Leah
Ele segurou minha cintura, puxando-me para perto, e me encarou fixamente, com aqueles olhos quase esverdeados que pareciam cansados.
Nossos rostos estavam pertos, e eu podia sentir o cheiro de sua loção para barbear. Sua mão tocava meu rosto, e eu não me mexi. Em parte, porque estava bêbada demais, e não queria cair, e em parte, porque estava com medo. E nervosa. O que ele estava fazendo?Notando minha expressão, ele se aproximou, suas mãos me puxando mais para perto, e beijou minha bochecha pelo o que pareceu um tempo enorme.
Nos encaramos por alguns instantes, rindo, e me perguntei quanto eu havia bebido, afinal.
Fiquei parada observando-o descer as escadas, e então abri a porta do apartamento, jogando-me no sofá sem me preocupar em tirar os sapatos.
Minha cabeça latejava, e eu tinha certeza que havia dormido de mau jeito.Alguém me sacudia repetidamente, o que me fez abrir os olhos. Coloquei o cobertor no rosto, incomodada com a luz.
- Leah - ouvi a voz de Rebeca, num tom alto que me dizia que ela estava bastante preocupada.
Me sentei no sofá, com os olhos parcialmente fechados, enquanto ela colocava uma xícara de café em minhas mãos.
- Papai me disse que você saiu correndo de lá. O que aconteceu?
A encarei, bebericando meu café amargo, e então me lembrei de tudo sobre a noite anterior, inclusive as partes que eu não queria.
Derrubei a xícara, e o café quente respingou em minha blusa, e queimava. Ignorei a ardência em minha pele, e me forcei a respirar.
Minhas mãos começaram a tremer, e Rebeca se sentou ao meu lado, me segurando.
- Lee, o que aconteceu? Você pode me dizer...
Ela tentava me tranquilizar enquanto limpava o café que eu derrubara, e me fazia centenas de perguntas iguais.
- Ele voltou, Bec. - digo, algum tempo depois, e então todo o entorpecimento resultante do porre da noite anterior se desfaz, e eu me lembro. Começo a chorar meio descontroladamente, e Rebeca me encara, preocupada - Marcus voltou.
Lembrei-me de como ele havia aparecido na lanchonete na noite anterior, e achei que minha cabeça fosse explodir. Ou que tudo em mim fosse explodir.
- Fica calma. Aquele desgraçado não pode te machucar. - Rebeca me garantiu, confiante - Se ele chegar a um metro de você, eu mesma acabo com ele na hora.
Assenti, mais para confortá-la, porque na verdade eu ainda estava apavorada.
- Espera... Pra onde você foi ontem a noite? Depois que deixou nossos pais desesperados de novo? - ela tentou deixar a pergunta com um tom de brincadeira, mas eu sabia que estava preocupada, e que minha resposta não a deixaria satisfeita.
- Eu... - Comecei, sentindo meu rosto queimar ao me lembrar do que acontecera na escada. Ou quase acontecera. Na verdade eu não tinha certeza, porque tudo sobre a noite anterior parecia um pouco confuso.
- Lee - Rebeca pressionou, levantando a sobrancelha de um jeito que só ela conseguia.
- Eu entrei num bar. E bebi. E peguei um táxi com alguém - admiti, resumindo a noite a isso, porque era a única coisa que me parecia certa, mas ela pareceu adivinhar pelo meu rosto que havia mais que isso.
- Leah, você não pode se meter com esses garotos de novo - ela suspirou, e eu sabia a que ela se referia. Esses garotos eram os perigosos. Garotos como Marcus. E, talvez, como Mick.
- Não vou - prometi, apertando sua mão - Eu só precisava me distrair. E agora preciso de um banho.
Rebeca me abraçou, dizendo que tudo ia ficar bem, e concordei, mesmo não acreditando nem um pouco naquilo.
Então peguei uma toalha, meu pijama favorito, e me enfiei embaixo do chuveiro, garantindo à ela que sim, eu conseguia subir aquelas escadas.
Esfreguei minha pele até deixá-la vermelha, tentando tirar os rastros de Marcus. Os lugares onde ele havia me tocado, e imediatamente me lembrei de Mick Young. Que diabos havia acontecido na noite anterior?
Senti meu rosto queimar ao me lembrar da forma como havíamos dançado. E de como ele me segurara. O que fora aquilo, afinal?
Lembrei-me, então, do que ele dissera a Tray, o garoto das tatuagens e cabelo colorido.
Eu não ia me importar com a opinião dele. Como eu havia prometido na noite em que fugi de Marcus, eu nunca mais deixaria garoto algum me atingir. E eu pretendia cumpri-la.
Minha pele já estava enrugada quando saí do chuveiro, mas eu ainda me sentia suja. Eu ainda não conseguira tirar todos os rastros de Marcus do meu corpo. O modo como ele segurara meu braço e aproximara seu rosto do meu, mergulhando a mão em meu cabelo. Sentindo que ia vomitar, me sentei no vaso, e me forcei a respirar.
Limpei as lágrimas que ameaçavam cair, e tirei uma tesoura da gaveta do banheiro, dividindo meu cabelo, com o pente, em algumas mechas desiguais, e o cortei da melhor maneira que consegui.
Depois de secá-lo de qualquer jeito, escondi meu cabelo com uma touca qualquer e me joguei na cama.
Eu tinha o dia todo livre, e pretendia passá-lo dormindo. Ou pelo menos tentar, porque aquela dor de cabeça estava me matando.
...Rebeca estava de folga, por isso passamos o restante da tarde tentando cozinhar alguns bolos confeitados - que na verdade não ficaram tão ruins - e assistindo reprises de Dr. House, nossa série favorita.
Na verdade, acho que ela estava tentando me animar, porque parecia estar excepcionalmente bem-humorada.
À noite, comemos algumas fatias de bolos e fizemos pipoca, quando ela disse que precisava falar comigo, com aquele olhar sério que me dizia que eu não poderia fugir.
- Nossos pais querem conversar com você, Leah.
Me levantei abruptamente, não escondendo o medo em minha voz.
- Você não contou a eles, não é, Bec?
- Não - ela respondeu, calma, e me olhou como se eu tivesse apenas 5 anos - mas acho que você deveria. Só converse com eles. Você sabe como estão preocupados. Papai...
- Ok - suspirei, a interrompendo, porque eu não queria pensar naquilo.
Então me concentrei em me preocupar com o que diria a eles sobre a forma como havia ido embora no dia anterior.
Digitei o número dos meus pais no telefone, demorando um pouco para discar, e só então percebi que eu estava com medo daquela conversa.
- Mãe - comecei, sem saber muito bem o que dizer, mas sabia que seria ela quem atenderia, porque papai provavelmente ainda estava no trabalho naquele horário.
- Querida, o que aconteceu? Você foi embora sem avisar...achei que passaria o final de semana conosco. - ela parecia preocupada, mas notei um tom de repreensão em sua voz, como se não estivesse contente com aquilo, e instantaneamente me arrependi de ter ido embora sem dizer nada.
- Desculpe. Eu tive uns problemas, e precisei voltar.
Aquela era uma desculpa horrível, eu sei, e ninguém cairia naquilo, mas não consegui pensar em mais nada. Eu queria dizer mais alguma coisa, mas eu não sabia como. Ou o que.
- Seu pai também ficou muito preocupado, Leah. Sei que você teve um rompimento ruim com Marcus, mas não precisava fugir assim.
Se ela soubesse...
- Eu não quero mais vê-lo, mãe. - falei, com certa urgência.
- E não precisa, querida. Mas não nos afaste de você...estamos com saudades.
- Também estou. Vocês podem vir pra cá, um dia...
Eu realmente sentia falta deles. Morar com Rebeca era ótimo, mas eu estava com saudades de meus pais.
- Claro, vou falar com seu pai. Como está a escola, querida? E o time de natação?
Eu havia dito a eles que me inscreveria, mas eu sequer conseguia entrar na piscina. Eu estava uma bagunça.
-Está bem. Mãe, preciso estudar um pouco, vou desligar. Diga ao papai que estou com saudades.
-Tudo bem. Nós te amamos. E não se meta em encrencas.
Me lembrei da noite anterior, segurando uma risada, e desliguei.
- O que você fez com seu cabelo? - Rebeca perguntou, com os olhos arregalados.
Tirei a touca, mostrando à ela. Não estava tão ruim assim, vai...
- Nossa. Se queria uma mudança de visual, devia ter me dito. Deixa eu arrumar isso.
Me sentei no sofá enquanto ela colocava uma toalha em meus ombros e ia buscar uma tesoura.
Rebeca terminava a faculdade de Moda numa faculdade do município vizinho, mas era ótima com cabelos.
- Não corte demais - eu a adverti, com um pouco de medo. Ela podia ser muito "criativa" às vezes.
- Você já cortou demais, Leah - ela riu, segurando uma mecha.
- Obrigada - eu disse, sarcástica, e observei o resultado no espelhos.
Não estava ruim, na verdade. Apenas um pouco...curto demais em comparação à como estava antes.
Dei um beijo de boa noite em sua bochecha, e coloquei a touca de volta, sorrindo.
Eu havia dormido boa parte da tarde, e ainda estava cansada. Então era esse o resultado de umas boas garrafas de bebida, pensei, mal-humorada.
Me joguei na cama, pegando os fones de ouvido, e instantaneamente procurei por aquela música do 30 seconds to mars.
Me lembrei da forma como eu havia dançado, e senti meu rosto queimar.
Eu precisava parar de pensar naquilo.
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Perto do limite
Roman d'amourEu passei muito tempo tentando entender o que essa história representa - para os leitores e para mim, mas acho que, no fim, é uma história sobre se apaixonar. Sobre como o amor pode trazer de volta cores para uma parte da sua vida que estava em somb...