Leah
Eu sabia que não deveria ficar brava. Não com Mick, pelo menos. Era só uma pergunta, afinal. Qualquer outra pessoa não se importaria.
Mas eu estava brava. Comigo mesma, talvez, e com o fato de aquilo ainda me afetar. De o passado ainda me afetar. Porra, eu achei que havia deixado pra lá, como todo o resto que deixei para trás.
Mas então, eu percebi. Só porque você enterra algo no fundo de sua mente - em um lugar em que nem você mesma deveria, supostamente, conseguir chegar - não significa que aquilo vai deixar de existir. Porque não deixa. Você lembra, e relembra o tempo todo - e aquilo te machuca.
Céus, o passado nos persegue. Como porcarias de cicatrizes que parecem não ir embora.
Eu sabia que havia algo de errado - o clima estranho na casa de Mick poderia ser identificado à distância, e ma parecia quase palpável, mas não me atrevi a perguntar. Perguntas podem gerar outras perguntas, e eu não estava preparada para aquilo. Para falar, me abrir ou seja lá como chamem.
Eu não sabia como definir a coisa com Mick, mas certamente não podia ser amizade, porque ter amigos significa contar coisas, compartilhar segredos, problemas e sua vida particular - meio irônico, eu sei. E eu não podia deixar ninguém entrar. Não com toda a bagunça que eu era, ou carregava.
E nós havíamos nos beijado. Não, aquele não fora só um beijo. Céus, ele realmente sabia o que estava fazendo. E eu havia gostado.
Aquilo não era nada bom, mas eu havia pensado que, sei lá, se pudéssemos manter as coisas como estavam...
Eu gostava de ouví-lo tocar. E de me embebedar com ele. E de beijá-lo. É, eu meio que gostava dele. Mas não podia deixá-lo chegar muito perto.
E tudo estava ok, até ele perguntar.
Tudo bem, fora eu quem havia começado. Eu não queria dar uma de enxerida, mas depois de notar o modo como ele e seu irmão - pelo menos eu achava que fosse, já que eles eram um pouco parecidos - se encaravam, e o fato de Mick parecer realmente irritado, eu podia dizer que algo havia acontecido entre eles.
Eu já havia visto o machucado em seu olho. Era impossível não notar, já que estava bem feio. Mas, nossa, nem aquilo conseguia deixá-lo mal. Aquele idiota ainda continuava atraente. Ugh.
E então, ao ver o maxilar inchado e meio colorido em tons azuis e arroxeados de seu irmão, foi fácil deduzir que haviam brigado.
E eu perguntei. Eu sei, foi completamente idiota. Mas eu não esperava que ele fosse perguntar também. E ele o fez.
Eu já tinha visto Mick com raiva. Uma vez, no começo daquele ano, eu estava escondida, tentando fugir de uma aula de educação física na piscina, quando os vi perto das arquibancadas. Um grupo de garotos que eu não conhecia havia encurralado Luke - o garoto de óculos que cantava na banda, e tinha um visual meio alternativo - e a julgar por suas expressões, era meio óbvio que queriam briga. Quatro a um. Meio covarde, eu sei.
Então Mick havia aparecido - ele segurava um cigarro aceso nas mãos, e eu lembro disso porque sempre odiei cigarros - e parecia confuso com a cena. Me lembro de ter pensado em ir embora, mas minha curiosidade era maior.
Sai na metade da briga, quando alguns deles começavam a sangrar, mas não antes de ver sua expressão, que parecia de pura raiva.
E então, quando lhe perguntei no carro sobre quem o havia machucado, eu vi algo parecido com aquilo. Eu não era idiota e sabia que a expressão não era dirigida a mim, mas ainda assim, quando ele usou aquele tom - irritado - eu pude notar a pitada de dor. Mick estava triste, por algum motivo, e eu me senti mal por ter tocado no assunto.
Imediatamente desejei voltar ao momento em que estávamos rindo na cama, e ele me parecia só um garoto - atraente, engraçado e sedutor. Não alguém com bagagem. Alguém como eu.
Então ele me perguntou sobre minha cicatriz - aquela coisa horrorosa que cobria uma boa parte de minha bochecha, e que eu desistira, há algum tempo, de tentar cobrir com maquiagem. Primeiro porque era inútil, e segundo porque eu não queria perder tempo com aquilo. Eu queria fingir que não importava - até não importar.
Tentei agir como se não significasse nada - eu não queria paracer uma garota boba, mas acho que ele percebeu. Droga, eu ainda deixava aquelas coisas me afetarem. E as lembranças, que vinham como uma enxurrada. Era como se eu estivesse sufocando.
Tentei não encará-lo - eu só precisava me concentrar, e tudo ficaria bem, mas eu podia sentir seus olhos sobre mim.
Ele disse algo durante o caminho, mas eu não podia escutá-lo. Eu precisava me concentrar, ou acabaria quebrando.
Desci do carro rapidamente, sentindo o ar frio vir em minha direção, e era bom. Eu podia respirar.
- Leah - ele me chamou, mas eu parecia estar longe. Em outro lugar, talvez. Porque minha mente estava há quilômetros dali - Escute.
Então ele me puxou para perto, em direção aos seus braços, e eu tive que olhar em sua direção. Mick parecia preocupado. Na verdade, parecia bastante preocupado, e aquilo me fez gostar um pouco mais dele.
- Não é da minha conta - ele disse, mas parei de escutá-lo. Eu só estava prestando atenção em sua presença, e no quanto estávamos próximos. E no fato de aquilo ser bom.
Então ele começou a bagunçar meu cabelo, o que me fez rir. Mick era tão...adorável. Não, meu Deus, aquela não era uma palavra para ele. Mas não havia outra para descrevê-lo.
- Tá tudo bem - eu disse, alguns instantes depois, consciente do fato de meus pais estarem em casa, há apenas alguns metros de nós, e poderiam sair a qualquer momento - Não importa.
Tentei não encará-lo, e me afastei. Mick estava perto demais. E eu tinha medo de que chegasse ao limite.

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Perto do limite
RomanceEu passei muito tempo tentando entender o que essa história representa - para os leitores e para mim, mas acho que, no fim, é uma história sobre se apaixonar. Sobre como o amor pode trazer de volta cores para uma parte da sua vida que estava em somb...