Mick
Ela tinha a cabeça apoiada em meu colo, e seu cabelo escuro caia, ondulado, em minha perna. Afastei um dos cachos que grudava em seu rosto, e ela fechou os olhos.
- O que você fez no cabelo? - perguntei, deixando a garrafa de cerveja de lado, porque estava na cara que ela não queria beber, e aquele troço estava quente. Eu as havia comprado no caminho naquela manhã, no único lugar aberto, porque eu sabia que precisaria de uma bebida. Mas aquilo estava horrível, o que significava que eu precisaria sair para comprar algo. Talvez eu conseguisse convencer Leah a sair para beber comigo. Eu gostava da companhia dela. E a noite anterior...eu finalmente conseguira pegar no sono por algumas horas.
Ela respondeu algo sobre sua irmã ter enrolado, e eu gostaria de dizer que gostava mais daquele jeito, mas não era verdade. Eu gostava do cabelo da garota.
- Você sabe que não podemos cabular aula pra sempre, não é? - ela disse, sorrindo, e dei de ombros, porque, por mim, faríamos isso. Não para sempre, talvez, mas apenas por alguns dias.
- Eu não planejava cabular para sempre - respondi - Só por hoje.
- Eu tenho treino de natação mais tarde - ela não conseguiu esconder sua animação, e mais uma vez, não pude deixar de me perguntar porque a garota passara tanto tempo fugindo das aulas na piscina, e porque ela relutava tanto em entrar na água quando era tão boa.
- Você vai ficar também?
- Eu achei que fôssemos sair para beber - fiz uma careta, tentando pensar em algo que pudesse convencê-la, mas eu sabia que não iria.
- Não tenho estômago pra isso. E você não deveria faltar aos treinos de natação. A treinadora vai te matar - ela arregalou os olhos, como se estivesse com medo, e então deu uma risada, mas eu podia ver o tom de advertência em sua voz. De que eu não devia desperdiçar aquilo.
- Eu não estou com cabeça para natação, Leah. E não fique assim - segurei sua mão, que estava fria - Você vai entrar para a equipe. Não sei porque diabos você não participava das aulas...
Esperei que ela dissesse algo, porque eu ainda estava curioso sobre aquilo, mas a garota deu de ombros, não me encarando.
- Você é boa, Leah - eu disse, esperando convencê-la, porque ela era. Melhor do que muitas pessoas da equipe, talvez. E até onde eu sabia, ela não treinava há um bom tempo.
A garota agradeceu, me lançando um de seus sorrisos, e tentou me convencer a participar do treino. Eu disse que passaria lá mais tarde - na verdade eu ainda não tinha certeza, mas sabia que ela não pararia de insistir até que eu concordasse. Eu precisava resolver umas coisas com Luíza antes - porque ela estava me mandando uma dezena de mensagens sobre nos encontrarmos mais tarde, o que estava me deixando louco, e eu tinha a impressão de que achava que estávamos juntos. E eu precisava acabar com aquilo. Sabia que eu havia sido um idiota com ela, mas se servia de justificativa, ela também não fora muito justa.
Procurei por Tray atrás do campo de futebol - ele sempre ia para lá pra fumar, e o convenci a me dar um de seus cigarros, porque os meus haviam acabado, e é claro que eles não vendiam aquilo na escola.
Ele me disse que Zach estava meio puto comigo por eu ter faltado ao ensaio, mas eu sabia que esse não era o verdadeiro motivo. Eu o vinha evitando desde aquela noite desastrosa, e ele ainda estava irritado com os acontecimentos, e com o modo como eu havia agido, e com a coisa da bebida. E eu não queria ouvir suas broncas.
Fumamos por um tempo, até eu ver Leah atravessar o gramado com pressa, e ela não parecia muito bem. Na verdade, ela parecia mal-humorada.
- Precisa de uma carona? - perguntei, quando ela passou por nós, parecendo não nos notar, e Tray me lançou um olhar irônico que ignorei.
- Tudo bem - ela recusou, se afastando, e gesticulou para a garrafa de vinho que Tray segurava - podem continuar...
- Vamos, eu levo você - a segui, e ela fez uma careta, concordando, porque começou a chover.
- Eu poderia levá-la - Tray me encarou, lançando um olhar na direção de Leah, e eu poderia muito bem arrebentar a cara dele, mas não estava com tempo para aquilo. E ele estava bêbado. E se eu respondesse à sua provocação, ele ficaria me enchendo pra sempre em relação à garota.
- A gente se fala depois. Mande um oi para Natasha - ele me mostrou o dedo do meio, e Leah me lançou um olhar curioso, que fingi não notar.
- Você tem que parar com isso - ela disse, ao entrarmos no carro, e a encarei, não sabendo à que exatamente estava se referindo - Essa coisa de beber...
- Eu não bebi - bufei - Tray estava. Eu só estava fumando.
- Ah, então tudo bem - ela sorriu, me provocando, mas parecia um pouco irritada - Seus pulmões não se importam com isso.
- E o que você tem a ver com isso? - perguntei, sem a intenção de ser rude, mas ela fez uma careta, e dei de ombros - É só um cigarro, Leah.
- Só não acho que seja a forma certa de lidar com isso... - ela disse, depois de um tempo, e não pude ignorar o tom de crítica em sua voz. Não, eu não iria ouvir aquilo.
- E qual a forma certa? - perguntei, a encarando, e não pude evitar ser irônico, porque, porra. Ela realmente não tinha nada a ver com aquilo. E o que a garota podia falar sobre lidar com problemas?
- Eu não sei - ela respondeu, suspirando - Mas duvido que seja ficando bêbado todas as manhãs e fumando aquele monte de...porcaria.
- Você não pareceu se opor a isso no começo. E eu só estou me divertindo, Leah. Pare de ser uma estraga prazeres.
Ela demorou a responder, e achei que não fosse dizer nada, e eu estava quase perguntando se iríamos voltar para aquela coisa de ignorar um ao outro, apenas para irritá-la, mas mudei de ideia, porque eu sabia que na verdade, não queria ouvir sua resposta.
- Você não está se divertindo. Está mentindo pra si mesmo. E me desculpe se estou sendo uma "estraga prazeres" - ela franziu o cenho, e enfatizou as últimas palavras, cruzando os braços - Talvez você devesse procurar uma companhia mais divertida.
- Não seja criança - revirei os olhos, e eu podia jurar que naquele momento, ela me fuzilaria com o olhar se pudesse - E essa é minha vida, Leah. Estou cansado de as pessoas agirem como se não fosse. Eu não preciso de babás.
- Não é o que parece. Talvez você devesse...
Não a deixei continuar, porque sai do carro. Eu sabia que acabaria dizendo algo que me arrependeria depois, e não queria ouvi-la. Porque eu sabia o que ela iria dizer - as mesmas coisas que Tray, Greg, e Miranda. Eu estava cansado daquilo.
Eu não sabia para onde estava indo, mas comecei a correr, não me importando em como voltaria pra casa. Eu morava perto dali. E não queria voltar, não naquele momento.
- Onde você vai? - ouvi alguns passos, mas não me virei, e depois de alguns segundos elas estava ao meu lado, parecendo irritada.
- Eu não preciso de uma babá, se é o que está pensando - continuei correndo, e ela me acompanhou, quando tudo o que eu queria, naquele momento, era ficar sozinho - E eu também não pedi pra você vir até aqui. Sério, Leah. Não sou seu projeto de caridade.
Eu sabia que estava sendo idiota, mas eu não havia gostado do que ela havia dito, e a garota falara como se tivesse alguma obrigação de estar ali. Como se eu precisasse de vigilância constante caso contrário faria alguma besteira.
Ela crispou os lábios, parecendo chateada, e suspirou.
- Eu não quis dizer isso.
Comecei a correr mais rápido, e quando ela parou, achei que iria embora, mas ela disse meu nome, e me virei.
- Mick, cacete. Você pode me ouvir?
- Você vai me responder uma coisa? - perguntei, e ela pareceu assustada por alguns instantes, então me encarou com um olhar irritado.
- Você vai parar de correr feito um louco?
- Tudo bem. Diga.
- Eu não quis dizer aquilo. Você sabe. Eu só... fico preocupada. E eu não quero que você aja como naquela festa.
- Então se trata daquela festa?
Ela não me respondeu, e eu sabia que ela ainda estava chateada, mas eu não sabia que aquilo faria com que eu me sentisse um merda. De novo.
- Eu achei que tínhamos deixado aquilo pra lá - falei, a encarando, mas a garota não me olhou de volta.
- Não. Você deixou - ela respondeu, algum tempo depois, e ficamos em silêncio, porque acho que nenhum de nós sabia o que dizer.
- Porque você está aqui, Leah? - perguntei, novamente, e dessa vez ela teria que responder de verdade. Eu não precisava de uma babá, como a garota havia insinuado.
Eu não sabia porque ela havia aparecido naquela festa - e havia centenas se razões para me desculpar em relação àquela noite, mas ter dito para ela ir embora de lá não me parecia uma delas.
Ela passou a mão no cabelo, parecendo cansada.
- Eu não sei. Eu estava preocupada. Eu queria saber como você está. E eu quero, porque ainda não sei. Na maior parte do tempo que estamos juntos você está bebendo ou...
- Isso não é verdade - não a deixei terminar, porque ela estava fazendo aquilo parecer horrível - Você se incomoda com isso? Sobre as bebidas?
- Não. Se você estiver se divertindo, não. Mas eu fico preocupada porque agora eu não sei se você está bebendo por causa do que aconteceu. Você tem ideia do quanto havia bebido aquela noite?
Eu tinha. Não uma ideia em relação à quantidade - aquilo ficava vago depois de um tempo, mas eu sabia que tinha exagerado. Mas o que ela tinha a ver com aquilo? E qual era o problema afinal? O que Leah queria que eu dissesse?
- Aquilo não tinha a ver com você, Leah - a encarei, escolhendo cuidadosamente as palavras, porque eu queria ser sincero com a garota e sabia que aquela noite a havia magoado. - Eu só queria ficar sozinho, e não achei que você fosse aparecer lá. Aquilo - as bebidas, e tudo o que você viu, e as merdas que eu fiz, não tem a ver com você. Você simplesmente apareceu lá e eu...não queria ver você naquele momento. Eu não queria que você me visse daquele jeito.
Aquela era a verdade. Eu não queria. Mas ainda sim eu agira como um idiota, e não sabia como consertar aquilo.
- Mick - ela parou, me encarando, e eu sabia que faria algum de seus discursos que eu gostaria de evitar, mas deixei-a prosseguir - Preciso perguntar algo. E você vai me responder sinceramente.
Eu não sabia o que a garota iria perguntar, mas milhões de coisas passaram por minha cabeça. Algo sobre Jack, meu pai, Greg, ou até mesmo Alison, e eu sabia que não queria entrar em nenhum daqueles assuntos. Ou talvez ela apenas fizesse a usual pergunta de como eu estava - que todos vinham fazendo nos últimos dias. E, a julgar por sua expressão, eu sabia que tinha acertado.
Tudo bem, Leah - pensei. Se você quer tanto saber...
Tentei não ficar irritado com ela, porque a garota parecia realmente preocupada, e aquilo me deixava... surpreso. Que alguém se preocupasse.
- Como você está? De verdade - ela continuou, me encarando, e parecia quase que com medo de minha reação, o que me fez recuar. Eu não queria afastá-la, então precisei lembrar a mim mesmo que não deveria ficar com raiva dela. Era Leah. A garota que saía pra beber comigo quando eu precisava esquecer, e me aturara nos últimos dias. A garota que me ouvira gritar e atirar garrafas no chão, e estava ali, me perguntando como eu estava.
- Você quer mesmo saber? - perguntei, e ela assentiu.
- Eu não sei, Leah - comecei, e pude vê-la franzir o cenho. Eu sabia que qualquer resposta não a satisfaria. Então eu precisaria falar a verdade, mesmo quando nem eu a sabia.
- Eu tento não pensar nisso. E fingir que não aconteceu. Mas eu...sinto a falta dele. E eu sei que eu podia ter sido melhor. Você sabe que eu não sou grande merda. E às vezes isso...tem dias que isso me deixa louco. É isso que quer ouvir? Tem dias que mal consigo dormir. Eu estou meio fodido, Leah.
Evitei encará-la, porque aquilo era pessoal demais, e mais do que eu já havia falado para qualquer um - eu nem havia falado sobre aquilo com Miranda. Ou para mim. E era difícil respirar.
- Ah, Mick... - ela me abraçou, por mais tempo do que eu provavelmente já havia abraçado alguém - Eu gostaria de poder fazer algo.
- Você faz - não mencionei o fato de que eu esquecia quando estava com ela, mas ambos sabíamos daquilo. Leah funcionava como uma espécie de droga. E eu não sabia se aquilo era bom.
Dirigi em silêncio até sua casa, e ela ainda segurava minha mão quando perguntou se eu queria entrar. Eu já havia ido até lá algumas vezes, levá-la, mas nunca havia entrado.
- Rebeca não está em casa - ela disse, referindo-se à irmã, e abriu a porta, jogando a mochila no sofá - Você almoçou? Eu estou morrendo de fome.
- Não. Você sabe cozinhar? - a provoquei, e ela negou.
- Não. Rebeca e eu nos viramos, mas somos bem ruins nisso - ela deu de ombros, e começou a abrir a geladeira.
- Imaginei - dei risada, e ela me mostrou a língua.
- Porque? - perguntou, fingindo estar chateada.
- Estou brincando. E você é boa em outras coisas - ela se virou em minha direção, curiosa - Como dançar...
- Porque você sempre tem que lembrar disso? - a garota fez uma careta, parecendo envergonhada, mas eu não a estava provocando. Ela estava bem sexy naquele dia.
- Desculpe. Não consigo tirar aquela imagem da cabeça - fiz uma careta, e ela me lançou um olhar irritado - E eu estou brincando, você sabe.
- Me lembre de nunca mais fazer aquilo - ela murmurou, me entregando um dos sanduíches, e voltou alguns segundos depois com latas de suco.
- Nada de cerveja? - perguntei, a provocando, porque eu sabia que ela implicaria com bebida naquele momento, e eu estava certo, porque a garota respondeu algo como "nada de álcool pra você".
Eu não percebi que estava com fome até ela colocar o prato na minha frente, e o devorei em alguns segundos.
- Você não é tão ruim assim.
- Eu consigo fazer um sanduíche, Mick - ela fez uma careta, e me estendeu o seu - Fique com este. Vou fazer mais. Você comeu algo hoje?
- O que falamos sobre a coisa de babá? E acho que não. A não ser que um pouco de vinho conte.
- Mick! - ela fez uma cara feia, me estendendo seu prato, e caminhou até a cozinha - Quando foi a última vez que você comeu?
- Eu não me lembro, mãe - respondi, suspirando, mas na verdade aquilo era engraçado. A garota brigando comigo porque eu não havia almoçado. Não fazia sentido nenhum.
- Você - ela apontou o dedo para mim, voltando alguns segundos depois com outros sanduíches iguais ao que tinha feito - Tem que parar com isso.
- Eu não estou passando fome, Leah - eu disse, me referindo à quantidade absurda de comida que ela havia trazido.
- Espero que não - ela revirou os olhos, e pegou os pratos depois de comermos.
- Deixa que eu faço isso.
Lavei-os enquanto a garota tentava preparar uma massa de biscoitos - que na verdade estava com um cheiro bom - e jogamos COD em seu sofá até os biscoitos ficarem prontos, e ela os lambuzou com chocolate.
Notei que seus lábios estavam sujos de calda, e ela percebeu que eu a encarava, então me inclinei em sua direção, aproximando meus dedos de seu rosto, para limpar. A garota me encarou com seus olhos grandes, quando toquei sua boca, parecendo se perguntar se eu ia beijá-la, e eu também estava me perguntando sobre isso, mas ela se afastou, e então ficamos em silêncio.
- O que achou dos biscoitos? - ela perguntou, a voz um pouco trêmula, e caramba, ela realmente iria falar de biscoitos? Pensei em mudar o rumo da conversa, mas pelo o que eu conhecia de Leah, eu sabia que ela se afastaria, e eu a queria por perto. Então tudo bem, podíamos falar de biscoitos. E podíamos esquecer aquele quase.
- Os melhores que já comi.
- Mentiroso - ela deu uma risada, e não pude evitar rir, porque eles realmente estavam um pouco queimados. Mas não estavam ruins.
- Eu posso cozinhar para você da próxima vez - eu disse, acreditando na possibilidade de que continuaríamos com aquela coisa de nos ver, e ela pareceu surpresa.
- Você cozinha? - ela perguntou, num tom irônico.
- É claro. O que mais impressionaria as garotas? - ela jogou uma almofada em minha direção, fazendo uma careta, quando ouvimos algumas vozes vindas da porta da frente, e uma morena bonita de roupa social a abriu, com um olhar animado.
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Perto do limite
RomanceEu passei muito tempo tentando entender o que essa história representa - para os leitores e para mim, mas acho que, no fim, é uma história sobre se apaixonar. Sobre como o amor pode trazer de volta cores para uma parte da sua vida que estava em somb...