55 Golpe Baixo

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O pau vai tora

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A solidão daquela noite de verão lhe consumia e só fazia potencializar a sua angústia. A suposta calmaria das últimas semanas a estava deixando incomodada. Se havia algo que ela aprendera ao longo de séculos de existência era a de que longos períodos de tranquilidade sempre vinham seguidos de tormentas terríveis.

Parecia doentio, mas ela chegava até mesmo a ansiar para que algo acontecesse e lhe tirasse da quase inércia e do ócio que lhe deixava tempo livre demais para ter pena de si mesma, se odiar e se machucar cada vez mais O pacote masoquista completo. As missões bem sucedidas se acumulavam uma após a outra e o Martelo vinha sofrendo derrotas consecutivas, mas nem esse bom momento lhe roubava a amargura. Exceto por alguns raros momentos de verdadeira felicidade ao lado de Manu, Caroline vivia a maior parte do tempo mergulhada em pura autocomiseração.

E desde que recebera aquela primeira foto de Carolana mostrando tudo o que mais temia, que seu já frágil autocontrole estava prestes a ultrapassar todos os limites.

Ao longo das quatro últimas semanas vinha recebendo relatos e registros fotográficos e de vídeo acerca dos últimos passos de Rosamaria e, para seu total desespero, ela estava contando cada vez mais com a presença muito próxima de Cristal.

Nem mesmo o poderoso teor alcoólico de seu Macallan 12 anos, conseguia mais lhe entorpecer, mesmo tendo finalizado uma garrafa inteira. O máximo que sua imortalidade lhe permitia era uma leve pressão na cabeça e um incômodo desagradável no estômago. Contudo, essas sensações muito bem poderiam se dever ao vídeo de pouco mais de um minuto que já perdera a conta de quantas vezes já havia visto. Nele Rosamaria esteva envolvida pelos braços de Cristal que desferia pequenos beijos no pescoço dela. Ambas estavam numa praia, acompanhadas por um grupo de várias mulheres em um final de tarde lindíssimo.

Repetir aquele vídeo era uma espécie de tortura doentia a qual se submetia. Sentia cada célula de seu corpo ser consumida por uma dor quente e uma vontade sobre-humana de por fim a vida daquela mulher que ousava tocar sua Rosamaria tão intimamente.

“Sua Rosamaria!” Riu debilmente diante daquela frase e dos significados que ela poderia ter. Havia vivido muito e aprendido muito com as mudanças sociais e culturais para ter o conhecimento racional de que ninguém é dono de ninguém. Contudo, ela mais do que ninguém sabia que a sua vida estava profundamente ligada à de Rosamaria, pois tinha a certeza de que a outra era a dona da sua vida e de sua felicidade. Fora assim há mais de trezentos anos atrás e estava sendo novamente. Tudo nela pertencia àquela alma, que naquele instante, estava tão distante.

Pegou-se questionando se doía mais a amarga e incerta espera que experimentou por tanto tempo, ou tê-la reencontrado e precisar se afastar. Ter finalmente voltado a provar o doce e puro sabor da felicidade, e ter de maculá-lo daquela forma tão violenta.

“Mas é para o bem dela!” Repetiu aquela frase que já estava quase se tornando o seu mantra, pois a mencionava ou pensava nela cada vez que a dor do afastamento apertava. Ou seja, praticamente a todo instante.

Sorriu de sua própria desgraça. Sabia que não tinha direito algum de atentar contra a vida de Cristal, pois a moça não estava fazendo nada de errado. Nem tão pouco Rosamaria. Ela estava solteira e livre de qualquer tipo de compromisso implícito com Caroline. Sabia que ela mesma havia providenciado isso.

Com aquele famigerado vídeo sendo reproduzido em loop, leu novamente a sequência das três mensagens que recebera naquela manhã de Carolana, uma das agentes da Ordem e de quem só soube da existência, após decidir que teria de se afastar de seu grande amor. Sheila havia lhe contado que havia uma pessoa muito próxima a Rosamaria nos EUA em quem Caroline poderia confiar cegamente. Era Carolana! Alguém que fora recruta por S e Susan quando ainda estava na faculdade. O estreito laço de amizade seria muito útil às intenções da Ordem. De fato, Caroline ficou possessa a princípio, com aquela informação lhe sendo omitida daquela maneira, mas logo percebeu que a sabedoria de Sheila parecia não ter limites.

ALÉM DESSA VIDAOnde histórias criam vida. Descubra agora