Capítulo 55
Leah- Eu estou falando com você - Rebeca acenou na direção do meu rosto, rindo, e percebi que eu havia me distraído. Eu vinha tentando fingir que estava tudo ok desde a noite da festa, em que Marcus aparecera, supostamente sem ser convidado, mas a verdade é que eu havia surtado. A presença dele ainda causava aquilo - era quase como se eu congelasse por alguns instantes, quando tudo o que eu queria fazer era correr em alta velocidade.
- Você está estranha. Aconteceu algo esse final de semana?
Demorei bem mais do que o necessário para mastigar o cereal, esperando que, devido ao fato de estar com pressa, Rebeca deixasse o assunto para lá, mas ela saiu do banheiro, largando sua maquiagem, e veio sentar-se à mesa também.
- Então?
- Eu vi Marcus naquela festa - tentei fingir que não era uma grande coisa, mas pronunciar seu nome ainda me causava uma sensação estranha.
- Ai merda. Ele te incomodou? Ele chegou perto de você? - ela encheu sua xícara de café, como sempre fazia quando estava nervosa com algo (Rebeca se entupia de cafeína).
- Não. Eu o vi e, eu não sei, eu surtei. Agora provavelmente ele já deve saber que eu estive lá... - tentei parecer calma, mas aquilo me assustava. Eu ainda tinha medo de ele tentar, de alguma forma, entrar em contato comigo novamente. Porque eu não queria aquilo... Eu não queria vê-lo.
- Você sabe, nós ainda podemos fazer aquilo... - eu sabia que Rebeca se referia à denunciá-lo, mas eu não fazia ideia de como aquelas coisas funcionavam, e já fazia tanto tempo...não, ninguém acreditaria, de qualquer forma. Havia momentos em que até eu mesma duvidava, momentos em que tudo aquilo parecia um pesadelo e nada além.
- Eu só quero esquecer tudo isso - eu disse, e Rebeca resmungou algo sobre esperar que o desgraçado me esquecesse, e eu concordei. Marcus havia sido uma parte da minha sobre a qual eu não conseguia sequer pensar, mas eu relembrava - o tempo todo, e era doloroso. Aquilo voltava pra mim constantemente.
- Não pense muito sobre isso - Rebeca me abraçou, dizendo para eu me apressar, e tentou me animar no carro durante todo o caminho para a escola, falando sobre como ela tentaria conseguir uma folga em seu aniversário para irmos à praia.
Tentei afastar as lembranças sobre a última vez que eu havia ido a praia, porque elas envolviam Marcus e nossos amigos, e era como se todas as lembranças que o envolvessem estivessem estragadas. Eu havia prometido a mim mesma esquecer aquilo, então disse à Rebeca que eu precisava comprar um biquíni, e lhe desejei um bom dia no trabalho.
Fiz o melhor que eu podia para me concentrar na aula, porque o professor fazia uma análise, utilizando um tom entusiasmo para obviamente tentar nos manter acordados, de um romance que na verdade parecia bastaste interessante. Procurei por Mick ao redor da sala, e então me lembrei de que não fazíamos aquela aula juntos, e enviei um SMS, dizendo para ele me encontrar nas escadas em alguns minutos, levando tudo de ilegal que ele possuía. Tentei fazer com que aquilo soasse uma piada, mas eu sabia que Mick provavelmente tinha alguma bebida - ou sabia como arranja uma naquele momento - em suas coisas, e eu queria me divertir. Nós sempre nos divertíamos.
Esperei-o nas escadas perto das quadras, porque sabia que ninguém nos incomodaria ali por matar aula - o último inspetor havia sido demitido, e de qualquer forma, ninguém além da treinadora parecia se importar muito.
Ele chegou alguns minutos depois, com um sorriso travesso e os cabelos úmidos, o que me fez deduzir que havia acabado de sair da aula de educação física, ou estava nadando.
- Então alguém quer quebrar regras hoje? - ele me cumprimentou dando um de seus beijos demorados em minha bochecha, e me lançou um olhar curioso, parecendo se perguntar se eu estava falando sério sobre aquilo.
- Estou entediada - menti - você trouxe as bebidas?
- Pra sua sorte eu também acordei hoje com vontade de encher a cara de uísque barato - ele tirou uma garrafa meio cheia da bolsa, não a mostrando completamente, e caminhamos até as arquibancadas, nos certificando de estarem vazias.
Nos sentamos atrás das quadras cobertas e ele me passou a bebida, que parecia quente, mas era melhor que nada. E Mick estava certo, eu havia acordado com uma enorme vontade de ficar bêbada - e esquecer todo aquele final de semana desastroso por algumas horas.
Mick tirou um maço de cigarros do bolso, levantando-se, e eu sabia que ele esperava que eu fizesse um discurso sobre o quão mal aquilo faria a seus pulmões, ou o fato de terem um cheiro horrível, e normalmente eu o faria, mas antes que eu mudasse de ideia, pedi um.
- O que? - ele perguntou, parecendo não ter entendido o que eu havia dito, e repeti, embora ele ainda parecendo um pouco cético. Então deu de ombros, sentando-se ao meu lado, e acendeu um cigarro para mim.
- Você já fumou? - ele perguntou, e balancei a cabeça negativamente, me lembrando de ter tentado apenas uma vez, com Keana, Xavier e Marcus em uma de nossas festas na praia, em que uma das amigas de Keana, obviamente alta, havia nos oferecido um cachimbo estranho, e nós duas nos divertimos tentando acender aquilo até Marcus mostrar como era a maneira correto. Eu havia desistido depois de algumas tentativas e de acabar com um gosto horrível na boca e sem nenhuma sensação diferente, mas Keana jurava ter ficado alegre.
Coloquei-o na boca, tentando me lembrar de suas instruções - inalei a fumaça, segurando-a um pouco na boca, como ele havia dito, e então tirei o cigarro, mas minha garganta ficou quente, e de repente eu estava tossindo como uma louca, e Mick bateu nas minhas costas, rindo.
- Eu não consigo - passei o cigarro para Mick, e ele o fumou calmamente, me passando outro. Coloquei, então, o cigarro entre o dedo indicador e o do meio, como naqueles filmes antigos, e Mick levantou as sobrancelhas - Pareço sexy?
Era uma brincadeira, mas eu podia ver no modo como ele me olhou que realmente pensava aquilo, o que de certa forma me agradava, porque era bom ser admirada - ainda mais por alguém como Mick, sexy pra caramba - mas eu não queria levar aquilo longe demais.
Tentei fumar aquilo novamente, e tudo o que senti foi o gosto estranho na boca e aquela fumaça horrível em meus pulmões, então desisti, ficando com a garrafa de uísque enquanto Mick terminava seu cigarro.
- Você não odiava cigarros ou algo assim? - ele perguntou, curioso, e pensei que era verdade. Sim, eu odiava o cheiro daquilo, ou aquela fumaça irritante, mas eu havia tido um final de semana péssimo, então pensei que talvez eu devesse ter um dia "foda-se" - um dia fugindo de tudo e fazendo coisas estúpidas.
Nós bebemos seu uísque na garrafa, já que não havia copos, mas eu tinha a impressão de que era eu quem estava acabando com toda a bebida, e pensei que talvez ele também tivesse medo do que poderia acontecer caso nós dois estivéssemos bêbados - nós sempre acabávamos nos beijando, o que era fodidamente bom, mas eu não conseguia impedir a mim mesma de surtar sobre aquilo. Eu só conseguia imaginar duas alternativas: ou seria algo apenas casual, o que pra mim soava ótimo, e então quando algum de nós quisesse pular fora não haveria ressentimentos, ou as coisas em algum momento se complicaram, o que acabaria com um de nós, ou ambos, magoados e com raiva do outro. E eu gostava da companhia de Mick - céus, nós realmente nos dávamos bem e as coisas eram simples, então eu me recusava a arriscar perder aquilo. E eu apostava na segunda opção - eu não podia fingir que mick não me atraía fisicamente, com aquelas tatuagens e toda aquela pose de estrela de alguma banda de rock, mas eu também sabia que era fácil gostar dele, então não, nós não podíamos nos beijar.
- Você quer me contar algo? - ele perguntou, virando-se para mim, quando bebi o que restava do uísque, e dei de ombros, dizendo que estava tudo ok.
- Você cheira bem - eu disse, quando ele se virou para mim, porque Mick cheirava à sabonete, e um leve odor de colônia masculina, eu notei, aproximando meu rosto de seu pescoço, e então percebi como aquilo havia soado. Eu disse aquilo espontaneamente, mas parecia um flerte, e esperei que ele fizesse algum de seus comentários irônicos, que não veio, então mudei de assunto, perguntando se ele tinha maconha. Era uma piada, mas ele pareceu sacar que havia algo errado, porque me perguntou o que estava acontecendo.
- Você está um porre. Céus, eu só quero me divertir - eu ri, chamando-o de senhor certinho, e esperei que Mick rebatesse, mas ele apenas disse que eu costumava odiar aquelas coisas, e não pude deixar de revirar os olhos. Porque ele não podia entrar na minha naquele momento e agir como quando nós enchíamos a cara pra esquecer as coisas? É claro, eu pensei. Porque eu havia ligado para o garoto num sábado à noite pra falar sobre meus problemas, e obviamente ele notara que algo estava errado.
- Porque você está falando como se nunca tivesse usado nada? - continuei, percebendo, irritada que a euforia repentina da bebida estava passando, e de repente quis deixar pra lá, porque eu sabia que estava soando na defensiva.
- Eu arrumo pra você - ele disse de repente, dando de ombros - Só estou preocupado...
Tentei não ficar irritada com Mick, porque eu sabia que sentia a mesma coisa em relação a ele. Quando ele surtara por causa do pai e se entupira de remédios, tudo o que eu queria era tirar aquelas coisas dele e dizer que ele não precisava fazer aquilo, que ia ficar tudo bem. Eu entendia, mas eu achava que aquela última parte não se aplicava a mim.
De repente, todo o cansaço daquele final de semana pareceu se instalar em meu corpo, e suspirei, me controlando para não falar toda aquela merda que me consumia.
- Eu estou cansada. Eu tenho a porra de um ex namorado que não some da minha vida e... - não, eu não podia. Me interrompi, virando o restante da bebida para disfarçar minha vontade idiota de chorar, e passei a garrafa para Mick.
É, eu quis dizer. Eu gostei muito de alguém - eu pensei que estava apaixonada - e estive em um relacionamento de merda que me machucou e agora não consigo pensar em estar com mais ninguém, porque tudo o que vem na minha cabeça é aquele momento em que eu não reconheci meu próprio namorado na minha frente, porque a porra do seu punho estava acertando o meu rosto.
Eu sou uma pessoa quebrada, Mick. - eu também quis dizer, mas fechei os olhos por um instante, e então dei de ombros, usando minha expressão mais sorridente.
Então ele fez uma piada sobre eu ter acabado com a bebida, e eu prometi lhe comprar algumas doses de tequila na próxima vez em que nos víssemos - supondo que haveria uma, pensei presunçosamente, e notei um vestígio de sorriso em seu rosto.
- Não tem problema. - ele disse - Eu peguei isso do armário de bebidas do meu pai, e ele não vai sentir falta de qualquer maneira...
Eu sabia que era uma piada, mas o tom amargo com que ele havia dito me fez perceber que eu não era a única a ter uma semana ruim. Ele havia perdido o pai, e ainda se culpava - e eu não podia imaginar o quão fodidamente dolorido aquilo era.
Talvez nós dois estejamos quebrados, afinal, pensei, e disse a Mick para não fazer aquilo.
- Você quer conversar? - perguntei, levando minha mão até a sua, e ignorei o fato de meu coração bater mais rápido com aquilo.
- Não. - ele disse - Você quer?
Eu não queria - não naquele momento. Então apenas segurei sua mão, pensando no quão estranho era o fato de aquilo sempre na acalmar.
Não sei quanto tempo ficamos daquele jeito, próximos e de certa forma distantes em nossos próprios pensamentos e problemas, mas quando abri os olhos, ouvindo a voz alta de alguns alunos que se aproximavam, pensei que era como se tivéssemos passado a tarde toda ali.
Peguei meu celular e vi uma mensagem de Rebeca, dizendo que chegaria mais cedo do serviço, e não pude deixar de me perguntar se ela notaria que eu havia bebido. Ai caramba.
- Droga, eu não posso ir pra casa bêbada - eu disse, mesmo que eu não tivesse de fato bêbada, e sim apenas um pouco alterada e tonta, mas eu não poderia arriscar. Quais seriam as chances de eu não tropeçar na escada ou derrubar tudo pela frente? Então contei a Mick sobre a mensagem, e ele riu.
- Como ficar sóbria em algumas horas?
- Zach sabe preparar uma coisa pra ressaca, e é bem útil porque às vezes alguém enche a cara antes de alguma apresentação. Mas não sei como ele faz isso... - Mick disse, e então me lembrei de uma história que ele havia me contado sobre a vez em que passara mal no palco.
Então ele me perguntou se eu estava com fome, e disse que ia buscar algo para comermos. Mandei uma mensagem para Rebeca, dizendo que talvez eu não chegasse tão cedo em casa, pois tinha treino de natação, o que era uma mentira, mas eu não podia voltar cambaleando e com o hálito cheirando bebida.
- É por isso que eu gosto de você - falei, quando Mick voltou com uma porção gigantesca de batatas fritas, e ele riu, perguntando-me se eu estava falando com ele ou com a comida - Você não pode competir com batatas fritas, embora seja tentador...
Esperei que ele fizesse algum de seus comentários ou flertes disfarçados de piadas, mas ele pareceu um pouco distante, como se estivesse distraído, então perguntei se algo havia acontecido, e ele demorou a responder.
- Você estará ocupada hoje à noite? -
- Não - eu respondi, um pouco surpresa pela súbita mudança de assunto, mas achei que ele simplesmente não quisesse falar sobre aquilo, então deixei pra lá. Talvez fosse algo relacionado à família, ou algum problema com garotas, e não era da minha conta.
- Quer jantar comigo? - ele perguntou, então, e por alguns segundos, pelo modo como ele perguntou aquilo e seu tom de voz, embora sedutor, parecesse demonstrar certo receio da resposta, pensei que pudesse ser algum tipo de encontro. Que Mick estivesse me chamando pra sair - não como amigos, mas como duas pessoas interessadas uma na outra, e por alguns instantes, pensei em aceitar, mas então percebi o quanto aquilo era ridículo. Não era um encontro, pensei, o que se confirmou quando ele disse, em tom irônico, obviamente notando meu desconforto:
- Fique calma, não é um encontro. Eu só estou fugindo de um jantar em família com o novo namorado da minha mãe - ele riu, mas notei em seu tom de voz amargo que aquilo parecia chateá-lo.
- Tudo bem - eu disse - Vamos jantar.
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Perto do limite
RomanceEu passei muito tempo tentando entender o que essa história representa - para os leitores e para mim, mas acho que, no fim, é uma história sobre se apaixonar. Sobre como o amor pode trazer de volta cores para uma parte da sua vida que estava em somb...