Capítulo 46

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Leah

Eu estava indo embora quando avistei Mick em uma das escadas com o garoto de cabelo parcialmente raspado, e não pude deixar de notar a garrafa de bebida em suas mãos, e o fato de que aquele lugar estava fedendo como uma fábrica de cigarros.
- Precisa de uma carona? - ele perguntou, e seu amigo lançou um sorrisinho irônico em nossa direção.
- Tudo bem - recusei, me afastando, não porque eu quisesse ficar sozinha - a companhia de Mick vinha se tornando algo com o qual eu estava me habituando, e embora fosse difícil admitir, eu gostava de estar com ele. Eu realmente gostava. Mas eu ainda estava um pouco irritada com o que as garotas haviam dito no vestiário, e com o fato de ele ainda estar bebendo como um louco.
- Podem continuar... - gesticulei para a garrafa de vinho que o outro garoto segurava e Mick revirou os olhos, se levantando.
- Vamos, eu levo você - ele se aproximou, e concordei, porque começou a chover, e eu não queria ficar esperando o ônibus pra casa ou ir andando. E, ok, uma parte de mim queria passar mais tempo com ele.
- Eu poderia levá-la - seu amigo me encarou de maneira significativa, e revirei os olhos, porque Mick pareceu quase...com ciúmes, mas tentei não pensar naquilo.
- A gente se fala depois. Mande um oi para Natasha - não pude deixar de me perguntar se Natasha era a namorada do outro garoto, que ficou bastante irritado com o comentário, embora tenha me parecido inofensivo.
Nós entramos no carro, e o observei guardar um maço de cigarros novos no bolso.
- Você tem que parar com isso - eu disse, não conseguindo esconder minha desaprovação, e ele pareceu não saber sobre o que eu estava falando.
- Essa coisa de beber... - completei, e ele bufou, como se eu o estivesse irritando. Bem, eu precisava dizer. Aquela coisa de beber era legal...mas me deixava preocupada. Porque eu não sabia se ele estava fazendo aquilo para se divertir ou para...esquecer.
- Eu não bebi - ele disse, como se fosse óbvio - Tray estava. Eu só estava fumando.
-  Ah, então tudo bem - sorri, não escondendo meu sarcasmo - Seus pulmões não se importam com isso.
- E o que você tem a ver com isso? - ele perguntou, me encarando com uma expressão irritada, e pensei que talvez ele tivesse razão. Era sua vida. Mas aquilo não era...saudável - É só um cigarro, Leah.
Eu sabia que Mick vinha fumando há algum tempo, e embora eu odiasse cigarros, não queria me meter naquilo. Mas eu tinha medo de ele estar exagerando - como naquela festa.
- Só não acho que seja a forma certa de lidar com isso... - eu disse, depois de um tempo, e ele mal me encarou ao responder, não escondendo o desprezo em sua voz.
- E qual a forma certa? - perguntou, finalmente se virando para mim, e eu sabia que, qualquer que fosse minha resposta, não o satisfaria.
- Eu não sei - respondi, suspirando - Mas duvido que seja ficando bêbado todas as manhãs e fumando esse monte de...porcaria - dei uma risada, porque eu tinha certeza que devia estar parecendo uma chata.
- Você não pareceu se opor a isso no começo. E eu só estou me divertindo, Leah. Pare de ser uma estraga prazeres.
Eu odiava quando ele dizia aquilo. Que eu estava sendo uma "estraga prazeres". Tentei conter minha irritação, e fiquei em silêncio, porque eu não sabia o que dizer. Ele pareceu arrependido, e começou a dizer algo, mas eu o interrompi.
- Você não está se divertindo. Está mentindo pra si mesmo. E me desculpe se estou sendo uma "estraga prazeres" - não pude evitar enfatizar as últimas palavras, e cruzei braços, porque aquilo realmente estava me deixando meio puta - Talvez você devesse procurar uma companhia mais divertida.
- Não seja criança, Leah - ele revirou os olhos, e eu fiz uma careta. Ele estava falando sério? - E essa é minha vida. Estou cansado de as pessoas agirem como se não fosse. Eu não preciso de babás.
- Não é o que parece - falei, suspirando, porque na verdade quem estava agindo como criança ali era ele - Talvez você devesse...
Ele não me deixou continuar, porque saiu do carro, batendo a porta. Qual era o problema dele? E quem Mick achava que era pra me deixar falando sozinha?
Pensei em ficar no carro, porque uma hora ou outra ele precisaria voltar - afinal não iria andando pra casa - mas depois me lembrei que era Mick, e ele tinha uma tendência a fazer coisa estúpidas.
O avistei no final da rua, correndo como um louco, e comecei a correr também.
- Onde você vai? - perguntei, não podendo evitar soar irritada. Porque raios ele precisava agir como uma criança?
- Eu não preciso de uma babá, se é o que está pensando - ele continuou correndo, o que era irônico, porque ele estava sendo bastante infantil, mas continuei o acompanhando, porque ele teria que me ouvir. Então ele se virou por alguns instantes, suspirando - Também não pedi pra você vir até aqui. Sério, Leah. Não sou seu projeto de caridade.
- Eu não quis dizer isso - o encarei, já perdendo a paciência, porque aquilo era ridículo. Caramba. Porque ele não podia simplesmente aceitar que eu gostava da companhia dele (bem, naquele momento, eu já estava mudando de ideia). Mas o que ele queria que eu dissesse?
Então ele tornou a correr, me deixando ali parada, e aquilo realmente estava me deixando puta.
- Mick - não tentei esconder a raiva em minha voz - Cacete. Você pode me ouvir?
- Você vai me responder uma coisa? - ele parou, se virando para mim, e esperei que ele continuasse, porque dependendo se qual fosse sua pergunta, eu sabia que não iria dizer nada.
- Você vai parar de correr feito um louco? - o encarei, irritada, e ele concordou, embora ainda parecesse um pouco contrariado.
- Tudo bem. Diga.
- Eu não quis dizer aquilo. - falei, me referindo à nossa discussão no carro - Você sabe. Eu só... fico preocupada. E eu não quero que você aja como naquela festa.
- Então se trata daquela festa? - ele perguntou, parecendo culpado, e embora eu não quisesse entrar naquele assunto, e assim como ele adoraria deixar aquilo pra lá, sim, se tratava. Eu não queria vê-lo daquele jeito. Não parecia...ele.
- Eu achei que tínhamos deixado aquilo pra lá - ele falou, me encarando, e eu não sabia o que dizer. Aquela era a vida dele, e ele podia fazer o que quiser - eu nem tinha certeza se éramos sequer amigos, mas aquilo não era saudável. E eu nem sequer sabia como ele estava.
- Não. Você deixou - respondi, e ele assentiu, mas não disse nada, e ficamos em silêncio por um tempo enorme, mas daquela vez era diferente, porque nenhum de nós tinha nada a dizer, ou talvez não o quiséssemos fazê-lo.
- Porque você está aqui, Leah? - ele perguntou, depois de um tempo sem olhar em minha direção, e eu não sabia como respondee aquilo. Porque eu estava ali?
- Eu não sei... - comecei, e eu sabia que aquilo não o satisfaria, porque não era a verdade. Então eu disse. Que eu estava preocupada. Que eu queria saber como ele estava. Que na maior parte do tempo que estamos juntos ele estava tentando ficar bêbado.
- Isso não é verdade - ele não me deixou continuar, lançando-me uma expressão irritada, e então pareceu preocupado - Você se incomoda com isso? Sobre as bebidas?
- Não - respondi, porque era verdade, e era o que eu gostaria de dizer. Porque aquela coisa de beber até era divertida (às vezes), mas eu sabia que ele não estava se divertindo. Na verdade, ele parecia estar bebendo para esquecer - com uma frequência que estava beirando ao exagero. E aquilo era perigoso. Eu gostava quando bebíamos. Quando aquilo era a excessão. Quando era divertido.
- Se você estiver se divertindo, não. -completei - Mas eu fico preocupada porque agora eu não sei se você está bebendo por causa do que aconteceu. Você tem ideia do quanto havia bebido aquela noite? De como você... parecia?
Ele começou a caminhar, e achei que estivesse puto novamente, o que não fazia sentido porque eu não havia dito nada demais - nada que não me parecesse verdade, mas então ele se virou, esperando que eu o acompanhasse, e pareceu pensar sobre o que eu havia dito por algum tempo, então eu soube que em parte era verdade. Mick não estava bem.
- Aquilo não tinha a ver com você, Leah - ele disse, cuidadosamente, como se não quisesse me deixar chateada - Eu só queria ficar sozinho, e não achei que você fosse aparecer lá. Aquilo - as bebidas, e tudo o que você viu, e as merdas que eu fiz, não tem a ver com você.
Mick esperou alguns instantes, e como eu não disse nada, continuou.
- Você simplesmente apareceu lá e eu...não queria ver você naquele momento. Eu não queria que você me visse daquele jeito.
Ele não estava mais com aquele olhar distante, ou parecendo escolher as palavras - ele me encarava fixamente, parecendo sincero, e eu podia ver, em seus olhos, o quanto aquilo era verdade - e o quanto ele não parecia bem.
- Mick - eu disse, depois de alguns minutos em silêncio quando voltamos para o carro, porque eu já estava cansada de discutir, e de não saber, então resolvi perguntar. Aquela discussão era sobre aquilo, afinal.
Eu o encarei, e ele me lançou um olhar receoso, como se soubesse que eu ia entrar em um assunto sobre o qual ele não queria falar, mas continuei mesmo assim. - Preciso perguntar algo. E você vai me responder sinceramente.
Esperei que ele me interrompesse, mas Mick não disse nada.
- Como você está? De verdade.
A julgar por sua expressão, eu podia dizer que ele parecia irritado com a pergunta. Talvez, até, com raiva, o que novamente confirmou minhas suspeitas.
- Você quer mesmo saber? - ele finalmente perguntou, e assenti, preocupada com sua resposta. Porque eu queria que ele estivesse bem.
- Eu não sei, Leah. Eu tento não pensar nisso. E fingir que não aconteceu - ele não me encarou, mas eu podia ver por sua expressão que aquilo o machucava, e quis desfazer minha pergunta, e dizer que podíamos deixar aquele assunto pra lá. Eu realmente quis, mas ele continuou, ainda sem olhar pra mim - Mas eu sinto a falta dele. E eu sei que eu podia ter sido melhor. Você sabe que eu não sou grande merda - ele deu uma risada sem humor, e notando minha expressão, fez sinal para que eu não o interrompesse - E às vezes isso...tem dias que isso me deixa louco. É isso que quer ouvir? Tem dias que mal consigo dormir. Eu estou meio fodido, Leah.
Não, eu não queria ouvir aquilo, porque eu não podia negar que de certa forma havíamos nos aproximado - e eu estava preocupada com ele, e esperava que ele estivesse bem. Mas ele parecia quebrado. Aquilo realmente parecia estar machucando-o.
- Ah, Mick... - coloquei meus braços em volta dele, porque eu não sabia o que dizer, e ele não me afastou, e ficamos assim, abraçados, por um tempo bem maior do que o necessário, e seu olhar quando eu me afastei comprovou que eu estava certa. Aquilo parecia o contrário de bem.
- Eu gostaria de poder fazer algo - falei, segurando sua mão, e então ele olhou para mim.
- Você faz - ele disse, me encarando significativamente, e não pude retribuir o olhar, porque eu não sabia o que aquilo significava.
Mick dirigiu até minha casa, e o convidei para entrar, porque Rebeca estava trabalhando - e eu não teria que lidar com suas perguntas sobre ele.
- Você almoçou? - perguntei, porque eu sabia que ele vinha exagerando com essa coisa de bebida, e eu estava morrendo de fome.
- Não. Você sabe cozinhar? - ele perguntou, em tom de zombaria, mas dei de ombros, porque eu realmente era ruim naquilo. Minha mãe sempre reclamava sobre o monte de comida congelada quando vinha nos visitar.
Abri a geladeira, procurando por alguns ingredientes para fazer sanduíches.
- Imaginei - ele riu, e fiz uma careta.
- Porque?
- Estou brincando. E você é boa em outras coisas - me virei, perguntando-me sobre o que ele estava falando, e ele me encarou com um olhar brincalhão - Como dançar...
- Porque você sempre tem que lembrar disso? - fiz uma careta, lembrando-me da noite em que, após vários copos de bebida, havíamos dançado, e eu provavelmente parecera uma maluca.
- Desculpe. Não consigo tirar aquela imagem da cabeça - revirei os olhos, mas ele me encarou com uma expressão que me fez pensar que, talvez, não fora tão ruim assim. E na verdade não importava. Aquela noite fora...divertida - E eu estou brincando, você sabe.
- Me lembre de nunca mais fazer aquilo - procurei por latas de suco na geladeira, porque eu já havia ultrapassado minha dose de bebidas por, sei lá, uma década inteira.
- Nada de cerveja? - ele perguntou, fazendo uma careta, e respondi que não para ele.
- Você não é tão ruim assim - ele disse alguns segundos depois, terminando seu sanduíche.
- Eu consigo fazer um sanduíche, Mick - fiz uma careta pra ele, e então lhe passei o meu, porque eu tinha quase certeza de que ele não havia comido nada aquele dia e eu sabia que ele vinha exagerando com a questão das bebidas - Fique com este. Vou fazer mais. Você comeu algo hoje?
Na verdade eu queria perguntar quando fora a última vez que ele comera algo, porque eu só me lembrava de vê-lo com garrafas de bebidas na mão nos últimos dias, até mesmo quando estávamos em sua casa. E aquilo não era...saudável.
- O que falamos sobre a coisa de babá? E acho que não. A não ser que um pouco de vinho conte.
- Mick! - lhe lancei um olhar de reprovação, tentando não fazer uma cena sobre aquilo, mas na verdade eu estava preocupada. O que raios ele pensava que estava fazendo? - Quando foi a última vez que você comeu?
- Eu não me lembro, mãe - ele respondeu em um tom irônico, que eu ignorei.
- Você - apontei o dedo para ele, enquanto pegava mais queijo - Tem que parar com isso.
- Eu não estou passando fome, Leah - ele disse, encostando-se na bancada da cozinha, e lhe passei alguns sanduíches, revirando os olhos, mas deu uma risada - Obrigado.
- Espero que não.

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