Capítulo 48

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Leah

- Então... um amigo da escola? - Rebeca perguntou, num tom irônico, assim que passei pela porta, e a ignorei, me jogando no sofá e esparramando meus pés para que ela não se juntasse a mim.
Rebeca, entretanto, os empurrou, resmungando um "chega para lá" e me encarou atentamente até que eu dissesse algo.
- Eu não sei o que você quer que eu diga. Ele é só um amigo, e você sabe disso - ela balançou a cabeça positivamente, mas não parecia acreditar nem um pouco no que eu dizia, e revirei os olhos
- E eu não quero ir pra casa, Beck. - completei, mudando de assunto - Não é uma boa ideia.
- Porque? - ela perguntou, tentando se deitar ao meu lado, mas o sofá era pequeno demais para nós duas, então coloquei meus pés sobre seu colo - Não diga que é por causa dele. Porque eu duvido que aquele doente vá dar as caras por lá.
Ela não havia pronunciado seu nome, mas aquela sensação veio novamente, e eu sabia que era uma péssima ideia. Eu sabia que não conseguiria estar na mesma cidade que ele e fingir que estava tudo bem - porque eu não estava bem. Eu não conseguiria fingir aquilo.
- E se ele estiver lá? E se eu encontrá-lo? Eu não quero vê-lo. - estremeci só de pensar na perspectiva, e Rebeca afagou minha perna.
- Então eu apago com a raça do desgraçado. E você sabe, nós ainda podemos contar pro papai. Você sabe, ele faria algo. Você o conhece.
Balancei a cabeça negativamente, engolindo o bolo que se formava em minha garganta, e não disse nada, mas acho que ela sabia. E que provas eu tinha? pensei em dizer, mas fiquei em silêncio.
Eu queria contar para meus pais. Para meu pai, principalmente, porque sempre havíamos sido muito próximos - era com ele que eu conversava quando algo dava errado ou eu não estava bem. Mas eu não queria decepcioná-lo. De certa forma, eu tinha vergonha de tudo aquilo. De ter deixado acontecer, e eu tinha medo do que ele me diria - qualquer um deles.
- Vai ficar tudo bem - ela me abraçou, e por alguns segundos eu fechei os olhos, desejando que fosse verdade. Que tudo ficasse bem. Que eu pudesse ficar bem.
- Eu sei que você sente falta deles. E você não pode deixá-lo controlar sua vida, Leah - ela disse, e eu sabia que era verdade, mas eu já havia feito isso, no momento em que decidira ir embora. Ao não dizer nada, e sair escondida no meio da noite, como se eu tivesse feito algo errado, eu havia deixado-o fazer isso, e eu sentia como se fosse tarde demais. Porque, às vezes, eu não podia deixar de pensar que talvez eu tivesse feito.
- Eu vou estar lá com você - ela completou, depois de eu não dizer nada, e concordei, mas eu estava absorta demais em meus pensamentos para ouvir. Tudo o que eu conseguia pensar era o fato de que eu só queria apagar aquilo - eu só queria não tê-lo conhecido.
Subi as escadas, levando uma xícara de chá que Rebeca preparou - e me obrigara a tomar - porque eu precisava de alguns minutos sozinha, e antes de começar a arrumar minhas coisas, tirei minhas roupas e entrei de baixo do chuveiro, esperando que um banho pudesse me acalmar.

Eu sabia que havia demorado bem mais do que o necessário porque, quando sai, ouvi vozes lá embaixo, o que significava que meu pai já havia chegado, e ele e Rebeca conversariam por alguns minutos antes de um deles subir para me apressar.
Me vesti rapidamente, e enfiei apenas alguns pares de roupas dentro da mochila, porque era só um fim de semana, e eu tinha certeza de que havia deixado algumas coisas na casa de meus pais - era estranho falar assim, mas eu não sentia como se aquela ainda fosse a minha casa. Na verdade, eu não sentia como se algo lá ainda fosse meu, o que me deixava triste.
Coloquei meus fones e ocupei o espaço que sobrou na mochila com alguns livros, porque talvez eu pudesse lê-los no caminho até lá. Escovei meus dentes, e como eu sabia que não teria tempo para secar o cabelo, coloquei minha touca favorita - preta, com algumas estrelas desenhadas, e antes que eu esquecesse, enfiei a camisa de Mick dentro da mochila.
Eu estava nervosa, e diria que, até, um pouco ansiosa - e não de um modo bom, o que me impedia de ficar completamente animada pelo fato de que eu iria, depois de muito tempo, voltar para casa, e passar um final de semana com meus pais. Ver meus amigos e os lugares que eu costumava frequentar, vizinhos e pessoas que gostava. Então porque eu não conseguia me livrar daquele frio na barriga e da sensação incômoda de que aquilo era errado? Eu não podia voltar pra lá. Eu sabia que não podia, mas mesmo assim, tentei parecer animada quando desci as escadas e o cheiro forte de café - a bebida favorita de papai - invadiu minhas narinas. Meu pai me abraçou, e não foi difícil, por alguns instantes, me esquecer de tudo o que aquele final de semana podia significar. De como ele poderia me fazer enlouquecer - e já estava. Por alguns instantes, me esqueci de tudo, e só me concentrei no fato de que eu iria passar algum tempo com minha família.
O momento em que pegamos a estrada foi mais difícil. Tentei me distrair com as história que meu pai contava sobre alguns conhecidos, e sorri quando ele disse que sugeriu que jantássemos fora, mas mamãe quis preparar algo especial ela mesma - ela adorava cozinhar. Tentei me concentrar na música - de um cantor country que eu nunca tinha ouvido, mas meu pai parecia saber a letra de cor - que era boa; mas a todo momento imagens passavam pela minha cabeça, e eu não conseguia me impedir de criar milhares de prováveis cenários e tudo o que poderia acontecer se eu o encontrasse. Eu também não conseguia parar de me lembrar daquela noite, e tentava impedir meu corpo todo de tremer, enquanto repetia a mim mesma que precisava esquecer aquilo. Mandar as imagens para longe - era o que eu fazia, mas às vezes não funcionava. Em alguns momentos, elas me pegavam desprevenida, e eu mergulhava naquele pesadelo novamente. Mas eu não podia me dar ao luxo de pensar naquilo - não naquele momento, caso contrário enlouqueceria.
Eu sabia que só chegaríamos no meio da noite, e não esperava conseguir dormir, mas a música ajudou. A atmosfera calma do carro quase me distraía de toda a bagunça, o medo e o turbilhão de emoções que me aquietavam, e por alguns minutos, relaxei.

Perto do limiteOnde histórias criam vida. Descubra agora