
  -- se me permite, onde está Lady Caroline?
  -- bom, acredito que nos braços do Senhor nosso Deus.-- ele respondeu, amargamente.
  -- oh, céus... Eu sinto muito.-- minha voz se embargou em tristeza.
  -- ela estava viajando com meu pai e contraíram febre amarela. Ambos partiram há seis meses.
  Sua amargura se apoderou de mim. Meus olhos se encheram de lágrimas ao pensar em Lorde e Lady Bennet.
  -- eu sinto muito...-- consegui dizer.
  -- eu fiquei com essa casa e tento seguir minha vida. Mary está com o marido, assim como Helen e Sophie tem suas famílias. Está cada um em um canto.-- ele comentou, com voz amargurada e cheia de lamento.
  -- não se casou?
  -- sim, me casei. Tenho dois filhos. Edward e Elise. Minha esposa foi visitar seus pais em Londres, e os levou consigo. Ela detesta passar o inverno aqui.-- ele contou, num suspiro.-- assumi a maior parte dos negócios de meu pai e estou seguindo minha vida, da maneira que posso...
  -- oh...-- resmunguei, sem saber o que dizer.
  Thomas se ajeitou no sofá, visivelmente incomodado e envergonhado.
  -- William, meu amigo, você é o único que deve saber da minha vida... No momento, ainda mais do que eu. Eu gostaria que me ajudasse a me lembrar.
  -- oh, Thomas... Se passaram tantos anos, mas eu ainda me lembro de tudo.

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