Capítulo 39

45 6 0
                                    

Mick

Eu ainda estava um pouco puto com Miranda, e não queria voltar pra casa, então mandei uma mensagem à Zach perguntando se ele já havia chegado da faculdade. Ele me respondeu meia hora depois, quando eu tomava uma dose de uísque no Slayers, me perguntando se eu estava a fim de uma corrida. Zach não era obcecado com forma física ou algo do tipo, mas desde que éramos crianças, ambos compartilhávamos o mesmo gosto pelo esporte.
Dei uma parada em casa, trocando minha jaqueta e o jeans por moletons, e calcei um tênis de corrida.
Deixei um bilhete, avisando que eu não ia demorar, e dirigi até o parque próximo ao apartamento de Zach, onde costumávamos correr. Até o mês passado, quando ele e Margot ainda namoravam, ela costumava nos acompanhar - a garota era bolsista na universidade de Nova Jersey, e eu tinha certeza que podia praticar qualquer esporte. Eu nunca imaginava que eles terminariam - Zach não desgrudava dela, e a garota era exatamente com ele: inteligente, focada, madura, e um pouco maluca. Então, ela conseguiu um estágio e pediu transferência para uma faculdade do outro lado do mundo, e por algum motivo que nenhum de nós entendeu, não quis manter um relacionamento à distância. Depois disso, não o vi se envolver com mais ninguém - apesar das tentativas de Tray de lhe apresentar algumas garotas.
- Como estão as coisas com a garota? - Zach perguntou a certo momento, quando o alcancei, o que era difícil pra caralho. Ele sempre me ultrapassava.
- Não estão - eu sabia que Zach não se convenceria com minha atitude de não estar ligando, mas eu esperava convencer a mim mesmo. Eu não queria ficar mal por causa de uma garota, que por sinal, eu só havia beijado umas poucas vezes.
- O que você fez dessa vez? - ele me encarou com uma expressão divertida, e dei de ombros.
- Ela me chutou - continuei correndo, e ele soltou uma gargalhada, parando.
- Leah te deu o fora? O que você fez, cara? Ela parece legal...
- Não me culpe. Eu estava curtindo. Aquela garota é... complicada.
- Você também é. E é só uma garota, Mick - ele parou, ofegante, e peguei minha garrafa de água, diminuindo o ritmo - A não ser que você goste dela...
Não respondi, e ele interpretou meu silêncio como um sim.
- Wow. Você gosta. Você realmente gosta da Leah. Wow.
- O que tem de mais? - perguntei, um pouco irritado por ele estar me forçando a admitir algo que nem eu mesmo tinha certeza.
- Nada. Na verdade, ela...parece ótima. Mas você costuma tratá-las como nada, cara.
- Vá se foder - falei, mas eu não estava irritado. Ele estava certo. Eu geralmente não gostava de ninguém. Não desde de Alison.
- Você devia falar com ela - ele me disse, enquanto fazíamos a caminhada de volta. Esse era o problema com Zach. Depois de me fazer admitir, ele ficaria me importunando com isso o resto da vida.
- Eu tentei. Ela disse algo sobre ser só uma noite e algum caralho assim.
- Talvez ela também tenha medo de compromissos...
- Eu não tenho... - comecei a negar, mas ele me interrompeu, porque ambos sabíamos a verdade. Eu os odiava, e talvez, Leah também - Eu não a pedi em namoro, porra. Garota maluca.
- É por isso que vocês combinam.
Quer tomar uma cerveja? Estou de folga esta noite.

Depois de acabar com metade das cervejas que havíamos comprado, dirigi de volta pra casa, antes que Miranda surtasse. Nos últimos dias, ela estava pegando no um pouco no meu pé em relação a horários, e eu não podia culpá-la, quando naquele mês eu havia ficado fora por vários dias sem dar notícias, mas eu não queria voltar pra casa.
Ela, entretanto, ainda não havia voltado quando cheguei. Talvez tivesse precisado ficar até mais tarde no trabalho.
Vi o computador de Greg no sofá, mas ele não parecia estar em casa também, o que me deixou um pouco preocupado. Coloquei meu celular pra carregar, checando se havia alguma mensagem chamada perdida, mas não havia nada.
Então, Greg desceu as escadas, apressado, carregando uma bolsa azul escura, e lhe perguntei onde estava Miranda.
- Ela vai passar a noite no hospital, e me pediu pra levar algumas coisas - ele esfregou a parte de trás de sua cabeça, como costumava fazer quando estava nervoso, e me perguntei o que diabos estava acontecendo.
- O que aconteceu? Como ele está? - Greg engoliu em seco, e sentou-se num dos degraus da escada, colocando a cabeça entre as mãos - Responda.
- Mal - ele levantou os olhos, que estavam vermelhos, e eu sabia que as coisas estavam realmente ruins, porque meu irmão nunca chorava - Seus órgãos estão parando.
Ele tinha o olhar vago - aquele mesmo de quando eu lhe admiti que beijei sua namorada. Então, também me sentei na escada, por mais que aquilo fosse estranho, e não estivéssemos nos falando, e tentei lhe dar uma espécie de abraço. Ele me encarou com um olhar estranho - que eu poderia interpretar como raiva, ou qualquer outra coisa, porque era difícil saber o que Greg estava pensando, e então também me abraçou. Dei alguns tapinhas em suas costas, porque eu não sabia muito bem como fazer aquilo, e porque a última vez que havíamos nos abraçado, bem, nós éramos crianças. E porque eu não me lembrava quando havia sido a última vez que eu havia abraçado alguém.
Então ele se levantou, dizendo que precisava levar as coisas à Miranda, e virou as costas.
Foda-se, eu pensei, achando que as coisas voltariam a ficar estranhas, quando ele se virou, me perguntando se eu iria ou não.
Embora eu provavelmente estivesse fedendo a cerveja, e precisasse de um banho, vesti apenas uma camiseta limpa, às pressas, enquanto Greg falava no celular.
- Se importa de dirigir? - ele perguntou, me arremessando as chaves de seu carro, e as peguei. Eu sabia que ele precisava falar com Melissa, e embora não fosse da minha conta, não pude evitar ouvir a conversa. As coisas estavam meio fodidas entre eles. Com toda a coisa da faculdade, e o tempo que estava passando em casa, Greg não tinha quase tempo nenhum para ela, e a garota, é claro, queria mais. Eles estavam discutindo.
Tentei não prestar atenção, mas era meio óbvio. Mesmo ouvindo apenas um dos lados da conversa, e mesmo sabendo que meu irmão era um idiota, era bem óbvio. As coisas não estavam bem.
Eu queria dizer a ele que sentia muito por ter sido um filho da puta, e que eu esperava que as coisas desses certo entre ele e essa garota, mas não disse nada. Às vezes, você passa tanto tempo sem falar com alguém, que as coisas se tornam estranhas demais pra serem consertadas.
Eu ainda me lembrava de como as coisas eram antes - antes de eu estragar tudo, e de a distância entre nós se tornar tão fodidamente espessa. Ele costumava me defender dos garotos mais velhos que implicavam comigo na escola, mesmo que fosse péssimo em brigas, e geralmente acabasse com um olho roxo, até eu começar a defendê-lo também, e me dava ingressos pra de bandas de rocks nos meus aniversários, mesmo quando seus empregos de verão pagavam mal. E até me deixava sair com seus amigos mais velhos.
Eu sei, eu era um idiota. E agora tudo estava diferente. Depois que Greg fora para a faculdade, as coisas haviam mudado, e nós mal trocávamos meia dúzia de palavras. E naquele momento, aquilo me deixou triste pra caralho.
Eu pude ver que algo estava realmente errado quando a vi. Miranda parecia inegavelmente cansada. Seu cabelo estava bagunçado, a roupa, um pouco amassada, e seu rímel, borrado, escorria pelo rosto. Eu sabia que algo estava errado porque Miranda nunca saia em público sem se certificar de que tudo estava perfeito, inclusive ela mesma. Principalmente ela mesma.
E eu sabia que algo estava errado porque todo o seu corpo tremia - e então, quando me aproximei, ela colocou a cabeça entre as mãos, soluçando, e murmurou algo que me pareceu incoerente.
- Não - foi o que eu disse, e minhas mãos estavam em dela, sacudindo-a, porque aquilo não era real. Não.
Então não ouço o que ela diz, nem quando ela me chama de querido, porque nada do que ela fala está fazendo sentido. Não. Porra, não.
Então Greg está me segurando, e sinto meu punho latejar, e algo quente está escorrendo dele. Sinto alguns pares de braços me arrastando, e não tento resistir, porque aquilo ainda parece não fazer sentido.
Não.
Ele não está morto. Meu pai não está morto.

Perto do limiteOnde histórias criam vida. Descubra agora