Desci as escadas em silêncio. Podia ouvir que havia visitas em Cumberland's Hall, assim como Boyle tinha informado. Sorte que algumas alas da mansão eram restritas.
Caminhei cuidadosamente até o escritório de Thomas, onde ele provavelmente estaria. Eu raramente ia lá.
Respirei fundo e quando intentei bater, ouvi vozes lá dentro.
--... não diga isso, Thomas! Eu a vi chorando pelos corredores!-- me pareceu a voz de Lady Clarisse, histérica.
-- eu sei o que viu. Mas eu não sei o que houve...
-- a pobrezinha saiu aos prantos da galeria, onde estava a sós contigo desde antes do almoço! Não me diga que...-- Lady Clarisse o acusou, ainda furiosa.
-- oh, céus, tia Clarisse! Não ouse pensar uma coisa dessas de mim -- o tom de voz de Thomas se alterou.
-- eu irei até ela, ouviu bem? Ela vai me contar o que houve! E se você tiver alguma coisa a ver com isso, eu vou voltar!
-- se ela te contar o que houve, volte aqui e me conte! Eu adoraria saber!-- ele retrucou.Eu corri e me escondi em uma sala vizinha, ao perceber que ela estava saindo do escritório.
Lady Clarisse abriu a porta com violência e saiu pisando duro, completamente furiosa.
Como eu temia, ela tinha me visto. Na hora, eu nem me preocupei, mas depois me dei conta de que tudo que acontece em Cumberland's Hall, chega a seus ouvidos.
Pensei em desistir da conversa e fugir dali.
Mas já estava perto do escritório, não podia dar para trás assim. Então reuni minhas forças e fui até a porta.
Lady Clarisse tinha deixado a porta aberta e Thomas ainda não tinha fechado. Eu me aproximei e dei de frente com ele. Thomas estava de pé, com as mãos na cintura, completamente atordoado.
Nossos olhos se cruzaram e houve um segundo de silêncio.
-- Amélia...-- sua voz saiu embargada.
-- me desculpa, Thomas... eu sinto muito -- eu interrompi, entrando no escritório.
Sem dizer nada, ele foi até a porta e a fechou. Depois veio até mim, ficando frente a frente.
-- eu precisava vir até aqui te pedir desculpas...-- continuei, me esforçando para o choro não sair.
-- você não me deve desculpas, minha querida.
-- sim, eu devo. Não devia ter saído daquele jeito. Eu ouvi Lady Clarisse, instantes atrás. Ela ficou furiosa contigo e...
Ele balançou a cabeça negativamente.
-- ela se preocupa demais com você. Eu não a culpo. Eu não tive tempo para pensar em uma boa história. Lamento.
-- eu te provoquei daquela maneira... porque eu queria você. Eu desejava você!-- eu me expliquei, ansiosa -- mas de repente...
-- Amélia... não precisa...
-- preciso, Thomas. Eu preciso -- interrompi -- eu preciso que veja, eu sou tão quebrada quanto você. Eu estou cheia de sombras. Estou...-- fiz uma pausa procurando as palavras certas -- eu ainda estou me remendando.
Thomas estendeu as mãos para mim.
-- eu entendo. Eu entendo você. Quando você me empurrou, eu percebi na hora. E me arrependi também. Eu não devia ter feito isso.
-- você não percebe que talvez isso dure para sempre?-- eu constatei, amargamente.
Ele não respondeu, mas não tirou os olhos de mim.
-- já faz anos que isso aconteceu. Vários anos. E mesmo assim, quando me segurou em seus braços daquela maneira, foi como se eu estivesse de novo naquele jardim. Talvez eu nunca mais seja capaz de viver sem estar retornando sempre ao jardim dos Bennet. Eu sinto muito.
Thomas piscou.
-- eu posso te dar um abraço agora? Já está mais calma? Eu prometo não apertar demais -- ele perguntou, de forma carinhosa.
Eu apenas concordei com a cabeça. Logo ele me abraçou. Inclinei a cabeça em seu peito, adorava me aninhar daquela maneira.
-- se eu não puder te abraçar daquela maneira, eu não me importo. Se você se sentir insegura comigo, eu não vou ficar magoado. Amélia, querida, saiba que eu te amo apesar de tudo. Eu te amo mesmo sem memória. Eu te amo.-- ele sussurrou, ainda muito carinhoso -- quando estiver voltando ao jardim, me avisa. Eu prometo não te abandonar lá sozinha. Você não precisa passar por isso sozinha.
Eu fechei os olhos, sentindo seu coração batendo.
Eu amava estar ali dentro de seu abraço. Queria que nada tivesse acontecido, queria ter aproveitado seu abraço.
-- eu te amo -- respondi, ainda grudada nele.
-- agora vá encontrar Lady Clarisse. Pense em uma boa história para convencê-la.-- ele mudou de assunto, se afastando -- ela prometeu voltar aqui para acabar comigo. Então seja bem convincente.
Eu não pude evitar um sorriso.
-- querida... temos um baile no final de semana. Se anime. Você sabe que esse assunto vai alegrar minha tia.-- ele acrescentou.
-- nada como um baile pra mudar os ânimos de Lady Clarisse.
Thomas sorriu de canto.
-- estou indo. Nós nos veremos no jantar?
-- sim, minha querida.
Eu saí do escritório, me sentindo bem melhor do que quando entrei. Thomas estava comigo. Não havia dúvida alguma sobre seu amor por mim e isso me confortava.
Apesar da raiva que eu sentia de mim mesma, eu sabia que não precisava me preocupar com Thomas a respeito dos meus traumas.
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Entre As Memórias E Os Pincéis
RomanceA história de Amélia Pevensie, uma jovem criada de uma casa de família, que conhece o apaixonante Lorde Cumberland na sua adolescência. Uma breve paixão arrebatadora inunda seus corações, mas infelizmente o destino os afasta sem piedade. Sete an...